Que Vençais no Oriente tantos Reis
Que vençais no Oriente tantos Reis,
Que de novo nos deis da Ăndia o Estado,
Que escureçais a fama que hão ganhado
Aqueles que a ganharam de infiéis;Que vencidas tenhais da morte as leis,
E que vencĂȘsseis tudo, enfim, armado,
Mais Ă© vencer na PĂĄtria, desarmado,
Os monstros e as Quimeras que venceis.Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,
E por armas fazer que sem segundo
No mundo o vosso nome ouvido seja;O que vos dĂĄ mais fama inda no mundo,
Ă vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
Tantas ingratidÔes, tão grande inveja.
Passagens de LuĂs de CamĂ”es
351 resultadosNo Mundo Quis Um Tempo Que Se Achasse
No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.Mas, por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tĂŁo longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mãos de um leve lenho.Mas (segundo o que o Céu me tem mostrado)
jĂĄ sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho jĂĄ, que nĂŁo a tenho.
O Raio Cristalino S’estendia
O raio cristalino s’estendia
pelo mundo, da Aurora marchetada,
quando Nise, pastora delicada,
donde a vida deixava, se partia.Dos olhos, com que o Sol escurecia,
levando a vista em lĂĄgrimas banhada,
de si, do Fado e Tempo magoada,
pondo os olhos no Céu, assi dezia:-Nasce, sereno Sol, puro e luzente;
resplandece, fermosa e roxa Aurora,
qualquer alma alegrando descontente;que a minha, sabe tu que, desd’agora,
jamais na vida a podes ver contente,
nem tĂŁo triste nenhĂŒa outra pastora.
Ah! Imiga Cruel, Que Apartamento
Ah! imiga cruel, que apartamento
Ă© este que fazeis da pĂĄtria terra?
Quem do paterno ninho vos desterra,
glĂłria dos olhos, bem do pensamento?Is tentar da fortuna o movimento
e dos ventos cruéis a dura guerra?
Ver brenhas d’ĂĄgua, e o mar feito em serra,
levantado de um vento e d’outro vento?Mas jĂĄ que vos partis, sem vos partirdes,
para convosco o Céu tanta ventura,
que seja mor que aquela que esperardes.E sĂł nesta verdade ide segura:
que ficam mais saudades com partirdes,
do que breves desejos de chegardes.
Não Pode Tirar-me as Esperanças
Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirarå o que eu não tenho.Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.Mas conquanto nĂŁo pode haver desgosto
Onde esperança falta, lå me esconde
Amor um mal, que mata e nĂŁo se vĂȘ.Que dias hĂĄ que na alma me tem posto
Um nĂŁo sei quĂȘ, que nasce nĂŁo sei onde;
Vem nĂŁo sei como; e dĂłi nĂŁo sei porquĂȘ.
VĂłs SĂł Convosco mesma Andai de Amores
Porque quereis, Senhora, que ofereça
A vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que eu mereço,
Bem por nascer estå quem vos mereça.Entendei que por muito que vos peça,
Poderei merecer quanto vos peço;
Pois não consente Amor que em baixo preço
Tão alto pensamento se conheça.Assim que a paga igual de minhas dores
Com nada se restaura, mas deveis-ma
Por ser capaz de tantos desfavores.E se o valor de vossos amadores
Houver de ser igual convosco mesma,
VĂłs sĂł convosco mesma andai de amores.
Por Cima Destas Ăguas, Forte E Firme
Por cima destas ĂĄguas, forte e firme,
irei por onde as sortes ordenaram,
pois, por cima de quantas me choraram
aqueles claros olhos, pude vir me.JĂĄ chegado era o fim de despedir me,
jĂĄ mil impedimentos se acabaram,
quando rios de amor se atravessaram
a me impedir o passo de partir me.Passei os eu com Ăąnimo obstinado,
com que a morte forçada e gloriosa
faz o vencido jĂĄ desesperado.Em que figura, ou gesto desusado,
pode jĂĄ fazer medo a morte irosa,
a quem tem a seus pés rendido e atado?
Fiou Se O Coração, De Muito Isento
Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tĂŁo ilĂcito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.Mas os olhos pintaram tĂŁo a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razĂŁo, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.Ă HipĂłlito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que nĂŁo sabia ter nenhum respeito:em mim vingou o amor teu casto peito;
mas estĂĄ desse agravo tĂŁo vingado,
que se arrepende jĂĄ do que tem feito.
Desculpa-me o que vejo
Que se, enfim, resisto
Contra tĂŁo atrevido e vĂŁo desejo,
Faço-me forte em vossa vista pura,
E armo-me de vossa formosura.
Se amor de tanta dura
Por tanto mal tĂŁo pouco bem merece,
NĂŁo estranheis minha alma, que endoudece.
Pensamentos, Que Agora Novamente
Pensamentos, que agora novamente
cuidados vĂŁos em mim ressuscitais,
dizei me: ainda nĂŁo vos contentais
de terdes, quem vos tem, tĂŁo descontente?Que fantasia Ă© esta, que presente
cad’hora ante meus olhos me mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
quem nem por sonhos pode ser contente?Vejo vos, pensamentos, alterados
e nĂŁo quereis, d’esquivos, declarar me
que Ă© isto que vos traz tĂŁo enleados?NĂŁo me negueis, se andais para negar me;
que, se contra mim estais alevantados,
eu vos ajudarei mesmo a matar me.
Se males faz Amor, em mim se vĂȘem;
……………………………
Mas todas suas iras sĂŁo de Amor;
Todos estes seus males sĂŁo um bem,
Que eu por todo outro bem nĂŁo trocaria.
Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirarĂĄ o que eu nĂŁo tenho.
Qual tem a borboleta por costume
Qual tem a borboleta por costume,
Que, enlevada na luz da acesa vela,
Dando vai voltas mil, até que nela
Se queima agora, agore se consume,Tal eu correndo vou ao vivo lume
Desses olhos gentis, AĂłnia bela;
E abraso-me por mais que com cautela
Livrar-me a parte racional presume.Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente;Porém, não quer Amor que lhe resista,
Nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
Qual em glĂłria maior, estĂĄ contente.
Verdade, amor, razĂŁo, merecimento
Qualquer alma farĂŁo segura e forte,
Porém, fortuna, caso, tempo e sorte
TĂȘm do confuso mundo o regimento.
Tomava Daliana Por Vingança
Tomava Daliana por vingança
da culpa do pastor que tanto amava,
casar com Gil vaqueiro; e em si vingava
o erro alheio e pérfida esquivança.A discrição segura, a confiança,
as rosas que seu rosto debuxava,
o descontentamento lhas secava,
que tudo muda ĂŒa ĂĄspera mudança.Gentil planta disposta em seca terra,
lindo fruito de dura mĂŁo colhido,
lembranças d’outro amor, e fĂ© perjura,tornaram verde prado em dura serra;
interesse enganoso, amor fingido,
fizeram desditosa a fermosura.
Prometeis, e nĂŁo cumpris? Pois sem cumprir, tudo Ă© nada. NĂŁo sois bem aconselhada; que quem promete, se mente, o que perde nĂŁo o sente.
Que Pode JĂĄ Fazer Minha Ventura
Que pode jĂĄ fazer minha ventura
que seja para meu contentamento.,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o nĂŁo tem, nem Ă© segura?Que pena pode ser tĂŁo certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como recearĂĄ meu pensamento
os males, se com eles mais se apura?Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso jĂĄ o tem seguro;assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz nĂŁo sentir jĂĄ nada o futuro.
Ulisses Ă©, o que faz a santa casa
JĂĄ NĂŁo Sinto, Senhora, Os Desenganas
JĂĄ nĂŁo sinto, Senhora, os desenganas
com que minha afeição sempre tratastes,
nem ver o galardĂŁo que me negastes,
merecido por fé, hå tantos anos.A mågoa choro só, só choro os danos
de ver por quem, Senhora, me trocastes;
mas em tal caso vĂłs sĂł me vingastes
de vossa ingratidão, vossos enganos.Dobrada glória då qualquer vingança,
que o ofendido toma do culpado,
quando se satisfaz com cousa justa;mas eu de vossos males e esquivança,
de que agora me vejo bem vingado,
nĂŁo o quisera eu tanto Ă vossa custa.