Em matéria de gosto não há discussão.
Passagens sobre Matéria
253 resultadosSustenta Meu Viver Üa Esperança
Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tão desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
üa nova matéria a meu cuidado .Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.
Transcendentalismo
(A J. P. Oliveira Martins)
Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta…Não é no vasto mundo — por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade —
Que a alma sacia o seu desejo intenso…Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Vôa e paira o espírito impassível!
Em matéria de casamento, cada um deve ser árbitro dos seus próprios pensamentos e apenas tomar conselho consigo mesmo.
Epígrafe
De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
– expressão da multidão que está comigo.
Na Noite Terrível
Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver …Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Um velho, tal como um recém-nascido, é a natureza no seu estado mais puro, é a prova de que o ciclo da vida existe mesmo e é um professor, gratuito e incondicional, para todos os que escolherem sentar-se à sua beira, ouvi-lo e interessar-se pela matéria da alma.
A Moral é a Base da Sociedade
A moral é a base da sociedade; se tudo, porém, é matéria em nós, não há realmente vício nem virtude, e por consequência não há moral.
As nossas leis, sempre relativas e mutáveis, não podem servir de ponto de apoio à moral, sempre absoluta e inalterável; é pois preciso que ela tenha origem numa região mais estável que esta, e cauções mais seguras que recompensas precárias ou castigos passageiros. Alguns filósofos acreditaram que a religião fôra inventada para a sustentar, sem se avisarem de que tomavam o efeito pela causa. Não é a religião que deriva da moral, é a moral que nasce da religião, pois é certo, como há pouco dissemos, que a moral não pode ter a sua origem no homem physico, ou na simples matéria; pois é certo ainda, que, quando os homens perdem a ideia de Deus, se despenham em todos os crimes, a despeito das leis e dos verdugos.
Ultrapassar o Medo
As pessoas vivem com medo. Tu tens medo. Todos temos. Uns mais outros menos, uns de uma forma consciente outros de uma forma inconsciente, uns enfrentam-no outros morrem nas suas mãos. O medo, e repito o que já escrevi no “Arrisca-te a Viver”, é a única emoção que não gera ação. Se entrares em pânico foges, se sentires raiva bates ou gritas, se tiveres medo encolhes-te. O medo algema-te, tolda-te as possibilidades e faz de ti seu prisioneiro.
Porque é que achas que o mundo, o país e a tua própria vida se encontram no estado em que estão? Medo. Muito medo. E nesta matéria, permite-me ser assertivo, se tens medo seja do que for de nada te adianta comprar um cão, sabes porquê? Porque vais educá-lo baseado no medo, logo, vais estragar mais uma vida. Não te chegava a tua? Pobre do animal, merecia melhor sorte. Ora bem, uma educação alicerçada no medo fará com que ele viva no próprio medo e tu com medo que ele te desobedeça. É uma desgraça. Serás incapaz de amá-lo, assim como és incapaz de amar seja quem for, muito menos a ti. E se me disseres que não estás de acordo com o que acabei de escrever,
O Saber Esmaga a Fé
A fé e o saber não se dão bem dentro da mesma cabeça: são como o lobo e o cordeiro dentro de uma jaula; e o saber é justamente o lobo, que ameaça devorar o seu vizinho.
O saber é feito de uma matéria mais dura do que a fé, de modo que, quando colidem, a última se quebra.
Em matéria de amor, o silêncio vale mais do que a fala.
A matéria não influi na imortalidade do homem.
Para os filósofos, as mulheres representam o triunfo da matéria sobre o espírito, enquanto os homens representam o triunfo do espírito sobre a moral.
A Civilização e o Horror ao Vácuo
A expansão imperialista das grandes potências é um facto de crescimento, o transbordar naturalíssimo de um excesso de vidas e de uma sobra de riquezas em que a conquista dos povos se torna simples variante da conquista de mercados. As lutas armadas que daí resultam, perdido o encanto antigo, transformam-se, paradoxalmente, na feição ruidosa e acidental da energia pacífica e formidável das indústrias. Nada dos velhos atributos românticos do passado ou da preocupação retrógrada do heroísmo. As próprias vitórias perderam o significado antigo. São até dispensáveis. (…) Estão fora dos lances de génio dos generais felizes e do fortuito dos combates. Vagas humanas desencadeadas pelas forças acumuladas de longas culturas e do próprio génio de raça, podem golpeá-las à vontade os adversários que as combatem e batem debatendo-se, e que se afogam. Não param. Não podem parar. Impele-as o fatalismo da própria força. Diante da fragilidade dos países fracos, ou das raças incompetentes, elas recordam, na história, aquele horror ao vácuo, com que os velhos naturalistas explicavam os movimentos irresistíveis da matéria. Revelam quase um fenômeno físico. Por isso mesmo nesta expansão irreprimível, não é do direito, nem da Moral com as mais imponentes maiúsculas, nem de alguma das maravilhas metafísicas de outrora que lhes despontam obstáculos.
Aquilo a que chamamos matéria é o sonho de uma inteligência infinita.
Como defender uma civilização que somente o é de nome, já que representam o culto da brutalidade que existe em nós, o culto da matéria.
Todos os que na matéria de Portugal se governaram pelo discurso, erraram e se perderam.
O Mal só nos Afecta na Medida em que o Deixarmos
Os homens (diz uma antiga máxima grega) são atormentados pelas ideias que têm das coisas, e não pelas próprias coisas. Haveria um grande ponto ganho para o alívio da nossa miserável condição humana se pudéssemos estabelecer essa asserção como totalmente verdadeira. Pois, se os males só entraram em nós pelo nosso julgamento, parece que está em nosso poder desprezá-los ou transformá-los em bem. Se as coisas se entregam à nossa mercê, por que não dispomos delas ou não as moldarmos para vantagem nossa? Se o que denominamos mal e tormento não é nem mal nem tormento por si mesmo, mas somente porque a nossa imaginação lhe dá essa qualidade, está em nós mudá-la. E, tendo essa escolha, se nada nos força, somos extraordinariamente loucos de bandear para o partido que nos é o mais penoso e dar às doenças, à indigência e ao desvalor um gosto acre e mau, se lhes podemos dar um gosto bom e se, a fortuna fornecendo simplesmente a matéria, cabe a nós dar-lhe a forma.
Porém vejamos se é possível sustentar que aquilo que denominamos por mal não o é em si mesmo, ou pelo menos que, seja ele qual for, depende de nós dar-lhe outro sabor e outro aspecto,
Sopra o Sonho
Sopra o sonho por dentro
Das pálpebras em viagem
Enceta o curso habitual nocturno
Num corredor sombrio de pestanasAntes porém cumprimenta
Toda a matéria viva em que tropeça
Sabe o segredo do corpo tem uma pátria
Bioquímica extremamente embrionáriaA morte já habita os seus tecidos
Quando os outros de guarda se abastecem
Pronta ao assalto das células
Como se dormisseA que fins se destina e a que estranhos
bulícios suas últimas vontades?Não o sabemos
Só mesmo o oceano o incomoda
O Nosso Infinito
Há ou não um infinito fora de nós? É ou não único, imanente, permanente, esse infinito; necessariamente substancial pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a matéria, limitar-se-ia àquilo; necessáriamente inteligente, pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a inteligência, acabaria ali? Desperta ou não em nós esse infinito a ideia de essência, ao passo que nós não podemos atribuir a nós mesmos senão a ideia de existência? Por outras palavras, não é ele o Absoluto, cujo relativo somos nós?
Ao mesmo tempo que fora de nós há um infinito não há outro dentro de nós? Esses dois infinitos (que horroroso plural!) não se sobrepõem um ao outro? Não é o segundo, por assim dizer, subjacente ao primeiro? Não é o seu espelho, o seu reflexo, o seu eco, um abismo concêntrico a outro abismo? Este segundo infinito não é também inteligente? Não pensa? Não ama? Não tem vontade? Se os dois infinitos são inteligentes, cada um deles tem um princípio volante, há um eu no infinito de cima, do mesmo modo que o há no infinito de baixo. O eu de baixo é a alma; o eu de cima é Deus.
Pôr o infinito de baixo em contacto com o infinito de cima,