Fogo Fátuo
Enquanto caminhávamos
parei um pouco dentro de mim
e me invadiu tua brusca mocidade.
Algo em ti pungiu-me:
a teu lado, as casas,
o ar, o amigo apodreciam e
tu, sozinho, ileso pairavas no momento.
Passagens sobre Mocidade
144 resultadosNocturno
Amor! Anda o luar todo bondade,
Beijando a terra, a desfazer-se em luz…
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que andam pisando as ruas da cidade!E eu ponho-me a pensar… Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!Minh’alma, que eu te dei, cheia de mágoas,
E nesta noite o nenĂşfar dum lago
‘Stendendo as asas brancas sobre as águas!Poisa as mĂŁos nos meus olhos com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago…
E deixa-me chorar devagarinho…
Transcendentalismo
(A J. P. Oliveira Martins)
Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
CaĂ na conta, enfim, de quanto Ă© vĂŁo
O bem que ao Mundo e Ă Sorte se disputa.Penetrando, com fronte nĂŁo enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
SĂł encontrei, com dor e confusĂŁo,
Trevas e pĂł, uma matĂ©ria bruta…NĂŁo Ă© no vasto mundo — por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade —
Que a alma sacia o seu desejo intenso…Na esfera do invisĂvel, do intangĂvel,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
VĂ´a e paira o espĂrito impassĂvel!
A mocidade ociosa, velhice vergonhosa.
Mocidade
Ah! esta mocidade! — Quem Ă© moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusões, da crença mais florida
Na muscular artĂ©ria de Colosso…Das incertezas nunca mede o poço…
Asas abertas — na amplidĂŁo da vida,
Páramo a dentro — de cabeça erguida,
VĂŞ do futuro o mais alegre esboço…Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compĂŞndio…Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incĂŞndio!
Basta! … Eu sei que a mocidade
É o Moisés no Sinai;
Das mĂŁos do eterno recebe
As tábuas da lei! Marchai!
Quem cai na luta com glĂłria.
Tomba nos braços da história,
No Coração do Brasil.
O Valor da CrĂłnica de Jornal
A crĂłnica Ă© como que a conversa Ăntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o lĂŞem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo, espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, dos enfeites, fala em tudo baixinho, como quando se faz um serĂŁo ao braseiro, ou como no VerĂŁo, no campo, quando o ar está triste. Ela sabe anedotas, segredos, histĂłrias de amor, crimes terrĂveis; espreita, porque nĂŁo lhe fica mal espreitar. Olha para tudo, umas vezes melancolicamente, como faz a Lua, outras vezes alegre e robustamente, como faz o Sol; a crĂłnica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e facĂ©cias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o pĂ© da imperatriz da China; ela conta tudo o que pode interessar pelo espĂrito, pela beleza, pela mocidade; ela nĂŁo tem opiniões, nĂŁo sabe do resto do jornal; está nas suas colunas contando, rindo, pairando; nĂŁo tem a voz grossa da polĂtica, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crĂtico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando.
A melancolia compõe-se de oscilações morais, das quais a primeira atinge a desesperação e a última o prazer; na mocidade é o crepúsculo matutino, na velhice o da tarde.
A mocidade Ă© a Ăşnica riqueza que vale a pena ter.
Miseráveis Macabros
É que não foram tão poucas como isso as vezes que vi a piedade enganar-se. Nós, que governamos os homens, aprendemos a sondar-lhes os corações, para só ao objecto digno de estima dispensarmos a nossa solicitude. Mais não faço do que negar essa piedade às feridas de exibição que comovem o coração das mulheres. Assim como também a nego aos moribundos, e além disso aos mortos. E sei bem porquê.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas Ăşlceras. AtĂ© chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longĂnqua unguentos derivados do ouro, que tĂŞm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim atĂ© descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportável fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pĂşstulas, como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de pĂşrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridĂŁo e gabavam-se das esmolas recebidas.
Aquele que mais ganhara comparava-se a si prĂłprio ao sumo sacerdote que expõe o Ădolo mais prendado. Se consentiam em consultar o meu mĂ©dico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilĂŞncia e pelas proporções.
Não se sabe onde começa a velhice nem onde acaba a mocidade.
Enquanto outros Combatem
Empunhasse eu a espada dos valentes!
Impelisse-me a acção, embriagado,
Por esses campos onde a Morte e o Fado
Dão a lei aos reis trémulos e ás gentes!Respirariam meus pulmões contentes
O ar de fogo do circo ensanguentado…
Ou caĂra radioso, amortalhado
Na fulva luz dos gládios reluzentes!Já não veria dissipar-se a aurora
De meus inĂşteis anos, sem uma hora
Viver mais que de sonhos e ansiedade!Já não veria em minhas mãos piedosas
Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas
D’esta pálida e estĂ©ril mocidade!
Retrospecto
Vinte e seis anos, trinta amores: trinta
vezes a alma de sonhos fatigada.
e, ao fim de tudo, como ao fim de cada
amor, a alma de amor sempre faminta!Ă“ mocidade que foges! brada
aos meus ouvidos teu futuro, e pinta
aos meus olhos mortais, com toda a tinta,
os remorsos da vida dissipada!Derramo os olhos por mim mesmo… E, nesta
muda consulta ao coração cansado,
que Ă© que vejo? que sinto? que me resta?Nada: ao fim do caminho percorrido,
o Ăłdio de trinta vezes ter jurado
e o horror de trinta vezes ter mentido!
A mocidade é a estação da felicidade sensual, a velhice, a da moral e intelectual.
No Seio Da Terra
Do pélago dos pélagos sombrios,
Cá do seio da Terra, olhando as vidas,
Escuto o murmurar de almas perdidas,
Como o secreto murmurar dos rios.Trazem-me os ventos negros calafrios
E os loluços das almas doloridas
Que tĂŞm sede das terras prometidas
E morrem como abutres erradios.As ânsias sobem, as tremendas ânsias!
Velhices, mocidades e as infâncias
Humansa entre a Dor se despedaçam…Mas, sobre tantos convulsivos gritos,
Passam horas, espaços, infinitos,
Esferas, gerações, sonhando, passam!
VolĂşpia
No divino impudor da mocidade,
Nesse ĂŞxtase pagĂŁo que vence a sorte,
Num frĂŞmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido Ă morte!A sombra entre a mentira e a verdade…
A nuvem que arrastou o vento norte…
– Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volĂşpia e de maldade!Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!E do meu corpo os leves arabescos
VĂŁo-te envolvendo em cĂrculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…
A mocidade expande-se para conhecer o mundo e os homens, a velhice contrai-se por havĂŞ-los conhecido.
A Mocidade Propõe, a Maturidade Dispõe
É função da mocidade ser profundamente sensĂvel Ă s novas ideias como instrumentos rápidos para dominar o meio; e Ă© função da idade madura opor-se tenazmente a essas ideias ; isso faz com que as inovações fiquem em experiĂŞncia por algum tempo antes que a sociedade as ponha em prática. A maturidade atenua as ideias novas, redu-las de modo a caberem dentro da possibilidade ou a que sĂł se realizem em parte. A mocidade propõe, a maturidade dispõe, a velhice opõe-se. A mocidade domina nos perĂodos revolucionários; a maturidade, nos perĂodos de reconstrução; a velhice, nos perĂodos de estagnação. «Dá-se com os homens», diz Nietzsche, «o mesmo que com as carvoarias na floresta. SĂł depois que a mocidade se carboniza Ă© que se torna utilizável. Enquanto está a arder será muito interessante, mas incĂłmoda e inĂştil.»
Todo o autor, nascendo uma geração mais tarde, repudiaria a sua obra; não há um que, ao envelhecer, não acredite ter progredido sobre a sua mocidade.
As desordens da mocidade são outras tantas conspirações contra a velhice; pagam-se caras, à tarde, as loucuras da manhã.