Passagens sobre Livros

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Presos ao Passado

Num romance que estou escrevendo há uma personagem a quem perguntam: «E onde irás ser sepultado?» E ela responde: «A minha sepultura maior não mora no futuro. A minha cova é o meu passado.»
De facto, cada um de nós corre o risco de ficar sepultado no seu próprio passado. Todos temos de resistir para não ficarmos aprisionados numa memória simplificada que é o retrato que outros fizeram de nós. Todos trazemos escrito um livro e esse texto quer-se impor como nossa nascente e como nosso destino. Se existe uma guerra em cada um de nós é a de nos opormos a esse fado de estarmos condenados a uma única e previsível narrativa.

Ser pessoa custa muito mais do que ser génio. Ser pessoa – e viver como pessoa – é muito mais genial do que qualquer livro ou pensamento que possas criar.

Não há no mundo livros que se devam ler, mas somente livros que uma pessoa deve ler em certo momento, em certo lugar, dentro de certas circunstâncias e num certo período da sua vida.

Acontece com os livros o mesmo que com os homens, um pequeno grupo, desempenha um grande papel.

A Vida de um Livro

Acredito que a vida de um livro enquanto está nas mãos do autor não é mais importante do que quando está nas mãos do leitor. O leitor é quase sempre um autor ele próprio. É ele que dá significado às palavras e por isso até acho muito interessante quando as pessoas me vêm apontar coisas que não eram minha intenção, mas que de facto estão lá. E há muitas outras coisas que foram minhas intenções e que nunca ninguém me referiu, e no entanto também lá estão. Se calhar alguém reparou nelas ou ainda vai reparar. Tudo o que um leitor leia num livro é legítimo porque nessa fase o leitor é tudo, é ele que faz o livro.

Nossas escritas são tão frustradas, nossos leitores parasitas, nossos livros parecem belos; aquilo que um admira o outro rejeita; assim somos aprovados como a ilusão dos homens são influenciadas.

Queremos livros que nos afetem como um desastre. Um livro deve ser como um machado diante de um mar congelado em nós

Eu penso que um livro deve ser julgado dez anos mais tarde, depois de o lermos e de o voltarmos a ler.

XV

Inda hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as e punge-me a lembrança delas;
Lembro-as, e vejo-as, como as vi partindo,
Estas cantando, soluçando aquelas.

Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob as rosas de neve das capelas;
Outras, de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo o seio, lúbricas e belas…

Todas, formosas como tu, chegaram,
Partiram… e, ao partir, dentro em meu seio
Todo o veneno da paixão deixaram.

Mas, ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tão cheio
De luz tão viva, que abrasasse tanto.

Gosto de Amar

gosto de amar com os dedos,
encontrar o centímetro em que nasce o orgasmo
em ti, perceber a extensão da forma como te sobressaltas,
e encostar-te o meu ouvido à boca para ouvir a voz de
deus.

gosto de amar com os olhos,
gastar a hipótese do sono e ver-te adormecer,
a noite escura e o silêncio de um abraço,
e se queres que te diga
só te escolhi por engano, queria o amor dos livros
e virei escritor, os dias inteiros à espera do teu corpo
para que as metáforas aconteçam.

gosto de amar com as lágrimas,
praticar o abismo, a largura estreita dos teus lábios,
a sensação de mar excessivo da tua língua,
até a maneira como me percorres o sexo
com a extremidade da tua respiração parada,
e sobretudo submeter-me ao castigo da emoção
de te amar ainda depois do final do prazer,
a pequena morte acabada
e a vida toda outra vez a começar.

gosto de amar com o que me resta,
e tudo o que sei é que me resta amar-te.

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Sou o Pedro Chagas Freitas e fabrico ideias. Esbofeteiem-me. Sou o Pedro Chagas Freitas e não há um dia só que passe sem inventar algo de novo. Pode ser um texto, uma construção frásica, um uso radical de um sinal de pontuação. Ou então um jogo para crianças, um conceito de programa de televisão, um livro que é tão especial que nem ordem tem. Eu sou o Pedro Chagas Freitas e sou um idiota: eis tudo. Antes um idiota ostracizado do que um génio domesticado.

A enorme quantidade de livros que circulam por aí está a deixar-nos completamente ignorantes.

Ultrapassar o Medo

As pessoas vivem com medo. Tu tens medo. Todos temos. Uns mais outros menos, uns de uma forma consciente outros de uma forma inconsciente, uns enfrentam-no outros morrem nas suas mãos. O medo, e repito o que já escrevi no “Arrisca-te a Viver”, é a única emoção que não gera ação. Se entrares em pânico foges, se sentires raiva bates ou gritas, se tiveres medo encolhes-te. O medo algema-te, tolda-te as possibilidades e faz de ti seu prisioneiro.
Porque é que achas que o mundo, o país e a tua própria vida se encontram no estado em que estão? Medo. Muito medo. E nesta matéria, permite-me ser assertivo, se tens medo seja do que for de nada te adianta comprar um cão, sabes porquê? Porque vais educá-lo baseado no medo, logo, vais estragar mais uma vida. Não te chegava a tua? Pobre do animal, merecia melhor sorte. Ora bem, uma educação alicerçada no medo fará com que ele viva no próprio medo e tu com medo que ele te desobedeça. É uma desgraça. Serás incapaz de amá-lo, assim como és incapaz de amar seja quem for, muito menos a ti. E se me disseres que não estás de acordo com o que acabei de escrever,

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O Futuro é dos Virtuosos e dos Capazes

É preciso confessar, o presente é dos ricos, e o futuro é dos virtuosos e dos capazes. Homero ainda vive, e viverá sempre; os recebedores de direitos, os publicanos, não existem mais: existiram algum dia? A sua pátria, os seus nomes, são conhecidos? Houve arrecadores de impostos na Grécia? Que fim levaram essas personagens que desprezavam Homero, que só pensavam, na rua, em evitá-lo, não correspondiam à sua saudação, ou o saudavam pelo nome, desdenhavam associá-lo à sua mesa, olhavam-no como um home que não era rico e fazia um livro?
O mesmo orgulho que faz elevar-se altivamente acima dos seus inferiores, faz rastejar vilmente diante dos que estão acima de si. É próprio deste vício, que não se funda sobre o mérito pessoal nem sobre a virtude, e sim sobre as riquezas, cargos, crédito, e sobre ciências vãs, levar-nos igualmente a desprezar os que têm menos essa espécie de bens do que nós e a apreciar demais aqueles que têm uma medida que excede a nossa.

Há almas sujas, amassadas com lama e sujidade, tomadas pelo desejo de ganho e interesse, como as belas almas o são pelo da glória e da virtude: capazes de uma única volúpia,

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