Longos

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Definição por Soma

Um consumir-se a cada instante
um escoar-se e um desperdício
um e contudo outro e diverso
um processar-se e um processo

Para tocar o que do vento
para prender o que da fuga
para morder o que do sono
para tão só há que esquecer

Combatido por trevas últimas
combatido por rostos pálidos
combatido por chuva e névoa
combatido e a dar combate

Chego ao inóspito do clima
chego ao vazio onde só o sexo
chego ao anónimo e mortal
chego ao agudo e seus recônditos

Essa unidade com o múltiplo
essa inclusão pelo abandono
essa causalidade absurda
essa e não outra que a disputa

Discórdia que se aceita íntegra
discórdia que mascara os pactos
discórdia dos estados físicos
discórdia e discórdia e insolúvel

Quando de cada nascimento
quando visível o invisível
quando o que há é só o agora
quando dissolução do tempo

Passo por fios de cabelo
passo por rápidos que fogem
passo por bons e maus momentos
passo e no entanto permaneço

Homem que sou e com memória
homem e póstumo e morrendo
homem que alto e sobrevive
homem e seco e secas lágrimas

A Piedosa Beppa

Enquanto o meu corpo for belo
É pecado ser piedosa,
É sabido que Deus gosta das mulheres,
E das bonitas sobretudo.
Ele perdoará, tenho a certeza,
Facilmente ao pobre fradezinho
Que tanto procura a minha companhia
Como muitos outros fradezinhos.

Não é um velhorro padre da Igreja,             .
Não, é jovem, muitas vezes vermelho,
Muitas vezes, apesar da mais cinzenta tristeza,
Pleno de desejo e de ciúme.
Não gosto dos velhos.
Ele não gosta das velhas:
Que admiráveis e sábios
São os caminhos do Senhor!

A Igreja sabe viver,
Sonda os corações e os rostos,
Insiste em perdoar-me…
Quem não me perdoará, então?
Três palavras na ponta da língua,
Uma reverência e ide embora:
O pecado deste minuto
Apagará o antigo.

Bendito seja Deus na Terra,
Gosta das raparigas bonitas
E perdoa de bom grado
Os tormentos do amor.
Enquanto o meu corpo for belo
É pena ser piedosa;
Case o diabo comigo
Quando eu já não tiver dentes.

O Homem que Lê

Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde… em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins
transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.

E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;

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Todo o Amor em Nosso Amor se Encerra

Minha moça selvagem, tivemos
que recuperar o tempo
e caminhar para trás, na distância
das nossas vidas, beijo a beijo,
retirando de um lugar o que demos
sem alegria, descobrindo noutro
o caminho secreto
que aproximava os teus pés dos meus,
e assim tornas a ver
na minha boca a planta insatisfeita
da tua vida estendendo as raízes
para o meu coração que te esperava.
E entre as nossas cidades separadas
as noites, uma a uma,
juntam-se à noite que nos une.
Tirando-as do tempo, entregam-nos
a luz de cada dia,
a sua chama ou o seu repouso,
e assim se desenterra
na sombra ou na luz nosso tesouro,
e assim beijam a vida os nossos beijos:
todo o amor em nosso amor se encerra:
toda a sede termina em nosso abraço.
Aqui estamos agora frente a frente,
encontrámo-nos,
não perdemos nada.
Percorremo-nos lábio a lábio,
mil vezes trocámos
entre nós a morte e a vida,
tudo o que trazíamos
quais mortas medalhas
atirámo-lo ao fundo do mar,
tudo o que aprendemos
de nada serviu:
começámos de novo,

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Tremo Sempre Diante do Amor

Nadia, deves ter visto a falta de jeito com que no último momento te pedi o número do telefone e este endereço de correio eletrónico para onde te escrevo, e deves ter-te apercebido também da peregrina desculpa: os dois sabemos que podes conseguir de mil outras maneiras diferentes 05 livros que fiquei de te emprestar. Há-os em muitos lados. Toda a gente os tem. Pode até acontecer que já façam parte da tua biblioteca há anos e que neste momento estejas a olhar as suas lombadas da cadeira onde estás sentada enquanto me lês; e também pode acontecer, na realidade não me admiraria nada, que seja eu quem não os tem nem os teve nunca. Durante o jantar não conseguia tirar os olhos de ti, mas isso já tu sabes. Perante isso, apenas posso esperar que o resto dos comensais, especialmente os teus amigos, não se tenham apercebido de até que ponto me eram indiferentes as restantes pessoas e conversas. Como viste, tenho já um longo caminho percorrido. Sou um homem com passado, como se costuma dizer, embora isso não faça com que seja mais fácil para mim escrever uma carta como esta. Porque isto é uma carta, não é verdade?

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Os Exemplos são Guias que nos Desencaminham com Frequência

Seja qual for a diferença que exista entre os bons e os maus exemplos, convenhamos que ambos dão mau resultado. Nem sequer sei se os crimes de Tibério ou de Nero nos afastam mais dos vícios do que os exemplos paradigmáticos dos grandes homens que supostamente nos encaminham para a virtude. Veja-se como a valentia de Alexandre produziu gabarolas! Veja-se até que ponto a glória de César permitiu actos antipáticos! Repare-se como Roma e Esparta louvaram virtudes selvagens! Diógenes criou tantos filósofos importunos, Cícero citou tagarelas, Pompónio Ático citou pessoas medíocres e preguiçosas, Mário e Sila, pessoas vingativas, Lucullus, pessoas voluptuosas, Alcibíades e António citaram debochados e Capão citou pessoas teimosas! Todos estes famosos protótipos produziram um número enorme de más reproduções. As virtudes são vizinhas dos vícios. Os exemplos são guias que nos desencaminham com frequência e, como estamos tão cheios de mentiras, não deixamos de usá-las tanto para nos afastarmos do caminho da virtude como para segui-lo.

A Consciência é um Produto Social

São os homens os produtores das suas representações, das suas ideias, etc.; mas os homens reais agentes, tais como são condicionados por um desenvolvimento determinado das suas forças produtivas e das relações que lhes correspondem. (…) A consciência não pode ser coisa diversa do ser consciente e o ser dos homens é o seu processo de vida real.
(…) Desde o início que pesa uma maldição sobre «o espírito», a de estar «manchado» por uma matéria que se apresenta aqui sob a forma de camadas de ar agitadas, de sons, de linguagem em suma. A linguagem é tão velha quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática, existente também para outros homens, existente também igualmente para mim mesmo pela primeira vez, e, tal como a consciência, a linguagem só aparece com a necessidade, a necessidade de comunicação com os outros homens. (…) A consciência é portanto, desde início, um produto social, e assim sucederá enquanto existirem homens em geral.

A Necessidade da Filosofia

A filosofia não brota por ser útil, mas tão-pouco pela acção irracional de um desejo veemente. É constitutivamente necessária ao intelectual. Porquê? A sua nota radical era buscar o todo como um tal todo, capturar o Universo, caçar o Unicórnio. Mas porquê esse profundo anseio? Por que não nos contentamos com o que, sem filosofar, achamos no mundo, com o que já é e aí está patente diante de nós? Por esta simples razão: tudo o que é e está aí, quanto nos é dado, presente, patente, é por sua essência um mero bocado, pedaço, fragmento, coto. E não podemos vê-lo sem prever e verificar que está a menos a porção que falta. Em todo o ser que é dado, em todo o dado do mundo encontramos a sua essencial linha de fractura, o seu carácter de parte e só parte – vemos a ferida da sua mutilação ontológica, grita-nos a sua dor de amputado, a sua nostalgia do bocado que lhe falta para ser completo, o seu divino descontentamento. Há doze anos, quando eu falava em Buenos Aires, definia o descontentamento «como um amar sem amado e uma como dor que sentimos em membros que não temos». É o achar de menos o que não somos,

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Acreditar na Mudança

Se elevar os seus padrões, mas não acreditar realmente que os pode cumprir, já se terá sabotado. Nem sequer vai tentar. Faltar-lhe-á aquela sensação de certeza que lhe permite tirar proveito da capacidade mais profunda que reside dentro de si enquanto lê isto. As nossas crenças são como ordens não questionadas, dizendo-nos como as coisas são, o que é possível e impossível, o que podemos e o que não podemos fazer. Dão forma a todas as nossas ações, pensamentos e sentimentos. Como resultado, mudar os nossos sistemas de crenças é fundamental para fazer qualquer mudança real e duradoura nas nossas vidas. Temos de desenvolver uma certeza de que podemos e iremos cumprir os novos padrões antes de o fazermos realmente.

Sem assumir o controlo dos seus sistemas de crenças, pode elevar os seus padrões tanto quanto lhe apetecer, mas nunca terá convicção para os defender. O que acha que Gandhi teria conseguido se não tivesse acreditado profundamente no poder da oposição pacífica? Foi a congruência das suas crenças que lhe deu acesso aos seus recursos interiores e lhe permitiu enfrentar os desafios que teriam derrubado um homem menos dedicado. As crenças fortalecedoras – esta noção de certeza –

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Bela

Bela,
como na pedra fresca
da fonte, a água
abre um vasto relâmpago de espuma,
assim é o sorriso do teu rosto,
bela.

Bela,
de finas mãos e delicados pés
como um cavalinho de prata,
caminhando, flor do mundo,
assim te vejo,
bela.

Bela,
com um ninho de cobre enrolado
na cabeça, um ninho
da cor do mel sombrio
onde o meu coração arde e repousa,
bela.

Bela,
não te cabem os olhos na cara,
não te cabem os olhos na terra.
Há países, há rios
nos teus olhos,
a minha pátria está nos teus olhos,
eu caminho por eles,
eles dão luz ao mundo
por onde quer que eu vá,
bela.

Bela,
os teus seios são como dois pães feitos
de terra cereal e lua de ouro,
bela.

Bela,
a tua cintura
moldou-a o meu braço como um rio quando
passou mil anos por teu doce corpo,
bela.

Bela,
não há nada como as tuas coxas,

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Alexandra

Há pequenas aves que têm raízes nas palavras,
essas palavras que não ficam arrumadas com decência
na literatura,
palavras de amantes sem amor, gente que sofre
e a quem falta o ar quando faltam as palavras.
Quando digo o teu nome há uma ave que levanta voo
como se tivesse nascido o dia e uma brisa
encarcerada nas amêndoas se soltasse para a impelir
para o mais frio, para o mais alto, para o mais azul.
Quando volto para casa o teu nome vai comigo
e ao mesmo tempo espera-me já
numa casa construída com dois nomes,
como se tivesse duas frentes,
uma para a montanha e outra para o mar.
Por vezes dou-te o meu nome e fico com o teu,
espreito então pelas janelas de onde
se vêem coisas que nunca antes tinha visto,
coisas que adivinhava mas que não sabia,
coisas que sempre soube mas que nunca quis olhar.
Nessas alturas o meu nome é o teu olhar,
e os meus olhos são justamente a pronúncia do
teu nome que se diz com um pequeno brilho molhado,

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A Cólera dos Bondosos e a Cólera das Almas Fracas

Podemos distinguir duas espécies de cólera: uma que é muito súbita e se manifesta muito no exterior, mas mesmo assim tem pouco efeito e pode facilmente ser apaziguada; e outra que inicialmente não aparece tanto, porém corrói mais o coração e tem efeitos mais perigosos. Os que têm muita bondade e muito amor são mais sujeitos à primeira. Pois ela não provém de um ódio profundo, e sim de uma súbita aversão que os surpreende, porque, sendo levados a imaginar que as coisas devem desenrolar-se da forma como julgam ser a melhor, tão logo acontece de forma diferente; eles ficam admirados e frequentemente se ofendem com isso, mesmo que a coisa não os atinja pessoalmente, porque, tendo muita afeição, interessam-se por aqueles a quem amam, da mesma forma que por si mesmos. Assim, o que para outra pessoa seria apenas motivo de indignação é para eles um motivo de cólera. E como a inclinação que têm para amar faz que tenham muito calor e muito sangue no coração, a aversão que os surpreende não pode impelir para este tão pouca bile que isso não cause inicialmente uma grande emoção no sangue. Mas tal emoção pouco dura, porque a força da surpresa não se prolonga e porque,

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Mérito e Auto-Suficiência

Só os baixos méritos podem ser enumerados. Temei, quando os vossos amigos vos disserem o que fizeste bem e narrarem tudo; mas quando permanecerem com olhares incertos e tímidos de respeito e certo descontentamento e silenciarem por muitos anos a sua opinião, podeis começar a ter confiança. Os que vivem para o futuro devem parecer egoístas aos que vivem para o presente.

(…) A face que se me apresenta o carácter é a auto-suficiência. Reverencio a pessoa que é muito rica de carácter, porque não posso concebê-la solitária, ou pobre, ou exilada, ou infeliz, ou protegida, mas um eterno protetor, benfeitor e bem-aventurado. O carácter é centralidade, impossibilidade de ser deslocado ou posto à margem. Um homem deve dar-nos a ideia de massa.
A sociedade é frívola e divide o seu dia em fragmentos, a sua conversação em cerimónias e derivativos. Mas visitando um homem talentoso, considerarei perdido o meu tempo se se limitar a amabilidades e cerimónias; antes, ele deverá saber colocar-se solenemente no seu lugar e deixar-me julgar, por assim dizer, a sua resistência; saber que encontrei um valor novo e positivo! – grande deleite para nós ambos. Já é muito ele não aceitar as opiniões e usanças convencionais.

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O Desejo de Criar

Diotima: Qual é, Sócrates, na sua opinião, a causa deste amor, deste desejo? Você já observou em que estranha crise se encontram todos os animais, os que voam e os que marcham, quando são tomados pelo desejo de procriar? Como ficam doentes e possuídos de desejo, primeiro no momento de se ligarem, depois, quando se torna necessário alimentar os filhos? (… ) Tanto no caso dos humanos como no dos animais, a natureza mortal busca, na medida do possível, perpetuar-se e imortalizar-se. Apenas desse modo, por meio da procriação, a natureza mortal é capaz da imortalidade, deixando sempre um jovem no lugar do velho. [… ] Pois saiba, Sócrates, que o mesmo vale para a ambição dos homens. Você ficará assombrado com a sua misteriosa irracionalidade, a não ser que compreenda o que eu disse, e reflicta sobre o que se passa com eles quando são tomados pela ambição e pelo desejo de glória eterna. É pela fama, mais ainda que pelos seus filhos, que eles se dispõem a encarar todos os riscos, suportar fadigas, esbanjar fortunas e até mesmo sacrificar as suas vidas. [… ] Aqueles cujo instinto criador é físico recorrem de preferência às mulheres e revelam o seu amor dessa maneira,

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Ninguém Se Conhece a Si Mesmo

Julga que se conhece, se não se construir de algum modo? E julga que eu posso conhecê-lo, se não o construir à minha maneira? E julga que me pode conhecer, se não me construir à sua maneira? Só podemos conhecer aquilo a que conseguimos dar forma. Mas que conhecimento pode ser esse? Não será essa forma a própria coisa? Sim, tanto para mim como para si; mas não da mesma maneira para mim e para si: isso é tão verdade que eu não me reconheço na forma que você me dá, nem você se reconhece na forma que eu lhe dou; e a mesma coisa não é igual para todos e mesmo para cada um de nós pode mudar constantemente. E, contudo, não há outra realidade fora desta, a não ser na forma momentânea que conseguimos dar a nós mesmos, aos outros e às coisas. A realidade que eu tenho para si está na forma que você me dá; mas é realidade para si, não é para mim. E, para mim mesmo, eu não tenho outra realidade senão na forma que consigo dar a mim próprio. Como? Construindo-me, precisamente.

Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

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A Falta de Cultura Ética da Nossa Civilização

Creio que o exagero da atitude puramente intelectual, orientando, muitas vezes, a nossa educação, em ordem exclusiva ao real e à prática, contribuiu para pôr em perigo os valores éticos. Não penso propriamente nos perigos que o progresso técnico trouxe directamente aos homens, mas antes no excesso e confusão de considerações humanas recíprocas, assentes num pensamento essencialmente orientado pelos interesses práticos que vem embotando as relações humanas.
O aperfeiçoamento moral e estético é um objectivo a que a arte, mais do que a ciência, deve dedicar os seus esforços. É certo que a compreensão do próximo é de grande importância. Essa compreensão, porém, só pode ser fecunda quando acompanhada do sentimento de que é preciso saber compartilhar a alegria e a dor. Cultivar estes importantes motores de acção é o que compete à religião, depois de libertada da superstição. Nesse sentido, a religião toma um papel importante na educação, papel este que só em casos raros e pouco sistematicamente se tem tomado em consideração.
O terrível problema magno da situação política mundial é devido em grande parte àquela falta da nossa civilização. Sem «cultura ética» , não há salvação para os homens.

O Dom de Deixar Ir

É preciso aprender a viver. A qualidade da nossa existência depende de um equilíbrio fundamental na nossa relação com o mundo: apego e desapego. Nesta vida, a ponderação, a proporção e a subtileza são sempre melhores que qualquer arrebatamento. Mas o essencial é aprender que a existência é feita de dádivas e perdas.

Eis porque quem reza deve pedir e agradecer: tudo é, na verdade, um dom. Tudo passa… importa pois prepararmo-nos para a perda, ainda que tantas vezes não seja senão temporária… Alegrias e dores. Só há felicidade num coração onde habita a sabedoria e paciência dos tempos e dos momentos, a paz de quem sabe que são muitos os porquês e para quês que ultrapassam a capacidade humana de compreender.

Na vida, tudo se recebe e tudo se perde.
Amar é um apego natural mas também obriga a que deixemos o outro ser quem é, abrindo mão e permitindo-lhe que parta, ou que fique, sem desejar outra coisa senão que seja radicalmente livre. Aprendendo que há muito mais valor no ato de quem decide ficar do que naquele de quem só está por não poder partir.

Nada verdadeiramente nos pertence. O sublime do amor está aí,

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O Mal Saltitante

A morte é apenas uma consequência da nossa maneira de viver. Vivemos de pensamento em pensamento, de sensação em sensação. Os nossos pensamentos e as nossas sensações não correm tranquilamente como um rio, «ocorrem-nos», caem em nós como pedras. Se te observares bem, sentirás que a alma não é algo que vai mudando de cor em gradações progressivas, mas que os pensamentos saltam dela como algarismos saindo de um buraco negro. Neste momento tens um pensamento ou uma sensação, e no seguinte aparece outro, diferente, como que saído do nada. Se deres atenção, até podes sentir o instante entre dois pensamentos, quando tudo se torna negro. Esse instante, uma vez apreendido, é para nós o mesmo que a morte.
Pois a nossa vida resume-se a definir marcos e a saltar de um para o outro, diariamente, passando por milhares de instantes de morte. De certo modo, vivemos apenas nos pontos de repouso. É por isso que temos esse medo ridículo da morte irreversível, porque ela é, em absoluto, o lugar sem marcos, o abismo insondável em que caímos. Na verdade, ela é a negação absoluta daquela maneira de viver.
Mas isto só é assim quando visto da perspectiva desta vida,

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