Amizade na Empatia Divergente
As pessoas que mais admiro são aquelas que melhor divergem da minha pessoa. Claro está, só se diverge de outrem dentro do que nos é comum. Porque há quem nada tenha de comum connosco, nem sequer a própria existência e a mesma humanidade. E não esqueçamos que o espaço e o tempo são aparências por nós fabricadas para dar passo ao espírito e não lenha para nos queimarmos. Ao mesmo tempo e no mesmo espaço podem juntar-se as pessoas mais alheias entre si e como não acontece na História em tempos e espaços diferentes. A universalidade humana é tão vária que pode um satisfazer inteiramente a sua e sem que lhe passe sequer pela cabeça a de outro que satisfaça também completamente a dele.
O tempo de cada qual é o justo para si. Não é dado a ninguém a ocasião da polícia do tempo de outrem. De modo que à porta da nossa intimidade havemos de pôr a admiração por aquele que vai entrar, tanto em quanto diverge como em quanto coincide connosco. Por outras palavras: não vale mais o nosso mistério do que o de outro qualquer. Só o mistério chega inteiro ao fim.
Passagens sobre Mistério
367 resultadosSoneto
Senhora, eu trajo o luto do passado,
Este luto sem fim que é o meu Calvário
E anseio e choro, delirante e vário,
Sonâmbulo da dor angustiado.Quantas venturas que me acalentaram!
Mau peito, túm’lo do prazer finado,
Foi outrora do riso abençoado,
O berço onde as venturas se embalaram.Mas não queiras saber nunca, risonha,
O mistério d’um peito que estertora
E o segredo d’um’alma que não sonha!Não, não busques saber por que, Senhora,
É minha sina perenal, tristonha
– Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.
Tudo em meu torno é o universo nu, abstrato, feito de negações noturnas. Divido-me em cansado e inquieto, e chego a tocar com a sensação do corpo um conhecimento metafísico do mistério das coisas.
O Medo do Fim
Alguns pensam que a felicidade é a ausência de sofrimento… mas, na verdade, está errada essa ideia. A felicidade e o sofrimento são ambos pilares fundamentais da existência. Sem sofrimento a nossa humanidade não seria provada e os nossos dias não teriam valor. Assim também a felicidade, sendo a alegria mais profunda, é o que dá sentido a todas as noites… não são realidades que se possam medir, mas não deixam de ser algo tão concreto como as nossas duas mãos, que sempre trabalham em conjunto, sabendo cada uma o seu papel e o seu valor.
Evitar a dor não nos torna mais fortes.
Tememos as perdas. Tememos a morte. Talvez porque o nada é um abismo que assusta todos quantos têm uma vida com valor. Porque somos impelidos a defender o significado do que erguemos aqui. Não se quer aceitar que tudo quanto se construiu, durante uma vida, seja suprimido sem deixar rasto. Quantas vezes não é o momento do fim que se teme, mas antes o que se pode fazer até lá?
Caminhar rumo ao desconhecido é uma prova de coragem e de fé diante das evidências deste mundo. Os olhos não querem ver nem as pernas caminhar,
Qual é o propósito da escrita? Para mim, pessoalmente, é realmente para explicar o mistério da vida, e o mistério da vida inclui, claro, os pessoais, os políticos, as forças que nos tornam aquilo que somos enquanto existe outra força dentro de nós a lutar para que sejamos algo diferente.
O maior mistério da morte é que só o podemos saber quando já o não podemos saber.
A esmola é um mistério: quando a derdes, fechai a porta.
A Verdadeira Filosofia de Vida
Trabalhar com nobreza, esperar com sinceridade, sentir as pessoas com ternura, esta é a verdadeira filosofia.
1 – Não tenhas opiniões firmes, nem creias demasiadamente no valor das tuas opiniões.
2 – Sê tolerante, porque não tens certeza de nada.
3 – Não julgues ninguém, porque não vês os motivos, mas sim os actos.
4 – Espera o melhor e prepara-te para o pior.
5 – Não mates nem estragues, porque não sabes o que é a vida, excepto que é um mistério.
6 – Não queiras reformar nada, porque não sabes a que leis as coisas obedecem.
7 – Faz por agir como os outros e pensar diferentemente deles.
Pensar é Destruir
O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar. Viver a vida decorrentemente, exteriormente, como um gato ou um cão – assim fazem os homens gerais, e assim se deve viver a vida para que possa contar a satisfação do gato e do cão.
Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor. Se os homens soubessem meditar no mistério da vida, se soubessem sentir as mil complexidades que espiam a alma em cada pormenor da acção, não agiriam nunca, não viveriam até. Matar-se-iam assustados, como os que se suicidam para não ser guilhotinados no dia seguinte.
A Minha Poesia
A minha poesia e a minha vida fluíram como um rio americano, como uma torrente de águas do Chile, nascidas na intimidade profunda das montanhas austrais e dirigindo sem cessar para uma saída marítima o movimento do caudal. A minha poesia não rejeitou nada do que pôde transportar nas suas águas. Aceitou a paixão, desenvolveu o mistério, abriu passagem nos corações do povo.
Coube-me sofrer e lutar, amar e cantar. Tocaram-me na partilha do mundo o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e do sangue. Que mais quer um poeta? Todas as alternativas, do pranto até aos beijos, da solidão até ao povo, estão vivas na minha poesia, reagem nela, porque vivi para a minha poesia e porque a poesia sustentou as minhas lutas. E se muitos prémios alcancei, prémios fugazes como borboletas de pólen evasivo, alcancei um prémio maior, um prémio que muitos desdenham, mas que, na realidade, é para muitos inatingível.
Consegui chegar, através de uma dura lição de estética e rebusca, através dos labirintos da palavra escrita, à altura de poeta do meu povo. O meu prémio maior é esse — não os livros e os poemas traduzidos, não os livros escritos para descreverem ou dissecarem as palavras dos meus livros.
O Ser entre o Interior e o Exterior
Era um tipo estranho. Digo bem «um tipo». Olho um homem, uma mulher, e nem sempre me é possível tentar sequer abordar-lhe a pessoa por dentro. Porque há indivíduos que irresistivelmente reduzimos a «objectos». São os indivíduos «característicos» com tiques, com uma aparência de traços nítidos. Compreendo a tentação da caricatura: a um olhar sem mistério, os homens são a caricatura do homem. Por isso o romance tem ignorado a outra zona. Ah, escrever um romance que se gerasse nesse ar rarefeito de nós próprios, no alarme da nossa própria pessoa, na zona incrível do sobressalto! Atingir não bem o que se é «por dentro», a «psicologia», o modo íntimo de se ser, mas a outra parte, a que está antes dessa, a pessoa viva, a pessoa absoluta. Um romance que ainda não há… Porque há só ainda romances de coisas – coisas vistas por fora ou coisas vistas por dentro. Um romance que se fixasse nessa iluminação viva de nós, nessa dimensão ofuscante do halo de nós…
Assentei o amor pelos meus nessa dádiva de sangue, assim como a mãe assenta o seu amor no leite que dá. É aí que reside o mistério. É preciso começar pelo sacrifício para alicerçar o amor.
A Louca
A Dias Paredes
Quando ela passa: – a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário de mágoa sepultada.Eu sei a sua história. – Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
– O segredo d’um peito torturado –E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça – coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.
Estamos Atados, Filho
Levar-vos-ei sempre comigo. Olho de frente o último raio de sol antes de o sol desaparecer. Penso: um homem é um dia, um homem é o sol durante um dia. E é preciso continuar. Avançam os meus pés sobre a terra. Filho, dormes ainda, e quis mostrar-te o sol-pôr. Quis mostrar-te a terra, ensinar-te a cor da terra por dentro, porque quem conhece a cor da terra por dentro conhece o mundo e os homens. Filho, o sol desapareceu agora e deixou uma aura vermelha de sangue à volta do cabeço onde entrou, e quis ensinar-te que amanhã estará calor. Quis ensinar-te que, se não vires as estrelas de noite, espera chuva no dia seguinte. E saberes isto é saberes tudo. São estas as poucas coisas que nos dão a saber. O resto, filho, são mistérios sem explicação. O resto são punhais apontados dentro do nevoeiro. O resto são punhais que vemos aproximarem-se do nosso peito, e estamos atados, filho.
É tão necessário o mistério, o que fica por dizer, o segredo é o suporte maior da felicidade mundial, soubéssemos todos o que todos sabem e o mundo não duraria um dia.
Quem Poderá Calcular a Órbita da sua Própria Alma?
As pessoas cujo desejo é unicamente a auto-realização, nunca sabem para onde se dirigem. Não podem saber. Numa das acepções da palavra, é obviamente necessário, como o oráculo grego afirmava, conhecermo-nos a nós próprios. É a primeira realização do conhecimento. Mas reconhecer que a alma de um homem é incognoscível é a maior proeza da sabedoria. O derradeiro mistério somos nós próprios. Depois de termos pesado o Sol e medido os passos da Lua e delineado minuciosamente os sete céus, estrela a estrela, restamos ainda nós próprios.
Todos os escritores são vaidosos, egocêntricos e ociosos, e bem no fundo de seus motivos jaz um mistério.
Ó Tranças De Que Amor Prisões Me Tece
Ó tranças de que Amor prisões me tece,
Ó mãos de neve, que regeis meu fado!
Ó tesouro! Ó mistério! Ó par sagrado,
Onde o menino alígero adormece!Ó ledos olhos, cuja luz parece
Tênue raio de sol! Ó gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter suspira!Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois? Sois de Vênus? – É mentira;
Sois de Marília, sois dos meus amores.
A Grandeza Humana Tem Raízes no Irracional
A política, a honra, a guerra, a arte, tudo o que há de mais decisivo na vida acontece para lá do entendimento. A grandeza humana tem raízes no irracional. Nem nós, os homens de negócios, agimos por cálculo, como talvez o senhor imagine. Nós – falo, naturalmente, daqueles poucos que se distinguem; os pequenos, esses continuarão a contar os seus tostões – aprendemos a ver as nossas ideias realmente bem sucedidas como um mistério que troça de qualquer cálculo. Quem não amar o sentimento, a moral, a religião, a música, a poesia, a forma, a disciplina, o código cavalheiresco, a liberalidade, a franqueza, a tolerância – acredite, nunca chegará a ser um grande homem de negócios. Por isso, sempre admirei a profissão do guerreiro; (…) todas as grandes coisas dependem das mesmas qualidades.
Se te Queres Matar
Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…A mágoa dos outros?… Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,