Cosette já não vestia andrajos, estava de luto. Saía da miséria e entrara na vida.
Passagens sobre Luto
80 resultadosMãe, os Meninos Andam Distraídos
Mãe, os meninos andam distraídos junto
ao rio e tu não queres saber de os perder.
Sentaste-te a pensar nesse homem que
apareceu e a desfolhar os malmequeres
da tua bata nova — e não viste que te
largaram a mão nem para onde fugiram
com a pressa do vento. Mãe, os meninossaíram da tua beira para a beira do rio
e tu não queres saber de os chamar. Eles
estendem agora os braços pequeninos
para o sol que brilha sobre as águas
como um punhado de moedas que nuncahão-de ter — mas tu hoje só conheces
um nome nos teus lábios e nem sequer te
lembras que esse nome não é o que puseste
a nenhum deles. Mãe, os meninossão tão pequenos e já vão tão longe que
a luz pode cegá-los para sempre. Andam
perdidos no rio há tanto tempo que será
tarde de mais quando gritarem por ti —
porque a ideia do amor é hoje muito maior
do que a voz deles. Mãe, se tu quiseres, euposso tomar conta dos meninos,
Enterro de Luxo
Lá vai o enterro de luxo
puxado por sete cavalos
lá vai a rosa de plástico
na lapela do cadáver.Lá vai o defunto imberbe
boiando em madeira nobre
lá vai a língua bilingue
com seu sotaque podre.Lá vai o queixo amarrado
lá vai a gravata oblíqua
montada na escorreguenta
garupa da metafísica.Lá vai o enterro de luxo
lá vai a conta bancária
lá vai a calva engomada
lá vai o ouro da cárie.Lá vai o enterro de luxo
levado por ventos negros
lá vão os pendões de luto
com seus narizes alegres.Lá vai o enterro de luxo
lá vai o perfil de árabe
tangido pra correnteza
volúvel da eternidade.
Viver!
Viver!… E o que é a Vida?…
– Atento, escuto
A primitiva e alta profecia…
E a escutá-la, a sonhar, vou resoluto,
Por caminhos de Amor, com alegria!
E vivo! E na minh’alma, a uma a uma,
Como num quebra mar de encantamentos,
Sinto as ondas bater, – ondas de espuma,
…Evocações, memorias, sentimentos…Amo! – No meu Amor vivo a infinita,
A suprema Beleza, – sou amado!…
E, pelo Sol que no meu peito habita,
Luto! Sinto o Futuro à nossa espera,
Vivo, na minha luta, o meu Amor!…
E sinto bem que a eterna Primavéra
A alcançaremos só por nossa Dor!
Sôfro! E no meu sofrer, nesta anciedade
Com que os meus olhos fitam o nascente,
Em devoção, em pranto, em claridade,
– Sonha o meu coração de combatente…Sofrer, lutar, amar – , vida completa,
Piedosa, humilde e só de Amor ungida –
– Meu coração de amante e de Poeta
– Sente em si mesmo o coração da Vida!…
Sonho exaltado e puro, Amor tão grande,
Que me domina todo e me levanta
Às regiões em que o sentir se expande,
Luto pela Bondade
Quero viver num mundo sem excomungados. Não excomungarei ninguém. Não diria, amanhã, a esse sacerdote: «Você não pode baptizar ninguém porque é anticomunista.» Não diria ao outro: «Não publicarei o seu poema, o seu trabalho, porque você é anticomunista.» Quero viver num mundo em que os seres sejam simplesmente humanos, sem mais títulos além desse, sem trazerem na cabeça uma regra-, uma palavra rígida, um rótulo. Quero que se possa entrar em todas as igrejas, em todas as tipografias. Quero que não esperem ninguém, nunca mais, à porta do município para o deter e expulsar. Quero que todos entrem e saiam sorridentes da Câmara Municipal. Não quero que ninguém fuja em gôndola, que ninguém seja perseguido de motocicleta. Quero que a grande maioria, a única maioria, todos, possam falar, ler, ouvir, florescer. Nunca compreendi a luta senão como um meio de acabar com ela. Nunca aceitei o rigor senão como meio para deixar de existir o rigor. Tomei um caminho porque creio que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. Luto pela bondade ubíqua, extensa, inexaurível. De tantos encontros entre a minha poesia e a polícia, de todos esses episódios e de outros que não contarei porque repetidos,
Como te Tens Lembrado Hoje de Mim?
O que tens tu feito, amor? Andarás, como segunda-feira, cavaleiro andante a flirtar às janelas das ruas do Alto do Pina, com damas de cem anos?… Cem anos, pelo menos… Eu creio mesmo que tu disseste mais alguns… Sempre estás uma prenda, um espertalhão… Tenho que te educar convenientemente e ensinar-te que damas de cem anos e mulheres que fazem queijadas, não servem, ou pelo menos não devem servir, a quem tem a suprema felicidade de possuir uma mulher como eu, que sou uma pérola, ou por outra: um colar de pérolas, como ontem gentilmente me chamaste… Estás de acordo, não é verdade?
A tua pequenina fera está há imenso tempo ansiosa que a chuva acabe, para deitar o focinhito fora do covil, ao menos por cinco minutos; mas não há meio, o diabo da chuva continua a cair sem piedade e daqui a pouco a ferazinha sai mesmo com chuva e tudo. Há tanto tempo que não saio! Em horas de concentração de consciência, eu ponho-me a pensar que nunca julguei capaz que um homem pudesse fazer da Miss América, como muita gente me chamava dantes, esta burguezinha pacata, que, detrás dos vidros duma janela, passa a vida a fazer rendas,
Um Mancebo No Jogo Se Descora
Um mancebo no jogo se descora,
Outro bêbedo passa noite e dia,
Um tolo pela valsa viveria,
Um passeia a cavalo, outro namora.Um outro que uma sina má devora
Faz das vidas alheias zombaria,
Outro toma rapé, um outro espia…
Quantos moços perdidos vejo agora!Oh! não proíbam, pois, no meu retiro
Do pensamento ao merencório luto
A fumaça gentil por que suspiro.Numa fumaça o canto d’alma escuto…
Um aroma balsâmico respiro,
Oh! deixai-me fumar o meu charuto!
Para As Raparigas de Coimbra
1
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avôzinho,
Falta-te apenas a voz.2
Minha capa vos acoite
Que é p’ra vos agazalhar:
Se por fóra é cor da noite,
Por dentro é cor do luar…3
Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobraes, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!4
A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cae, tolinho, a essa isca…
Só pondo uma flor no anzol!5
A lua é a hostia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É d’uma certa farinha
Que não apanha bolor!6
Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu’é da tua agoa?
Qu’é dos prantos que eu chorei?7
A cabra da velha Torre,
Meu amor, chama por mim:
Quando um estudante morre,
Os sinos chamam, assim.8
–
Bilhete para o Amigo Ausente
Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.
Mysticismo Humano
A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…
Responso
I
Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.II
É loura como as doces escocesas,
Duma beleza ideal, quase indecisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Artemisa.Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seu pecados.III
Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansíssimas do lago.Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.IV
E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas ressoam uns suspiros
Dolentes como as súplicas dos cegos.Fosse eu aquelas aves de pilhagem
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.V
E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,
A uns Olhos Negros
Olhos negros, que da alma sois senhores
Duvido com razão desse atributo,
Que é muito, que quem mata, traga o luto,
E é muito ver na noite resplendores:Se de negros, meus olhos, tendes cores,
Como as almas vos dão hoje tributo.
Quem viu que os negros com rigor astuto
Os brancos prenda com grilhões traidores.Mas ah, que foi discreta providência
O fazê-lo da cor da minha sorte,
Por não sentir rigor tão desabrido.Para que veja assim toda a prudência
Que foi prodígio grande, e pasmo forte,
Em duas noites ver o Sol partido.
Poder sem magnanimidade e ar de luto sem dor, são coisas que não suporto presenciar.
As Minhas Ilusões
Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira …
O sol é um doente a enlanguescer …A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …
Ode
Eis-me nu e singelo!
Areia branca e o meu corpo em cima.
Um puro homem, natural e belo,
De carne que não peca e que não rima.A linha do horizonte é um nível quieto;
As velas, de cansaço, adormeceram;
E penas brancas, que eram luto preto,
Perderam-se no azul de onde vieram.Sol e frescura em toda a grande praia
Onde não pode haver agricultura;
Esterilidade limpa, que não caia
De pão e vinho a cósmica fartura.Dançam toninhas lúdicas no céu
Que visitam ligeiras e felizes;
Uma força sonâmbula as ergueu,
Mas seguras à seiva das raízes.Nem paz, nem guerra, nem desarmonia;
O sexo alegre, mas a repousar;
Um pleno, largo e caudaloso dia,
Sem horas e minutos a passar.Vem até mim, onda que trazes vida!
Soro da redenção!
Vem como o sangue doutra mãe pedida
Na hora de dar mundo ao coração!
Presságio
Ela há-de vir como um punhal silente
Cravar-se para sempre no meu peito.
Podem os deuses rir na hora presente
Que ela há-de vir como um punhal direito.
Cubram-me lutos, sordidez e chagas!
Também rubis das minhas mãos morenas!
Rasguem-se os véus do leito em que me afagas!
— A coroa de ferro é cinza apenas…
E ela há-de vir a lepra que receio
E cuja sombra, aos poucos me consome.
Ela há-de vir, maior que a sede e a fome,
Ela há-de vir, a dor que ainda não veio.
Aos Vencedores
Visto que tudo passa e as épicas memorias
Dos fortes, dos heroes, se vão cada vez mais,
Que tudo é luto e pó! ó vós que triumphaes
Não turbeis a razão nos vinhos das vãas glorias!Não ergais alto a taça, á hora dos gemidos,
Esquecidos talvez nos gosos, nos regallos;
E não façaes jámais pastar vossos cavallos
Na herva que cobrir os ossos dos vencidos!Não celebreis jámais as festas dos noivados,
Não encontreis na volta os lugubres cortejos!
– E se amardes, olhae que ao som dos vossos beijos
Não respondam da praça os ais dos fusilados!Sim! – se venceste emfim, folgae todas as horas,
Mas deixae lastimar-se os orphãos, as amantes,
Nem façaes, junto a nós, altivos, triumphantes,
Pelas ruas demais tinir vossas esporas!Pois toda a gloria é pó! toda a fortuna vã! –
– E nós lassos emfim dos prantos dolorosos,
Regámos já demais a terra–ó gloriosos
Vencedores! talvez, – vencidos d’amanhã!
Que Mimoso Prazer!
1
Que mimoso prazer! Teu rosto amado
Me raiou na alma! Oh astro meu luzente!
Desfez-se em continente
O negrume cerrado,
Que me assombrava o coração aflito,
Em saudades tristíssimas sopito.2
Bem, como quando aponta o sol radiante
Pelos ervosos cumes dos outeiros;
Fogem bruscos nevoeiros,
Da roxa luz brilhante;
Assim, mal vi teu rosto, assim fugiam
As Mágoas, que de luto a alma cobriam3
Quem sempre assim de amor nos brandos laços!
Doces queixas de amor absorto ouvira!
Da idade não sentira
O voo. Entre os teus braços
Me corte o fio, com a fouce, a Morte;
Que perco a vida, sem sentir o corte!4
Se a meiga Vénus, se o gentil Cupido
Cede a meus votos, cede à minha Amada:
Se esta união prezada
Não rompe um Nume infido…
Não dou por mais feliz o vil Mineiro
Sobre montes de sórdido dinheiro.5
Não dou por mais feliz o Rei no trono
Lisonjado de Cortesãos astutos.
Quando a Fortuna Encetou com Desgraças
Quando a Fortuna, de inconstante aviso,
Encetou com desgraças
O varão que não veio humilde, abjecto
Adorar o seu Nume,
Na refalsada Corte, ou ante os cofres
Chapeados de Pluto;
Levando avante, o seu empenho, e acinte,
Maléfica lhe emborca
Sobre a cabeça a mágoas devotada,
Toda a Urna infelice,
Que Jove encheu colérico co’as penas
De atormentado inferno.
Dos ombros do Varão constante e justo
Resvalam debruçadas
Perdas de bens, desonras mal sofridas
A lhe aferrar o peito
Co’as garras afaimadas da pobreza;
Logo os tristes Pesares
Em torno ao coração serpeiam, mordem,
Trajando a rojo lutos.
Vem a má nova, de agouradas falas,
Que se compõe sequela
De tibiezas, senões, desconfianças,
Desamparo de amigos.
A Doença, com mão finada abrange
Os fatigados membros
E no âmago do peito as amargaras
Vão assentar morada.
Com índice maligno a Providência
Lhe aponta no futuro,
Em nebuloso quadro hórridas formas
De sinistros sucessos.
Quem não quisera, com melhor semblante
Despedir-se do dia,
E fraudar, com as sombras do jazigo,
Só
Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
– Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.De motejo em motejo arrasta a alma ferida…
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E, homem, há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!