O Filho De Latona Esclarecido
O filho de Latona esclarecido,
que com seu raio alegra a humana gente,
o hĂłrrido Piton, brava serpente,
matou, sendo das gentes tĂŁo temido.Feriu com arco, e de arco foi ferido,
com ponta aguda d’ouro reluzente;
nas tessálicas praias, docemente,
pela Ninfa Peneia andou perdido.NĂŁo lhe pĂ´de valer, para seu dano,
ciĂŞncia, diligĂŞncias, nem respeito
de ser alto, celeste e soberano.Se este nunca alcançou nem um engano
de quem era tĂŁo pouco em seu respeito,
eu que espero de um ser que Ă© mais que humano?
Passagens de LuĂs de Camões
351 resultadosTrĂŞs Coisas nĂŁo se Sofrem sem DiscĂłrdia
PrĂncipes de condição, ainda que o sejam de sangue, sĂŁo mais enfadonhos que a pobreza; fazem, com sua fidalguia, com que lhe cavemos fidalguias de seus avĂłs, onde nĂŁo há trigo tĂŁo joeirado que nĂŁo tenha alguma ervilhaca. Já sabeis que «basta um frade ruim para dar que falar a um convento». TrĂŞs cousas nĂŁo se sofrem sem discĂłrdia: companhia, namorar, mandar vilĂŁo ruim sobre cousa de seu interesse. NĂŁo se pode ter paciĂŞncia com quem quer que lhe façam o que nĂŁo faz. Desagradecimentos de boas obras, destruem a vontade para nĂŁo fazĂŞ-las a amigo, que tem mais conta com o interesse que com a amizade; rezai dele, que Ă© dos cá nomeados.
Pede o Desejo, Dama, que Vos Veja
Pede o desejo, Dama, que vos veja:
Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.Não há cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
NĂŁo quer logo o desejo o desejado,
SĂł por que nunca falte onde sobeja.Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.
E logo se me juntam esperanças
Com que a fronte, tornada mais serena,
Torna os tormentos graves
Em saudades brandas e suaves.
O meu peito, onde estais,
É, pera tanto bem, pequeno vaso.
Quem nĂŁo sabe a arte, nĂŁo a estima.
Que assim Ă© pera mim tua luz pura
Claro sol, e, ausente, noite escura.
Quem Quiser Ver D’amor Ăśa ExcelĂŞncia
Quem quiser ver d’Amor ĂĽa excelĂŞncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.Onde lembranças mata a longa ausência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciĂŞncia.Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂngua o nome, n’alma a vista pura.
Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Vossos Olhos, Senhora, que Competem
Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lágrimas de vê-los se derretem.Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisĂŁo, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.Porém se então me vedes por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vĂłs nĂŁo dais,
Quando com um desprezo me dais vida?
Pois pera ti os bens todos nasceram.
Quem Jaz no GrĂŁo Sepulcro
Quem jaz no grĂŁo sepulcro, que descreve
TĂŁo ilustres sinais no forte escudo?
Ninguém, que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas foi quem tudo pĂ´de e quem tudo teve.Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei deve:
PĂ´s na guerra e na paz devido estudo.
Mas quĂŁo pesado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.Alexandre será? Ninguém se engane:
Mais que o adquirir, o sustentar estima.
Será Adriano grão senhor do mundo?Mais observante foi da Lei de cima.
É Numa? Numa não, mas é Joane
De Portugal Terceiro sem Segundo.
Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido
Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitĂłria.Impressa tenho na alma larga histĂłria
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tĂŁo contente.Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.
Doces Despojos de meu Bem Passado
Amor, co’a esperança já perdida
Teu soberano templo visitei;
Por sinal do naufrágio que passei,
Em lugar dos vestidos, pus a vida.Que mais queres de mim, pois destruĂda
Me tens a glĂłria toda que alcancei?
NĂŁo cuides de render-me, que nĂŁo sei
Tornar a entrar onde nĂŁo há saĂda.VĂŞs aqui vida, alma e esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Enquanto o quis aquela que eu adoro.Nelas podes tomar de mim vingança;
E se te queres ainda mais vingado,
Contenta-te co’as lágrimas que choro.
Num Bosque Que Das Ninfas Se Habitava
Num bosque que das Ninfas se habitava
SĂlvia, Ninfa linda, andava um dia;
subida nüa árvore sombria,
as amarelas flores apanhava.Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta Ă sombra fria,
num ramo o arco e setas que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.A Ninfa, como idĂłneo tempo vira
para tamanha empresa, nĂŁo dilata,
mas com as armas foge ao Moço esquivo.As setas traz nos olhos, com que tira:
-Ă“ pastores! fugi, que a todos mata,
senĂŁo a mim, que de matar me vivo.
Atentai por uma alma que se esquece
De si, porque em vós pôs sua lembrança,
E tal que em nenhum tempo desfalece.
Males, que Contra Mim vos Conjurastes
Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto há-de durar tão duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto já me atormentastes.Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vós, que dela mesma o ser tomastes.E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai já fim a tormento tão comprido.Assim de ambos contente será a sorte:
Em vĂłs por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vĂłs vencido.
Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade a que chamamos fama!
Enfim, vi as pastoras tĂŁo fermosas
Que o Amor de si mesmo se temia;
Mas mais temia o pensamento, falto
De nĂŁo ser pera ter temor tĂŁo alto.
Que Modo TĂŁo Sutil Da Natureza
Que modo tĂŁo sutil da natureza,
para fugir ao mundo, e seus enganos,
permite que se esconda em tenros anos,
debaixo de um burel tanta beleza!Mas esconder se nĂŁo pode aquela alteza
e gravidade de olhos soberanos,
a cujo resplandor entre os humanos
resistĂŞncia nĂŁo sinto, ou fortaleza.Quem quer livre ficar de dor e pena,
vendo a ou trazendo a na memĂłria,
da mesma razĂŁo sua se condena.Porque quem mereceu ver tanta glĂłria,
cativo há de ficar; que Amor ordena
que de juro tenha ela esta vitĂłria.