Passagens de Luís de Camões

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Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.

Vossos Olhos, Senhora, que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lágrimas de vê-los se derretem.

Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisão, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.

Porém se então me vedes por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.

Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vós não dais,
Quando com um desprezo me dais vida?

Quem Jaz no Grão Sepulcro

Quem jaz no grão sepulcro, que descreve
Tão ilustres sinais no forte escudo?
Ninguém, que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas foi quem tudo pôde e quem tudo teve.

Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei deve:
Pôs na guerra e na paz devido estudo.
Mas quão pesado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.

Alexandre será? Ninguém se engane:
Mais que o adquirir, o sustentar estima.
Será Adriano grão senhor do mundo?

Mais observante foi da Lei de cima.
É Numa? Numa não, mas é Joane
De Portugal Terceiro sem Segundo.

Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido

Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitória.

Impressa tenho na alma larga história
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.

Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tão contente.

Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.

Doces Despojos de meu Bem Passado

Amor, co’a esperança já perdida
Teu soberano templo visitei;
Por sinal do naufrágio que passei,
Em lugar dos vestidos, pus a vida.

Que mais queres de mim, pois destruída
Me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de render-me, que não sei
Tornar a entrar onde não há saída.

Vês aqui vida, alma e esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Enquanto o quis aquela que eu adoro.

Nelas podes tomar de mim vingança;
E se te queres ainda mais vingado,
Contenta-te co’as lágrimas que choro.

Num Bosque Que Das Ninfas Se Habitava

Num bosque que das Ninfas se habitava
Sílvia, Ninfa linda, andava um dia;
subida nüa árvore sombria,
as amarelas flores apanhava.

Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta à sombra fria,
num ramo o arco e setas que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.

A Ninfa, como idóneo tempo vira
para tamanha empresa, não dilata,
mas com as armas foge ao Moço esquivo.

As setas traz nos olhos, com que tira:
-Ó pastores! fugi, que a todos mata,
senão a mim, que de matar me vivo.

Atentai por uma alma que se esquece
De si, porque em vós pôs sua lembrança,
E tal que em nenhum tempo desfalece.

Males, que Contra Mim vos Conjurastes

Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto há-de durar tão duro intento?
Se dura, por que dure meu tormento,
Baste-vos quanto já me atormentastes.

Mas se assim porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais pode a causa dele, em que o sustento,
Que vós, que dela mesma o ser tomastes.

E pois vossa tenção com minha morte
É de acabar o mal destes amores,
Dai já fim a tormento tão comprido.

Assim de ambos contente será a sorte:
Em vós por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vós vencido.

Enfim, vi as pastoras tão fermosas
Que o Amor de si mesmo se temia;
Mas mais temia o pensamento, falto
De não ser pera ter temor tão alto.

Que Modo Tão Sutil Da Natureza

Que modo tão sutil da natureza,
para fugir ao mundo, e seus enganos,
permite que se esconda em tenros anos,
debaixo de um burel tanta beleza!

Mas esconder se não pode aquela alteza
e gravidade de olhos soberanos,
a cujo resplandor entre os humanos
resistência não sinto, ou fortaleza.

Quem quer livre ficar de dor e pena,
vendo a ou trazendo a na memória,
da mesma razão sua se condena.

Porque quem mereceu ver tanta glória,
cativo há de ficar; que Amor ordena
que de juro tenha ela esta vitória.

Lei é da Natureza
Mudar-se desta sorte o tempo leve:
Suceder à beleza
Da Primavera, o fruto; à calma, a neve;
E tornar outra vez, por certo fio,
Outono, Inverno, Primavera, Estio.

Com Tornar-vos a Ver Amor me Cura

Ferido sem ter cura perecia
O forte e duro Télefo temido
Por aquele que na água foi metido,
E a quem ferro nenhum cortar podia.

Quando a apolíneo Oráculo pedia
Conselho para ser restituído,
Respondeu-lhe, tornasse a ser ferido
Por quem o já ferira, e sararia.

Assim, Senhora, quer minha ventura,
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver Amor me cura.

Mas é tão doce vossa formosura,
Que fico como o hidrópico doente,
Que bebendo lhe cresce mor secura.

Aos olhos de Helena.
………………..
Faz serras floridas,
Faz claras as fontes:
Se isto faz nos montes,
Que fará nas vidas?
Trá-las suspendidas,
Como ervas em molhos,
Na luz de seus olhos.

O verdadeiro sábio está seguro
De leves alegrias e de espanto
De dor, que turba da alma o licor puro.

Olhos Fermosos, Em Quem Quis Natura

Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura.

Pintada em mim se vê vossa figura,
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura.

De mim não quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e só de ser vosso me arreio,
porque o vosso penhor em mim se assele.

!Tão me lembro de mim quando vos vejo,
nem do mundo; e não erro, porque creio,
que, em lembrar-me de vós, cumpro com ele.

Ainda que minha alma em vós se enleva,
Em todo o tempo não deixa de arder,
Quando o monte arde em calma, ou quando neva.

Eu Cantarei De Amor Tão Docemente

Eu cantarei de amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.

Um Mover D’olhos, Brando E Piadoso

Um mover d’olhos, brando e piadoso,
sem ver de quê; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto;
üa pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; üa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pôde transformar meu pensamento.