Moralidade e Felicidade
A felicidade é o estado em que se encontra no mundo um ser racional para quem, em toda a sua existência, tudo decorre conforme o seu desejo e a sua vontade; pressupõe, por consequência, o acordo da natureza com todo o conjunto dos fins deste ser, e simultaneamente com o fundamento essencial de determinação da sua vontade. Ora a lei moral, como lei da liberdade, obriga por meio de fundamentos de determinação, que devem ser inteiramente independentes da natureza e do acordo dela com a nossa faculdade de desejar (como motor). Porém, o ser agente racional que actua no mundo não é simultaneamente causa do mundo e da própria natureza. Assim, pois, na lei moral não há o menor fundamento para uma conexão necessária entre a moralidade e a felicidade, com ela proporcionada, num ser que, fazendo parte do mundo, dele depende; este ser, precisamente por isso, não pode ser voluntariamente a causa desta natureza nem, no que à felicidade respeita, fazer com que, pelas suas próprias forças, coincida perfeitamente com os seus próprios princípios práticos.
E, todavia, no problema prático que a razão pura nos prescreve, isto é, na prossecução do soberano bem, tal acordo é postulado como necessário: devemos procurar realizar o soberano bem,
Passagens sobre Medida
485 resultadosMinha tristeza é uma volta em medida; mas minha alegria é forte demais.
A vida não é medida pelo número de vezes que você respirou, mas pelos momentos em que você perdeu o fôlego.
Verosimilhança não é Verdade
Quase sempre as suspeitas nos inquietam; somos sempre o joguete desses boatos de opinião, que tantas vezes põe em fuga um exército, quanto mais um simples indivíduo. (…) nós rendemo-nos prontamente à opinião. Não fazemos a crítica das razões que nos levam ao temor, não as esquadrinhamos. Perdemos todo o sangue-frio, batemos em retirada, como os soldados expulsos do seu campo à vista da nuvem de poeira que levanta uma tropa a galope, ou tomados de terror colectivo por causa de um boato semeado sem garante.
Não sei como, mas as falsidades perturbam-nos desde logo. A verdade traz consigo a sua própria medida; tudo quanto se funda sobre uma incerteza, porém, fica entregue à conjectura e às fantasias de um espírito perturbado.
Eis porque, entre as mais diversas formas do medo, não há outra mais desastrosa, mais incoercível que o medo pânico. Nos casos ordinários, a reflexão é falha; nestes, a inteligência está ausente.
Interroguemos, pois, cuidadosamente a realidade. É verosímil que uma desgraça venha a produzir-se? Verosimilhança não é verdade. Quantos acontecimentos ocorreram sem que os esperássemos! Quantos acontecimentos esperados que jamais ocorreram! Mesmo que venham a produzir-se, que é que lucraremos em nos anteciparmos à nossa dor?
O gosto pela liberdade aumenta à medida que se goza dela.
O Amor Exige a Verdade
A maioria das pessoas hoje em dia não considera o amor como relacionado de alguma forma com a verdade. O amor é visto como uma experiência associada com o mundo das emoções fugazes, e não com a verdade. Mas é esta uma descrição adequada do amor? O amor não pode ser reduzido a uma emoção efémera. É verdade que estimula a nossa afectividade, mas, a fim de o abrir para o amado e, assim, abrir o caminho que conduz longe do egocentrismo e em direção à outra pessoa, a fim de construir um relacionamento duradouro, o amor visa a união com o amado. Aqui começamos a ver como o amor exige a verdade. Só na medida em que o amor é fundamentado na verdade pode ser suportado ao longo do tempo, pode transcender o momento passageiro e ser suficientemente sólido para sustentar uma viagem compartilhada. Se o amor não está vinculado à verdade, é uma presa emoções inconstantes e não pode resistir ao teste do tempo. Amor verdadeiro, por outro lado, unifica todos os elementos da nossa pessoa e torna-se uma nova luz que aponta o caminho para uma vida grande e realizada. Sem a verdade, o amor é incapaz de estabelecer um vínculo firme;
Perseverança
Não digas que o trabalho é desperdiçado,
Nem que o esforço falha ou parece, no fundo;
Não digas que aquele ao dever curvado
É um entre os tantos sonhos do mundo.Pois não é em vão que em golpes seguidos,
Com pressa medida, em fragor crescente,
O mar actua nos rochedos batidos
E invade a praia, ruidosamente.É certo que enfrentam suas investidas,
Do seu bater forte parecem troçar,
Esmagam com força as vagas erguidas
E em espuma fazem as ondas rasgar.Mas ele bate e bate com força
Em dias, semanas, em meses e anos,
Até que apareça mossa sobre mossa
Que mostre seus gastos, pacientes ganhos.E os anos passam, as gerações vão,
E menores se quedam as rochas cavadas;
Mas ele, com lenta e firme precisão,
Baterá na terra suas altas vagas.Certo como o sol e despercebido
Como duma árvore é o seu crescer,
Trabalha, trabalha sem ser iludido
P’la tenaz imagem que se pode ver.E quando o seu fim de todo obtém,
Em sonoro embate,
Na medida em que cremos na moral, condenamos a vida: uma antinomia!
Mesmo que estejas doente, não deves manter remédios e aparelhos terapêuticos à cabeceira de tua cama. Na medida do possível, procura manter a aparência de quem não está doente, pois assim te curarás mais depressa. Contudo, não deves forçar-te a fazer coisas que teu estado não permite.
Somos francos com os outros na medida em que não dependemos deles nem lhes damos importância.
O Homem de Carácter
Os homens de carácter são a consciência da sociedade a que pertencem. A medida natural dessa força é a resistência às circunstâncias. Os homens impuros julgam a vida pela versão reflectida nas opiniões, nos acontecimentos e nas pessoas. Não são capazes de prever a acção até que ela se concretize. Todavia, o elemento moral da acção preexistia no autor e a sua qualidade, boa ou má, era de fácil predição. Tudo na natureza é bipolar, ou tem um pólo positivo e um pólo negativo. Há um macho e uma fêmea, um espírito e um facto, um norte e um sul. O espírito é o positivo, o facto é o negativo. A vontade é o norte, a acção é o pólo sul. O carácter pode ser classificado como tendo o seu lugar natural no norte. Distribui as correntes magnéticas do sistema. Os espíritos fracos são atraídos para o pólo sul, ou pólo negativo. Só vêem na acção o lucro, ou o prejuízo que podem encerrar.
Não podem vislumbrar um princípio, a não ser que este se abrigue noutra pessoa. Não desejam ser amáveis mas amados. Os de carácter gostam de ouvir falar dos seus defeitos; aos outros aborrecem as faltas;
Felicidade, Glória, Imaginação, Inteligência e Inspiração
Numa vida profundamente atormentada seria possível muitas vezes encontrar-se felicidade para várias outras existências. Da felicidade que um homem malbarata, sem lhe suspeitar o valor, outros homens tirariam alegria para toda a vida, assim como as sobras da mesa do rico dariam para sustento de mais de um pobre.
A glória é um processo de apuramento que nunca pára. À medida que a humanidade envelhece e que as suas recordações se vão amontoando, tornam-se necessárias novas selecções. Séculos inteiros são depurados nesses escrutínios, sem que sobreviva um nome sequer. Um dia os imortais irão unir-se aos anónimos no esquecimento final.
É a imaginação, tocha divina apensa ao espírito do homem, que lhe permite mover-se nas trevas da criação. Assim os peixes das profundezas oceânicas trazem um facho que os ilumina na noite eterna. Sem isto para que lhes serviriam os olhos? Sem imaginação, que utilidade teria para o homem a inteligência?
O homem de letras tem falhas pronunciadas de inteligência, a ponto de parecer estúpido ao homem de negócios. Não deixa porém por isso de se considerar, onde quer que se encontre, o mais inteligente da roda. Nada é mais absurdo do que essa superioridade,
O ódio é uma cilada na medida em que nos ata demasiado fortemente ao nosso adversário.
Liberdade e Constrangimento São Dois Aspectos da Mesma Necessidade
Liberdade e constrangimento são dois aspectos da mesma necessidade, que é ser aquele e não um outro. Livre de ser aquele, não livre de ser um outro. (…) Não há quem o não saiba. Os que reclamam a liberdade reclamam a moral interior, para que nem assim o homem deixe de ser governado. O gendarme – dizem eles de si para si – está no interior. E os que solicitam a coacção afirmam-te que ela é liberdade de espírito. Tu, na tua casa, tens a liberdade de atravessar as antecâmaras, de medir a passos largos as salas, uma por uma, de empurrar as portas, de subir ou descer as escadas. E a tua liberdade cresce à medida que aumentam as paredes e as peias e os ferrolhos. E dispões de um número tanto maior de actos possíveis onde escolher aquele que hás-de praticar, quantas mais obrigações te impôs a duração das tuas pedras. E, na sala comum, onde assentas arraiais no meio da desordem, deixas de dispor de liberdade, passa a haver dissolução.
E, afinal de contas, todos sonham com uma e a mesma cidade. Mas um reclama para o homem, tal como ele é, o direito de agir.
O amor é como uma ampulheta – o coração vai sendo preenchido à medida que o cérebro se esvazia.
O Livre Arbítrio
Um homem é dotado de livre arbítrio e de três maneiras: em primeiro lugar, era livre quando quis esta vida; agora não pode evidentemente rescindi-la, pois ele não é o que a queria outrora, excepto na medida em que completa a sua vontade de outrora, vivendo.
Em segundo lugar, é livre pelo facto de poder escolher o caminho desta vida e a maneira de o percorrer.
Em terceiro lugar, é livre pelo facto de na qualidade daquele que vier a ser de novo um dia, ter a vontade de se deixar ir custe o que custar através da vida e de chegar assim a ele próprio e isso por um caminho que pode sem dúvida escolher, mas que, em todo o caso, forma um labirinto tão complicado que toca nos menores recantos desta vida.
São esses os tês aspectos do livre arbítrio que, por se oferecerem todos ao mesmo tempo formam apenas um e de tal modo que não há lugar para um arbítrio, quer seja livre ou servo.
O cabeça dura é um tirano na medida das suas possibilidades.
A arte de viver é mais parecida com a luta do que com a dança, na medida em que está pronta para enfrentar tanto o inesperado como o imprevisto e não está preparada para cair.
Psicanálise e Arte
As criações, obras de arte, são imaginárias satisfações de desejos inconscientes, do mesmo modo que os sonhos, e, tanto como eles, são, no fundo, compromissos, dado que se vêem forçadas a evitar um conflito aberto com as forças de repressão. Todavia, diferem dos conteúdos narcisistas, associais, dos sonhos, na medida em que são destinadas a despertar o inteesse noutras pessoas e são capazes de evocar e satisfazer os mesmos desejos que nelas se encontram inconscientes. À parte isto, fazem uso do prazer perceptivo da beleza formal, aquilo a que chamei um prémio-estímulo. Aquilo que a psicanálise foi capaz de fazer consistiu em captar as relações entre as impressões da vida do artista, as suas experiências causais e as suas obras e, a partir delas, reconstruir a sua constituição e os impulsos que se movem dentro dele. Não se deve julgar que o salaz que procura uma obra de arte se anule pelo conhecimento obtido pela análise. A este respeito é possível que o profano espere acaso demasiado da análise, mas deve advertir-se que ela não esclarece os dois problemas que são, provavelmente, os mais interessantes para ele: não esclarece quanto à natureza dos dotes do artista, nem pode explicar os meios de que o artista se serve para trabalhar a técnica artística.
O Eterno é a Própria Vida
Segundo a expressão de Lavelle, a morte dá «a todos os acontecimentos que a precederam esta marca do absoluto que nunca possuiriam se não viessem a interromper-se». O absoluto habita em cada uma das nossas empresas, na medida em que cada uma se realiza de uma vez para sempre e não será nunca recomeçada. Entra na nossa vida através da sua própria temporalidade. Assim o eterno torna-se fluido e reflui do fim ao coração da vida. A morte já não é a verdade da vida, a vida já não é a espera do momento em que a nossa essência será alterada. O que há sempre de incoactivo, de incompleto e de constrangedor no presente não é já um sinal de menor realidade.
Mas então a verdade de um ser já não é aquilo em que se tornou no fim ou a sua essência, mas o seu devir activo ou a sua existência. E se, como Lavelle dizia em tempos, nos julgamos mais perto dos mortos que amámos do que dos vivos, é porque já nos não põem em dúvida e daqui para o futuro podemos sonhá-los a nosso gosto. Esta piedade é quase ímpia. A única recordação que lhes diz respeito é a que se refere ao uso que faziam de si próprios e do seu mundo,