Passagens de Miguel Esteves Cardoso

297 resultados
Frases, pensamentos e outras passagens de Miguel Esteves Cardoso para ler e compartilhar. Os melhores escritores estão em Poetris.

Por muito que se goste de chorar o passado ou preferir o presente, a História demonstra, em traços largos, que o futuro é sempre melhor para a maioria das pessoas. A sensação do dia-a-dia de estar tudo cada vez pior perde sempre quando é comparada com as condições há apenas um século atrás. Nem é preciso recuar no tempo – basta ver a facilidade com que se morre nos países muito mais pobres do que o nosso, que são muito mais do que metade dos que existem. Nos mais pobres, a expectativa média de vida é igual à nossa há dois séculos atrás.

Não há Dicas para Namorar e Casar

Nunca me ensinaram as coisas realmente úteis: como é que um rapaz arranja uma noiva, que tipo de anel deve comprar, se pode continuar a sair para os copos com os amigos, se é preciso pedir primeiro aos pais, se tem de usar anel também. Palavra que fui um rapaz que estudou muito e nunca me souberam ensinar isto. Ensinaram-me tudo e mais alguma coisa sobre o sexo e a reprodução, sobre o prazer e a sedução, mas quanto ao namorar e casar, nada. E agora, como é que eu faço?

Passei a pente fino as melhores livrarias de Lisboa e não encontrei uma única obra que me elucidasse. Se quisesse fazer cozinha macrobiótica, descobrir o «ponto G» da minha companheira para ajudá-la a atingir um orgasmo mais recompensador, montar um aquário, criar míscaros ou construir um tanque Sherman em casa, sim, existe toda uma vasta bibliografia. Para casar, nem um folheto. Nem um «dépliant». Nada. Nem um autocolante. Para apanhar SIDA sei exactamente o que devo fazer. Para apanhar a minha noiva não faço a mais pequena ideia.

Porque é que o Ministério da Juventude, em vez de esbanjar fortunas com iniciativas patetas (como aquela piroseira fascistóide dos Descobrimentos) e anúncios ridículos (como aqueles «Ya meu,

Continue lendo…

É fácil gostar de labregos e da companhia que os labregos podem fazer. Durante dez ou onze minutos, num contexto bucólico, chegam a reconciliar-nos com a terra. São honestos. São despretensiosos. Respeitam as outras pessoas. Acima de tudo, são verdadeiros.

É um defeito particularmente português querermos distinguir-nos do empreendimento onde trabalhamos e de que fazemos parte. Preferimos falar, distantemente, do «lugar» ou «sítio» onde trabalhamos, como se fosse apenas uma questão utópica de localização.

Aprender é a coisa mais inteligente que se pode fazer. Ensinar é um acto generoso mas, quando se limita à transmissão, é bastante mais estúpido.

Os melhores petiscos são aqueles que não podem ser comprados – por muito dinheiro ou amor que se tenha – mas somente adquiridos por ter nascido e vivido num determinado lugar; por ser filho, sobrinho ou compadre de determinadas pessoas.

Os outros são a nossa única justificação possível. Segui-los e servi-los, por questões de sabedoria e sentimento, é a nossa mais maravilhosa oportunidade.

O amigo leal é aquele que, depois de se sacrificar em público pelo amigo, ajudando-o a vencer, lhe diz em particular «Olha que aqui para nós, não merecias ganhar». É aquele que, em nome da amizade, aguenta com as dúvidas e diz, partindo para a batalha: «Isto vai acabar mal, mas tu lá sabes…».

Quanto mais precisas para viver, mais tens de trabalhar e menos tempo tens para ti. O maior dos luxos é o tempo. O tempo é o meu maior património.

Os Portugueses não gostam de falar de dicionários, porque têm uma noção pacóvia de que é prova de falta de cultura. Pensam ser melhor fingir que não precisam deles.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram “em diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão, que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas em vez de se apaixonarem de verdade, ficam praticamente apaixonadas.

Façam o que fizerem na vida, para ganhar algum, os intelectuais verdadeiros são aqueles que preferem ler a escrever; ler a fazer; quase (quando não têm sorte), ler a viver. Mesmo que tenham de dizer o contrário. Ler vem sempre primeiro. Escrever vem depois.

Os portugueses não são assim muito fiéis. E não se julgue que são só os homens. Essa teoria nunca fez muito sentido. Se as mulheres são todas mais fiéis, com quem é que os homens estão a ser infiéis?

Começa-se como se começa. Uma história é uma coisa que acontece quando se escreve. As pessoas aparecem. Existem as estações do ano, as cidades, os comboios, os lugares onde se passam as coisas que nunca se passaram. Ouvem-se as palavras que se dizem. Este coração é meu e mais nada. Escrever é a maior aventura que se pode ter. Um romance é outra vida. Comece hoje a escrever um. De nada interessa que seja mau ou que não haja ninguém para o ler. Um romance é outra vida.

Os Dias Bons

Os dias bons são os dias em que se acorda, tendo dormido oito, nove ou, melhor ainda, dez horas e, reflectindo naquela ronha de quem já não consegue dormir mais mas gosta de ficar na cama (porque a temperatura e a companhia são perfeitas), se lembra que não tem nada para fazer, senão tomar o pequeno-almoço, o almoço, o chá e o jantar. E, se quiser, entretanto, nalgum intervalo qualquer, trabalhar, tanto melhor. Mas não importa. Dias de domingos antigos: dias de prazer sem saber.
Os dias bons nunca acontecem. Acontecem, quando muito, cinco ou dez mil vezes numa vida. Três míseros anos já têm mais de mil. Domingo, daqui a uma semana, terei a sorte nunca tida de estar casado e feliz com a Maria João há 12 anos. Doze anos cheios de dias bons, impossíveis de contar.
O amor, para quem é mais novo e não sabe como fazer, não é uma técnica ou uma táctica. Não há segredo. Não há lições. Ou se ama ou não se ama. Ou se é também amado ou não se é. Esperar é o melhor conselho. Experimentar é o pior. O segredo não é ter paciência: é conseguir manter a impaciência num estado de excelsitude.

Continue lendo…

Porque começa o tempo a acelerar quando finalmente começamos a dar-lhe valor e até a amá-lo? Quando se é novo, gosta-se do tempo para isto ou para aquilo. Quando se ganha juízo, aprecia-se o tempo só por si. O “para” deixa de interessar. Mais: é a ausência de um “para” premeditado que o torna valioso.

Os portugueses estão sempre mal dispostos. Dispõem-se mal. Indispõem-se muito. Não percebem que a vida é uma coisa complicada, com muito recheio, só parcialmente compreensível, sujeita tanto às leis da ciência, como ao acaso. A vida é muito confusa. É chata, linda, irregular, boa, injusta, curta de mais e comprida em demasia.

O Amor é um Exagerador

As coisas boas, como o amor e a sabedoria, não trazem a felicidade pela simples razão que as coisas boas têm, para ser boas, de ser «boas por si mesmas». Não podem ser boas por aquilo que trazem. Pelo contrário, têm um preço. O mais das vezes, o preço do amor e da sabedoria, ambos artigos finos, artigos de luxo, coisas boas, é a infelicidade. Quando se ama, ou quando se estuda muito, fica-se sujeito às vontades e às verdades mais alheias. Nada depende quase nada de nós. E sofre-se. Irritam as pessoas que esperam que o amor traga a felicidade. É como esperar que os morangos tragam as natas. O amor não é um meio para atingir um fim — não é através do amor que se chega à felicidade. O amor é um exagerador — exagera os êxtases e as agonias, torna tudo o que não lhe diz respeito (o mundo inteiro) numa coisa pequenina. Assim como a arte tem de ser pela arte e a ciência pela ciência (seria um horror ouvir alguém dizer «Eu quero ser pintor ou biólogo para ganhar muito dinheiro e ir a muitas festas e ter duas carrinhas Volvo com galgos do Afeganistão lá dentro»),

Continue lendo…