Passagens sobre Mudos

369 resultados
Frases sobre mudos, poemas sobre mudos e outras passagens sobre mudos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Soneto 351 Kármico

Quinhentas e cinqüenta e cinco peças
perfazem as sonatas de Scarlatti.
Nivelam-se, em altĂ­ssimo quilate,
Ă  Nona, Ă  Mona Lisa, qualquer dessas.

Farei tantos sonetos? Não mo peças!
É meta muito hercúlea para um vate!
Recorde desse porte nĂŁo se bate:
no máximo se iguala, e nunca às pressas.

Já fiz mais que Camões, mais que Petrarca:
dois, dois, dois; trĂŞs, trĂŞs, trĂŞs; de pouco em pouco,
que a lira também broxa… É porca. É parca.

Poeta que for cego, mudo ou mouco
compensa a privação com a fuzarca:
diverte-se sofrendo. É glauco. É louco.

Considerações Sobre a Amizade

É a insuficiência do nosso ser que faz nascer a amizade, e é a insuficiência da própria amizade que a faz perecer. Está-se sozinho, sente-se a própria miséria, sente-se necessidade de apoio, procura-se quem lhe favoreça os gostos, um companheiro nos prazeres e nos pesares; quer-se um homem de quem se possa possuir o coração e o pensamento. Então a amizade parece ser o que de mais doce há no mundo; tem-se o que se desejou, logo se muda de ideia. Quando se vê de longe algum bem, ele fixa de início os nossos desejos, e quando se chega a ele, sente-se o seu nada. A nossa alma, de que ele prendia a vista na distância, não pode repousar-se nele quando vê mais adiante: assim a amizade, que de longe limitava todas as nossas pretensões, cessa de limitá-las de perto; não preenche o vazio que prometera preencher; deixa-nos necessidades que nos distraem e nos levam a outros bens.
Então a gente torna-se negligente, difícil, exige-se logo como um tributo as complacências que de início eram recebidas como um dom. É do carácter dos homens apropriar-se a pouco e pouco até das graças de que beneficiam; uma longa posse acostuma-os naturalmente a olhar as coisas que possuem como sendo deles;

Continue lendo…

A Felicidade

A felicidade é um estado permanente que não parece ter sido feito, aqui na terra, para o homem. Na terra, tudo vive num fluxo contínuo que não permite que coisa alguma assuma uma forma constante. Tudo muda à nossa volta. Nós próprios também mudamos e ninguém pode estar certo de amar amanhã aquilo que hoje ama. É por isso que todos os nossos projectos de felicidade nesta vida são quimeras.
Aproveitemos a alegria do espírito quando a possuímos; evitemos afastá-la por nossa culpa, mas não façamos projectos para a conservar, porque esses projectos são meras loucuras. Vi poucos homens felizes, talvez nenhum; mas vi muitas vezes corações contentes e de todos os objectos que me impressionaram foi esse o que mais me satisfez. Creio que se trata de uma consequência natural do poder das sensações sobre os meus sentimentos. A felicidade não tem sinais exteriores; para a conhecer seria necessário ler no coração do homem feliz; mas a alegria lê-se nos olhos, no porte, no sotaque, no modo de andar, e parece comunicar-se a quem dela se apercebe.

O Teu Riso

Tira-me o pĂŁo, se quiseres,
tira-me o ar, mas
nĂŁo me tires o teu riso.

NĂŁo me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta Ă© dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que nĂŁo muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de sĂşbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,

Continue lendo…

LĂşcia

(Alfred de Musset)

Nós estávamos sós; era de noite;
Ela curvara a fronte, e a mĂŁo formosa,
Na embriaguez da cisma,
TĂŞnue deixava errar sobre o teclado;
Era um murmĂşrio; parecia a nota
De aura longĂ­nqua a resvalar nas balsas
E temendo acordar a ave no bosque;
Em torno respiravam as boninas
Das noites belas as volĂşpias mornas;
Do parque os castanheiros e os carvalhos
Brando embalavam orvalhados ramos;
OuvĂ­amos a noite, entre-fechada,
A rasgada janela
Deixava entrar da primavera os bálsamos;
A várzea estava erma e o vento mudo;
Na embriaguez da cisma a sós estávamos
E tĂ­nhamos quinze anos!

Lúcia era loura e pálida;
Nunca o mais puro azul de um céu profundo
Em olhos mais suaves refletiu-se.
Eu me perdia na beleza dela,
E aquele amor com que eu a amava – e tanto ! –
Era assim de um irmĂŁo o afeto casto,
Tanto pudor nessa criatura havia!

Nem um som despertava em nossos lábios;
Ela deixou as suas mĂŁos nas minhas;
TĂ­bia sombra dormia-lhe na fronte,

Continue lendo…

O autor aos seus versos

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mĂŁo da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, nĂŁo busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

NĂŁo vos inspire, Ăł versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tĂŁo pouco,
Que nĂŁo pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

As coisas, os acontecimentos, a felicidade, o amor e o sofrimento restariam frustrados, se se conservassem mudos e a gente se limitasse a saboreá-los e experimentá-los.

Cárcere Das Almas

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ă“ almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do CĂ©u possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!

PĂł

Nas estantes os livros ficam
(até se dispersarem ou desfazerem)
enquanto tudo
passa. O pĂł acumula-se
e depois de limpo
torna a acumular-se
no cimo das lombadas.
Quando a cidade está suja
(obras, carros, poeiras)
o pĂł Ă© mais negro e por vezes
espesso. Os livros ficam,
valem mais que tudo,
mas apesar do amor
(amor das coisas mudas
que sussurram)
e do cuidado doméstico
fica sempre, em baixo,
do lado oposto Ă  lombada,
uma pequena marca negra
do pó nas páginas.
A marca faz parte dos livros.
Estão marcados. Nós também.

XXXIII

Quando adivinha que vou vĂŞ-Ia, e Ă  escada
Ouve-me a voz e o meu andar conhece,
Fica pálida, assusta-se, estremece,
E nĂŁo sei por que foge envergonhada.

Volta depois. À porta, alvoroçada,
Sorrindo, em fogo as faces, aparece:
E talvez entendendo a muda prece
De meus olhos, adianta-se apressada.

Corre, delira, multiplica os passos;
E o chĂŁo, sob os seus passos murmurando,
Segue-a de um hino, de um rumor de festa

E ah! que desejo de a tomar nos braços,
O movimento rápido sustando
Das duas asas que a paixĂŁo lhe empresta.

Entre Sombras

Vem ás vezes sentar-se ao pé de mim
— A noite desce, desfolhando as rosas —
Vem ter commigo, ás horas duvidosas,
Uma visão, com azas de setim…

Pousa de leve a delicada mĂŁo
— Rescende amena a noite socegada —
Pousa a mĂŁo compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido coração…

E diz-me essa visĂŁo compadecida
— Ha suspiros no espaço vaporoso —
Diz-me: Porque Ă© que choras silencioso?
Porque Ă© tĂŁo erma e triste a tua vida?

Vem commigo! Embalado nos meus braços
— Na noite funda ha um silencio santo —
N’um sonho feito só de luz e encanto
Transporás a dormir esses espaços…

Porque eu habito a regiĂŁo distante
— A noite exhala uma doçura infinda —
Onde ainda se crĂŞ e se ama ainda,
Onde uma aurora igual brilha constante…

Habito ali, e tu virás commigo
— Palpita a noite n’um clarão que offusca —
Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e alivio, pobre amigo…

Assim me fala essa visĂŁo nocturna
— No vago espaço ha vozes dolorosas —
SĂŁo as suas palavras carinhosas
Agua correndo em crystalina urna…

Continue lendo…

Portugal

Ă“ Portugal, se fosses sĂł trĂŞs sĂ­labas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses sĂł o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,

a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanĂ­tidos,
se fosses sĂł a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
Ăł Portugal, se fosses sĂł trĂŞs sĂ­labas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da GolegĂŁ,
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questĂŁo que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso,

Continue lendo…

José

Se coubessem mil coisas num sĂł dia
E se ele nĂŁo fosse um sĂł, mas fosse mil
Pelos Faux mounnaieurs!!! NĂŁo haveria
Quem fizesse mais coisas no Brasil

Um romance, um besigue, um pensamento
Um cigarro, um cachorro, uma piada
Outro Besigue, gide, namorada
Resultado final: – padecimento!

O mundo muda e ele vai seguindo
Abafando os concursos que vĂŞm vindo
Trabalhar! Trabalhar nunca foi bom…

Antes ir os cinemas percorrendo
Namorando, sofrendo, andando e lendo
Colocado entre Deus e entre Mammon.

O Inconsciente

O Espectro familiar que anda comigo,
Sem que pudesse ainda ver-lhe o rosto,
Que umas vezes encaro com desgosto
E outras muitas ansioso espreito e sigo.

É um espectro mudo, grave, antigo,
Que parece a conversas mal disposto…
Ante esse vulto, ascético e composto
Mil vezes abro a boca… e nada digo.

Só uma vez ousei interrogá-lo:
Quem Ă©s (lhe perguntei com grande abalo)
Fantasma a quem odeio e a quem amo?

Teus irmĂŁos (respondeu) os vĂŁos humanos,
Chamam-me Deus, ha mais de dez mil anos…
Mas eu por mim não sei como me chamo…

Profecia

Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue…
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que nĂŁo posso recuar.

Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas nĂŁo sei trocar a minha sorte!

NĂŁo venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
Ă  minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas nĂŁo quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar…

Continue lendo…

A Lusitânia

A terra mais ocidental de todas é a Lusitânia. E porque se chama Ocidente aquela parte do mundo? Porventura porque vivem ali menos, ou morrem mais os homens? Não; senão porque ali vão morrer, ali acabam, ali se sepultam e se escondem todas as luzes do firmamento. Sai no Oriente o Sol com o dia coroado de raios, como Rei e fonte da Luz: sai a Lua e as Estrelas com a noite, como tochas acesas e cintilantes contra a escuridade das trevas, sobem por sua ordem ao Zénite, dão volta ao globo do mundo resplandecendo sempre e alumiando terras e mares; mas em chegando aos Horizontes da Lusitânia, ali se afogam os raios, ali se sepultam os resplendores, ali desaparece e perece toda aquela pompa de luzes.
E se isto sucede aos lumes celestes e imortais; que nos lastimamos, Senhores, de ler os mesmos exemplos nas nossas Histórias? Que foi um Afonso de Albuquerque no Oriente? Que foi um Duarte Pacheco? Que foi um D. João de Castro? Que foi um Nuno da Cunha, e tantos outros Heróis famosos, senão uns Astros e Planetas lucidíssimos, que assim como alumiaram com estupendo resplendor aquele glorioso século, assim escurecerão todos os passados?

Continue lendo…