Passagens de Mia Couto

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Frases, pensamentos e outras passagens de Mia Couto para ler e compartilhar. Os melhores escritores estão em Poetris.

As nossas estradas já tiveram a timidez dos rios e a suavidade das mulheres. E pediam licença antes de nascer. Agora, as estradas tomam posse da paisagem e estendem as suas grandes pernas sobre o Tempo, como fazem os donos do mundo.

Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer.

A escola foi para mim como um barco: me dava acesso a outros mundos. Contudo, aquele ensinamento não me totalizava. Ao contrário: mais eu aprendia, mais eu sufocava.

As culturas sobrevivem enquanto se mantiverem produtivas, enquanto forem sujeito de mudança e elas próprias dialogarem e se mestiçarem com outras culturas.

A nossa vida é feita de esperas. E, afinal, basta uma palavra, uma só palavra para sermos deuses, isentos de esperas.

Dentro de mim, vão nascendo palavras líquidas, num idioma que desconheço e me vai inundando todo inteiro.

Mentir não passa de uma benevolência: revelar aquilo que os outros querem acreditar.

A política é desses incêndios que se acendem na casa do outro e quem arde é a nossa casa.

Nação e etnia podem viver sem conflito. Como aconteceu em inúmeros momentos históricos. Mas são também oportunidade para demagogos e ambiciosos promoverem os seus interesses pessoais ou de grupo.

Presos ao Passado

Num romance que estou escrevendo há uma personagem a quem perguntam: «E onde irás ser sepultado?» E ela responde: «A minha sepultura maior não mora no futuro. A minha cova é o meu passado.»
De facto, cada um de nós corre o risco de ficar sepultado no seu próprio passado. Todos temos de resistir para não ficarmos aprisionados numa memória simplificada que é o retrato que outros fizeram de nós. Todos trazemos escrito um livro e esse texto quer-se impor como nossa nascente e como nosso destino. Se existe uma guerra em cada um de nós é a de nos opormos a esse fado de estarmos condenados a uma única e previsível narrativa.