Se tu viesses ver-me…
Se tu viesses ver-me hoje Ă tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mĂŁo na minha…Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcĂssimas dum beijo
E Ă© de seda vermelha e canta e riE Ă© como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…
Passagens sobre Noite
1300 resultadosSobretudo, não acredite que os seus amigos lhe telefonarão todas as noites, como deviam, para saber se não é precisamente essa a noite em que decidiu suicidar-se. Ou, mais simplesmente, se não tem necessidade de companhia, se não está com vontade de sair. Oh, não! Se telefonarem, esteja descansado. Será na noite em que já não está só e a vida é bela.
Que Pesa o EscrĂşpulo do Pensamento?
Azuis os montes que estĂŁo longe param.
De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa,
Ou verde ou amarelo ou variegado,
Ondula incertamente.
DĂ©bil como uma haste de papoila
Me suporta o momento. Nada quero.
Que pesa o escrĂşpulo do pensamento
Na balança da vida?
Como os campos, e vário, e como eles,
Exterior a mim, me entrego, filho
Ignorado do Caos e da Noite
Às férias em que existo.
Na ConfusĂŁo Do Mais Horrendo Dia
Na confusĂŁo do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrĂvel, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos
Lar: o sĂtio de Ăşltimo recurso – aberto toda a noite.
O CĂ©u, de Opacas Sombras Abafado
O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste alĂ©m pousado;Formam quadro terrĂvel, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato Ă fereza
Do ciĂşme e saudade, a que ando afeito.Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.
Noites GĂ©lidas
Merina
Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
Por vezes, a alemĂŁ que eu sigo e que me agrada,
Mais alva que o luar de inverno que me esfria,
Nas ruas a que o gás dá noites de balada;
Sob os abafos bons que o Norte escolheria,
Com seu passinho curto e em suas lĂŁs forrada,
Recorda-me a elegância, a graça, a galhardia
De uma ovelhinha branca, ingĂŞnua e delicada.
Bemdito Sejas
Bemdito sejas,
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A minha dĂ´r,
Estremecendo, acĂłrda…A minha dĂ´r Ă© um leĂŁo
Que lentamente mordendo
Me devora o coração.Canto e chóro amargamente;
Mas a dĂ´r, indiferente,
ContinĂşa…EntĂŁo,
FebrĂl, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
– E a minha dĂ´r adormece,
E o leĂŁo Ă© socegado.Quanto mais bĂŞbo mais dĂłrme:
Vinho adorado,
O teu poder Ă© enorme!E eu vos digo, almas em chaga,
Ă“ almas tristes sangrando:
Andarei sempre
Em constante bebedeira!Grande vida!
– Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!
Eu era um funcionário do governo durante a manhã e um escritor à noite.
NĂŁo Sei para que Vos Quero
NĂŁo sei para que vos quero,
pois me de olhos nĂŁo servis,
olhos a que eu tanto quis!VOLTAS
Pera que me fostes dados,
vĂłs sĂł a chorar vos destes;
e, se eu tenho cuidados,
meus olhos, vĂłs mos fizestes.
Desque neles me pusestes,
do descanso me fugis,
olhos a que eu tanto quis!Quando vĂłs primeiro vistes,
que nĂŁo me era bom sabĂeis,
mas, por gozar do que vĂeis,
em meu dano consentistes.
O que entĂŁo me encobristes
agora mo descobris,
olhos a que eu tanto quis!Meus olhos, por muitas vias
usais comigo cruezas;
tomais as minhas tristezas
pera vossas alegrias.
Entram noites, entram dias,
olhos, nunca me dormis,
olhos a que eu tanto quis!Ando-vos a vĂłs buscando
cousas que vos dĂŞem prazer,
e vĂłs, quanto podeis ver,
tristezas me andais tornando.
Agora vou-vos cantando,
vĂłs a mim chorando me is,
olhos a que eu tanto quis!
Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
Ă€ morte queda, Ă morte silenciosa…Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a Ăşltima esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!
O Amor nĂŁo Acontece. Decide-se.
Há quem julgue que o amor Ă© alheio Ă vontade humana, algo superior que elege, embala e conduz… e que quase nada se pode fazer perante tamanha força. Isso Ă© uma mera paixĂŁo no seu sentido menos nobre. E, nesse caso, sim, o amor acontece… Ao contrário, amar Ă© estar acima das paixões e dos apetites. Mesmo quando o amor nasce de uma espontaneidade, resulta de um claro discernimento.
O amor decorre de uma decisĂŁo. De um compromisso. ConstrĂłi-se de forma consciente. AtravĂ©s do heroĂsmo de alguĂ©m livre que decide ser o que poucos ousam. Escolhe para fim de si mesmo ser o meio para a felicidade daquele a quem ama. Sim, decide-se amar e, sim, decide-se a quem amar.
O amor autĂŞntico Ă© raro e extraordinário, embora o seu nome sirva para quase tudo… a maior parte das vezes designa egoĂsmos entrelaçados, cada vez mais comuns. SĂŁo poucos os que se aventuram, os que arriscam tudo, os que se dispõem a amar mesmo quando sabem que poucos sequer perceberĂŁo o que fazem, o seu porquĂŞ e o para quĂŞ.
O amor nĂŁo supõe reciprocidade. Amar Ă© dar-se por completo e aceitar tudo… nĂŁo se contabilizam ganhos e perdas,
A esperança se adquire. Chega-se à esperança através da verdade, pagando o preço de repetidos esforços e de uma longa paciência. Para encontrar a esperança é necessário ir além do desespero. Quando chegamos ao fim da noite, encontramos a aurora.
É preciso ver o que nĂŁo foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no VerĂŁo, ver de dia o que se viu de noite, com Sol onde primeiramente a chuva caĂa, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui nĂŁo estava.
Meus pais sacrificaram toda a vida por mim. Nunca vou esquecer isso. Minha mãe era tão boa, e à noite quando fecho os olhos posso sentir a presença dela. E quando volto para casa, Graceland, sei que ela está lá. Posso sentir
A Graça
Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
NĂŁo sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede Ăntimo ardor?És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidĂŁo do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?Oh, sim!, Ă©s tu, que na infantil idade,.
Da aurora Ă frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d’ouro e pĂşrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos CĂ©us,
Quem me Dera que a Minha Vida Fosse um Carro de Bois
Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhĂŁzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase Ă noitinha pela mesma estrada.
Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas
…
A minha velhice nĂŁo tinha rugas nem cabelo branco…
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.
A Noite Suavemente Descia
A noite
Suavemente descia;
E eu nos teus braços deitádo
Até sonhei que morria.E via
Goivos e cravos aos mĂłlhos;
Um Christo crucificado;
Nos teus olhos,
Suavidade e frieza;
Damasco rĂ´xo, cinzento,
Rendas, velludos puĂdos,
Perfumes caros entornados,
RumĂ´r de vento em surdina,
Insenso, rézas, brocados;
Penumbra, sinos dobrando;
Vellas ardendo;
Guitarras, soluços, pragas,
E eu… devagar morrendo.O teu rosto moreninho,
Eu achei-o mais formoso,
Mas, sem lagrimas, enxuto;
E o teu corpo delgado,
O teu corpo gracioso,
Estava todo coberto de lucto.Depois, anciosamente,
Procurei a tua boca,
A tua boca sadĂa;
Beijámo-nos doidamente…
– Era dia!E os nossos corpos unidos,
Como corpos sem sentidos,
No chĂŁo rolaram… e assim ficaram!…
Tudo isto Ă© fado
Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado
Eu disse que nĂŁo sabia
Tu ficaste admirado
Sem saber o que dizia
Eu menti naquela hora
E disse que nĂŁo sabia
Mas vou-te dizer agoraAlmas vencidas
Noites perdidas
Sombras bizarras
Na mouraria
Canta um rufia
Choram guitarras
Amor ciĂşme
Cinzas e lume
Dor e pecado
Tudo isto existe
Tudo isto Ă© triste
Tudo isto Ă© fadoSe queres ser meu senhor
E teres-me sempre a teu lado
NĂŁo me fales sĂł de amor
Fala-me também do fado
É canção que é meu castigo
SĂł basceu p’ra me perder
O fado Ă© tudo o que eu digo
Mais o que eu nĂŁo sei dizer
Vibra o Passado em Tudo o que Palpita
Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transitaĂ€ paz dos seres a morte em seu contĂnuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento Ă© seu destino:O ceptro dos eleitos que nĂŁo cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançamsobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses tĂŞm-no em suas mĂŁos cativo
risĂvel Ă© quem eles mandam vivo.Tradução de Vasco Graça Moura