Toda a vida acreditei: amor é dois se duplicarem em um. Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. Demais. Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada. Ninguém no plural. Ninguéns.
Passagens de Mia Couto
388 resultadosA vida é um por enquanto que há-de vir.
O que se pretende em toda e qualquer guerra não é apenas ganhar. É abolir o inimigo, dissolver o Outro. É fazer desaparecer não apenas o adversário mas todo o seu mundo. Pretende-se anular a sua história, apagar a sua memória.
Saudade de um tempo? Tenho saudade é de não haver tempo.
O escritor usa uma língua dentro da língua, uma pátria que ele inventa não para viver mas para sonhar. Ele não se serve da língua, o criador literário é inventado pela língua. O que ele sabe são ignorâncias, ele é um especialista em ausências e silêncios.
A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.
O que não pode florir no momento certo acaba explodindo depois.
A morte é uma guerra de enganos. As vitórias são só derrotas adiadas. A vida enquanto tem vontade vai construindo a pessoa.
A verdade é que nós somos sempre não uma mas várias pessoas e deveria ser norma que a nossa assinatura acabasse sempre por não conferir. Todos nós convivemos com diversos eus, diversas pessoas reclamando a nossa identidade. O segredo é permitir que as escolhas que a vida nos impõe não nos obriguem a matar a nossa diversidade interior. O melhor nesta vida é poder escolher, mas o mais triste é ter mesmo que escolher.
Não é o destino que conta mas o caminho.
Muitas vezes nos queixamos de que os jovens de hoje vivem uma cultura de imitação. Mas os jovens de ontem também o fizeram. E isso sucede em todo o mundo, em todos os tempos.
Viver é fácil: até os mortos conseguem. Mas a vida é um peso que precisa ser carregado por todos os viventes.
Há perguntas que não podem ser dirigidas às pessoas, mas à vida. Pergunte à vida, senhor. Mas não a este lado da vida. Porque a vida não acaba do lado dos vivos. Vai para além, para o lado dos falecidos.
No Teu Rosto
No teu rosto
competem mil madrugadasNos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalasA tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego
Todos necessitamos certezas que não se esbatem, lugares incólumes à voragem do tempo.
Sou tão bom que até perdi o caráter – a bondade me destemperamentou.
O acumular de crises e o compensar dos crimes contra a ética convidam-nos a uma desistência da alma. Todos os dias uma silenciosa mensagem nos sugere o seguinte: o futuro não vale a pena. Há que viver o dia-a-dia, ou na linguagem dos mais jovens : há que curtir os prazeres imediatos.
Em terra de misérias um pequeno nada é olhado com muita inveja.
O único conselho é este: escutar. Tornarmo-nos atentos a vozes que fomos encorajados a deixar de ouvir. Tornemos essas vozes visíveis. E mantenhamos viva essa capacidade que já tivemos na nossa infância de nos deslumbrarmos. Por coisas simples, que se localizam na margem dos grandes feitos. Um contínuo da escola, um servente que presta apoio às aulas laboratoriais, pode ser mais sugestivo do que o mais prestigiado académico. O que importa do ponto de vista do escritor é a capacidade que essa personagem tem de suscitar história e de nos revelar facetas da nossa própria humanidade.
A esperança é a última a morrer. Diz-se. Mas não é verdade. A esperança não morre por si mesma. A esperança é morta. Não é um assassínio espectacular, não sai nos jornais. É um processo lento e silencioso que faz esmorecer os corações, envelhecer os olhos dos meninos e nos ensina a perder crença no futuro.