Assi, despois, a descorada rosa,
Se reverdece, fica mais fermosa;
Assi, despois do Inverno e seus rigores,
Se mostra a Primavera com mais flores.
Passagens de LuĂs de Camões
351 resultadosSomente em Ser Mudável Tem Firmeza
Todo animal da calma repousava,
SĂł Liso o ardor dela nĂŁo sentia;
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava.Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava.Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza.
Oh! quĂŁo caro me custa o entender-te,
Molesto Amor.
Quem faz injĂşria vil e sem razĂŁo,
Quando O Sol Encoberto Vai Mostrando
Quando o Sol encoberto vai mostrando
ao mundo a luz quieta e duvidosa,
ao longo de ĂĽa praia deleitosa,
vou na minha inimiga imaginando.Aqui a vi, os cabelos concertando;
ali, co a mĂŁo na face tĂŁo fermosa;
aqui, falando alegre, ali cuidosa;
agora estando queda, agora andando.aqui esteve sentada, ali me viu,
erguendo aqueles olhos tĂŁo isentos;
aqui movida um pouco, ali segura;qui se entristeceu, ali se riu;
enfim, nestes cansados pensamentos
passo esta vida vĂŁ, que sempre dura.
Tu es a cativa que me tens cativo
Já que alegrais tudo, com saúde,
Tudo se alegre, e ela nĂŁo se mude.
Quis Deixar-me a que Eu Adoro
Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memĂłria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.Por ũa praia do Índico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas águas alongava,
Que pouco se doĂam de seu dano.Pois com tamanha mágoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.Mas se em vós, ondas, mora piedade,
Levai também as lágrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.
NĂŁo Posso o que Quero
Que graça será esperardes de mim propĂłsitos, em cousa que os nĂŁo tem para comigo? Pois, ainda que queira, nĂŁo posso o que quero; que um sentido remontado, de nĂŁo pĂ´r pĂ© em ramo verde, tudo lhe sucede assim; e «cada um acode ao que lhe mais dĂłi»; e mais eu, que o que mais me entristece Ă© contentamento ter, pois fujo dele, que minh’alma o aborrece, porque lhe lembra que Ă© virtude de viver sem ele. Porque já sabeis que mágoa Ă©: «vĂŞ-lo hás e nĂŁo o paparás». Por fugir destes inconvenientes,
Toda a cousa descontente
contentar-me sĂł convinha,
de meu gosto;
que, o mal de que sou doente,
sua mais certa mesinha
Ă© desgosto.Já ouvirĂeis dizer: «Mouro, o que nĂŁo podes haver, dá-o pela tua alma». O mal sem remĂ©dio, o mais certo que tem, Ă© fazer da necessidade virtude; quanto mais, se tudo tĂŁo pouco dura como o passado prazer. Porque, enfim, allegados son iguales los que viven por sus manos, etc. A este propĂłsito, pouco mais ou menos, se fizeram umas voltas a um mote de enche-mĂŁo, que diz por sua arte, zombando mais, que nĂŁo de siso (que toda a galantaria Ă© tirá-la donde se nĂŁo espera),
Alma minha gentil, que te partiste
TĂŁo cedo, desta vida, descontente
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Arvore, Cujo Pomo, Belo E Brando
Arvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
está virgĂneas faces imitando;nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vĂŁo, o teu injĂşria sinta;
nem por malĂcia de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruto debuxando;que, pois me emprestas doce e idóneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glĂłria,se nĂŁo te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memĂłria.
Nunca, enfim, cousa bela e rigorosa
Natura produziu
Igual àquela forma e condição
Que as dores em que vivo estimo em nada.
Porém não deixe enfim de ter disposto
Ninguém a grandes obras sempre o peito.
Julga-me a gente toda por perdido
Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tĂŁo entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rĂşstico, enganado
Quem não é com meu mal engrandecido.Vá revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;Que eu sĂł em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.
Sustenta Meu Viver Üa Esperança
Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tĂŁo desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
ĂĽa nova matĂ©ria a meu cuidado .Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.
Ă“ fermosos, gentis e claros olhos,
Cuja ausĂŞncia me move a tanta pena
Quanta se nĂŁo compreende enquanto falo!
Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂdo:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂŞs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.
Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.
Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente.
Na Ribeira Do Eufrates Assentado
Na ribeira do Eufrates assentado,
discorrendo me achei pela memĂłria
aquele breve bem, aquela glĂłria,
que em ti, doce SiĂŁo, tinha passado.Da causa de meus males perguntado
me foi: Como nĂŁo cantas a histĂłria
de teu passado bem, e da vitĂłria
que sempre de teu mal hás alcançado?Não sabes, que a quem canta se lhe esquece
o mal, inda que grave e rigoroso?
Canta, pois, e nĂŁo chores dessa sorte.Respondo com suspiros: Quando crece
a muita saudade, o piadoso
remédio é não cantar senso a morte.