A morte é uma brevíssima varanda. Dali se espreita o tempo como a águia se debruça no penhasco – em volta todo o espaço se pode converter em esplêndida voação.
Passagens sobre Morte
1650 resultadosAssim como um dia bem empregado procura um sono feliz, também uma vida bem empregada termina com uma morte serena.
Às vezes, a morte é melhor.
Eu acredito mesmo que não tenho medo da morte. O que me faz encolher, acredito, é a vergonha de morrer tão estúpido e confuso como sou.
O sono é irmão da morte.
A Essência das Coisas
Nunca me conformei com um conceito puramente científico da Existência, ou aritmético-geométrico, quantitativo-extensivo. A existência não cabe numa balança ou entre os ponteiros dum compasso. Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão. O pesado é feito de imponderáveis, e a extensão de pontos inextensos, como a vida é feita de mortes.
A realidade não está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes, simulacros luminosos, um aflorar de quimeras materiais. Nem é sólida, nem líquida, nem gasosa, nem electromagnética, palavras com o mesmo significado nulo. Foge a todos os cálculos e a todos os olhos de vidro, por mais longe que eles vejam, ou se trate dum núcleo atómico perdido no infinitamente pequeno, ou da nebulosa Andrómeda, a seiscentos mil anos de luz da minha aldeia!
A essência das coisas, essa verdade oculta na mentira, é de natureza poética e não científica. Aparece ao luar da inspiração e não à claridade fria da razão. Esta apenas descobre um simples jogo de forças repetido ou modificado lentamente, gestos insubstanciais, formas ocas, a casca de um fruto proibido.
Mas o miolo é do poeta. Só ele saboreia a vida até ao mais íntimo do seu gosto amargoso,
Morte desejada, vida durada.
A morte é a frescura da noite e a vida o dia sufocante.
A coragem conduz às estrelas, e o medo à morte.
Morrer é uma dignidade que nem todos merecem. Porque alguns merecem apenas que a morte os suprima.
O amor é vida quando não é morte; é berço e também sepultura.
Queixa das almas jovens censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corolaDão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idadeDão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocênciaDão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatroPenteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sósDão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medoTemos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombroDão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macacoDão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procuraDão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adianteDão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destinoDão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida,
Mais Forte Do Que A Morte
Chego trêmulo, pálido, indeciso.
Tentas fugir, se escutas meu andar.
E és atraída pelo meu sorriso,
e eu fascinado pelo teu olhar.Louco, sem o querer, te martirizo.
Em meus braços começas a chorar.
– E unem-se as nossas bocas de improviso,
pelo poder de um fluido singular.Amo-te. A febre da paixão te acalma.
Beijas-me. E eu sinto, em lânguido torpor,
a embriaguez do vinho da tu’alma.E ambos vemos, felizes, sem temor,
que, abençoada e lúbrica, se espalma
a asa da morte sobre o nosso amor!
Mal vai, quando em todo o lugar surgem certezas; é o noivado com a morte.
A meio da vida, a morte chega para tomar as nossas medidas. A visita é esquecida e a vida continua. Mas o fato está a ser costurado às escondidas.
Felicidade e Prazer
Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la. Respeita, portanto, e aplica os princípios que continuadamente te inculquei, convencendo-te de que eles são os elementos necessários para bem viver. Pensa primeiro que o deus é um ser imortal e feliz, como o indica a noção comum de divindade, e não lhe atribuas jamais carácter algum oposto à sua imortalidade e à sua beatitude. Habitua-te, em segundo lugar, a pensar que a morte nada é, pois o bem e o mal só existem na sensação. De onde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte nada ser nos permite fruir esta vida mortal, poupando-nos o acréscimo de uma ideia de duração eterna e a pena da imortalidade. Porque não teme a vida quem compreende que não há nada de temível no facto de se não viver mais. É, portanto, tolo quem declara ter medo da morte, não porque seja temível quando chega, mas porque é temível esperar por ela.
É tolice afligirmo-nos com a espera da morte, visto ser ela uma coisa que não faz mal, uma vez chegada. Por conseguinte, o mais pavoroso de todos os males,
A morte anula sempre mais planos e projectos do que a vida executa.
Bemdito Sejas
Bemdito sejas,
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A minha dôr,
Estremecendo, acórda…A minha dôr é um leão
Que lentamente mordendo
Me devora o coração.Canto e chóro amargamente;
Mas a dôr, indiferente,
Continúa…Então,
Febríl, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
– E a minha dôr adormece,
E o leão é socegado.Quanto mais bêbo mais dórme:
Vinho adorado,
O teu poder é enorme!E eu vos digo, almas em chaga,
Ó almas tristes sangrando:
Andarei sempre
Em constante bebedeira!Grande vida!
– Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!
A solidão, mais ainda que a doença, demonstra, da maneira mais radical, se um homem foi criado e predestinado para a vida; ou se, como a maioria, o foi para a morte.
Missa de Aniversário
Há um ano que os teus gestos andam
ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
onde de novo a seara amadurece
donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim de semana
do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
embora a mesa posta continue à tua espera
e lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez
florido?Era esta a voz dele assim é que falava
dizem agora as giestas desta sua terra
que o viram passar nos caminhos da infância
junto ao primeiro voo das perdizesJá só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente
No verão em que partiste bem me lembro
pensei coisas profundas
É de novo verão.