RenĂşncia
A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mĂŁos em cruz…Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza…
E como um beijo ardente a Natureza…
A minha cela Ă© como um rio de luz…Fecha os teus olhos bem! NĂŁo vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!Gela ainda a mortalha que te encerra!
Enche a boca de cinzas e de terra
Ă“ minha mocidade toda em flor!
Passagens sobre Mortalhas
26 resultadosPaz!
E a Vida foi, e Ă© assim, e nĂŁo melhora.
Esforço inutil, crĂŞ! Tudo Ă© illuzĂŁo…
Quantos nĂŁo scismam n’isso mesmo a esta hora
Com uma taça, ou um punhal na mão!Mas a Arte, o Lar, um filho, Antonio? Embora!
Chymeras, sonhos, bolas de sabĂŁo.
E a tortura do além e quem lá mora!
Isso Ă©, talvez, minha unica afflicção…Toda a dor pode suspportar-se, toda!
Mesmo a da noiva morta em plena boda,
Que por mortalha leva… essa que traz…Mas uma nĂŁo: Ă© a dor do pensamento!
Ai quem me dera entrar n’esse convento
Que ha além da Morte e que se chama A Paz!
Apostrofe À Carne
Quando eu pego nas carnes do meu rosto.
Pressinto o fim da orgânica batalha:
– Olhos que o hĂşmus necrĂłfago estraçalha,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto…E o Homem – negro e heterĂłclito composto,
Onde a alva flama psĂquica trabalha,
Desagrega-se e deixa na mortalha
O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!Carne, feixe de mĂ´nadas bastardas,
Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,
A dardejar relampejantes brilhos,DĂłi-me ver, muito embora a alma te acenda,
Em tua podridão a herança horrenda,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos!
Rodopio
Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas tĂ´rres de marfim.Ascendem hĂ©lices, rastros…
Mais longe coam-me sois;
Há promontórios, farois,
Upam-se estátuas de herois,
Ondeiam lanças e mastros.Zebram-se armadas de côr,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor…Cristais retinem de mĂŞdo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços…
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segrĂŞdo.Luas de oiro se embebedam,
Rainhas desfolham lirios;
Contorcionam-se cĂrios,
Enclavinham-se delĂrios.
Listas de som enveredam…Virgulam-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emmaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos de anseantes…(Há incenso de esponsais,
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas –
Um lenço, fitas, dedais…)Há elmos, trofĂ©us, mortalhas,
Emanações fugidias,
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes nĂŁo ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pĂ©s n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mĂŁos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
Cacida da MĂŁo ImpossĂvel
NĂŁo quero mais que uma mĂŁo,
mĂŁo ferida, se possĂvel.
NĂŁo quero mais que uma mĂŁo,
inda que passe noites mil sem cama.Seria um lĂrio pálido de cal,
uma pomba atada ao meu coração,
o guarda que na noite do meu trânsito
de todo vetaria o acesso Ă lua.NĂŁo quero mais que essa mĂŁo
para os diários óleos e a mortalha de minha agonia.
NĂŁo quero mais que essa mĂŁo
para de minha morte ter uma asa.Tudo mais passa.
Rubor sem nome mais, astro perpétuo.
O demais Ă© o outro; vento triste
enquanto as folhas fogem debandadas.Tradução de Oscar Mendes