Passagens de Manoel de Oliveira

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Não, não olho para o que fiz. Olho para o que vou fazer. Esta é a minha ocupação. Quando me perguntam sempre “qual é o filme que gosta mais”, respondo: é o que vou fazer agora.

Quem tem um sentimento político profundo é que toma posições. Mas o meu sentimento profundo é humanista, não político.

Toda a arte é um reflexo da vida. Se nós não sabemos a finalidade da vida, como é que vamos saber a finalidade da arte? É um segredo que nos é vedado.

Desconfio sempre da imaginação. (…) Todos os meus filmes são histórias de agonia, da agonia no seu sentido primeiro, no sentido grego, “a luta”.

Às vezes acusam-me de que meus os filmes são muito falados. Ora, falados são os filmes americanos, e falam sem dizer nada. Ao menos os meus filmes dizem alguma coisa porque eu escolho textos ricos, bons, profundos, mais difíceis naturalmente. Mas a imagem é formidável.

Como sopa, de legumes. Porque um cientista, que fez um exame à nutrição dos americanos que deixaram de comer sopa às refeições, declarou que se eles retomassem a sopa diminuiriam o cancro em mais do que 50 por cento. Também gosto de sopa de peixe…

Hoje, depois de muitas décadas, já percebo que a minha vocação nesta vida é dirigir filmes. E os meus filmes falam sobre valores que vão além do dinheiro. O meu filme busca saber se existe alma. O tempo… o tempo eu sei que existe. E talvez eu filme como filmo para contemplar o tempo.

Estou Habituado a que Recebam Mal os Meus Filmes

Estou habituado a que recebam mal os meus filmes e isso não me altera, nem altera nada do que penso sobre o cinema. Eu reprovo o prémio da competição. Os Óscares, por exemplo, até porque são dados a filmes de sucesso. Gosto mais dos prémios que são dados ao filme como coisa artística. Esse prémio de competição está bem no futebol, que um mete mais golos que o outro. Mas já dizia o Rembrandt quando apresentou o seu quadro “A ronda da noite” à sociedade – fizeram muita troça, ele veio desconsoladíssimo –: “O militar conhece a sua glória na vitória, o comerciante reconhece a sua glória nos lucros do comércio, mas o pintor, o artista, onde é que ele a vai reconhecer?”. Não há nada que determine exactamente. A arte é especial. Há uma só lei: o tempo. O tempo é o grande juiz, é o grande juiz de tudo.

Fiz muitas asneiras. Nunca tive um desastre mortal de automóvel, e hoje surpreendo-me: o que tive, realmente, foi muita sorte. Tive o meu anjo da guarda protector, que é o destino. O anjo da guarda e o destino são uma e só coisa.

As telenovelas são muito ricas, muito bonitas, e eu gosto da diversidade. Não sou nada contra o filme comercial. A gente dos filmes comerciais é que é sempre contra o cinema como arte. Mas eu não. Sou apologista da variedade, mesmo no cinema artístico. Penso que a personalidade do realizador é que é a marca da originalidade. Não há outra.

Na Europa há um mito histórico e religioso. A União Europeia tende para isso: um só comando genérico e uma só fé que é posta na democracia. Tira-se a religião um pouco para o lado e estabelece-se uma democracia generalizada, a união da Europa com um mesmo fim: um só rei e um só papa. É o mito que se está a tornar uma realidade actualmente com Bruxelas no centro da União Europeia. Acho que é óptimo mas é muito difícil porque há diferentes climas nas regiões, há diferentes idiossincrasias, diferentes línguas. É sempre muito difícil tornar uma coisa acessível a toda essa diversidade.

As conquistas mais importantes, depois da Segunda Guerra Mundial, são as trágicas, as que destroem a natureza. Essa porcaria dos transgénicos, por exemplo, que estão sobrecarregados de químicos para que os bichos não lhes peguem. E quando os bichos não pegam, isso é um péssimo sinal.

Não gosto até da palavra espectador. Ou melhor, da palavra eu gosto. Não gosto é do público, da palavra “público” é que não gosto muito. Porque públicas são as cadeiras do cinema; são públicas. Agora, as pessoas que se sentam nelas, são pessoas, verdadeiramente pessoas, e cada um é distinto do outro. Cada um é um ser autêntico, e, portanto, nem todos estarão aptos ou sensíveis a uma sinfonia, a um trabalho qualquer, seja de que ordem for.

Somos movidos por impulsos que ignoramos da natureza: o ódio, o amor, a paixão, a bondade. Pode-se quase perguntar se somos dependentes porque ninguém nasceu por vontade própria. Seremos verdadeiramente responsáveis pelos nossos actos? Temos a justiça que nos torna responsáveis e a evolução que o homem tem engendrado, mas não somos independentes. Somos dependentes das circunstâncias (…). Tornamo-nos responsáveis perante a lei e pela justiça, mas na verdade somos um joguete do destino.

A imagem é uma coisa muito concreta, mas serve para mostrar coisas imateriais. Veem-se fantasmas, personagens que deixaram de existir, que talvez já estejam mortas, mas que têm ali uma aparência de corpos concretos. (…) O cinema é um fantasma da vida que não nos deixa senão uma coisa sensível, concreta: as emoções.