Passagens sobre Noite

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Frases sobre noite, poemas sobre noite e outras passagens sobre noite para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Assovio

Ninguém abra a sua porta
para ver que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.

Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu:
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.

Vou pelo braço da noite,
levando tudo que é meu:
— a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.

Deus

À noite, há um ponto do corredor
em que um brilho ocasional faz lembrar
um pirilampo. Inclino-me para o apanhar
– e a sombra apaga-o. Então,
levanto-me: já sem a preocupação
de saber o que é esse brilho, ou
do que é reflexo.
Ali, no entanto, ficou
uma inquietação; e muito tempo depois,
sem me dar conta do motivo autêntico,
ainda me volto no corredor, procurando a luz
que já não existe.

Confissão

Meus lábios, meus olhos (a flor e o veludo…)
Minha ideia turva, minha voz sonora,
Meu corpo vestido, meu sonho desnudo…
Senhor confessor! Sabeis tudo — tudo!
Quanto o vulgo, ingénuo, ao saudar-me, ignora!

Sabeis que em meus beijos a fome dormira
Antes que da orgia a fé despertasse…
Sabeis que sem oiro o mundo é mentira
E, como do fruto que Deus proibira,
Um luar tombou, manchando-me a face.

Pássaro, cativo da noite infinita!
Águia de asa inútil, pela noite presa!
Ó cruz dos poetas! ó noite infinita!
Ó palavra eterna! minha única escrita!
Beleza! Beleza! Beleza! Beleza!

Eis as minhas mãos! Quem pode prendê-las?
São frágeis, mas nelas há dedos inteiros.
Senhor confessor! Quem não conta estrelas?
Meus dedos, um dia, contaram estrelas…
Quem conta as estrelas não conta dinheiros!

Gostaria, querida, de ser Inesperado Como a madrugada amanhecendo á noite E engraçado também, como pato num trem

Mania da Solidão

Como um jantar frugal junto à clara janela,
Na sala já está escuro mas ainda se vê o céu.
Se saísse, as ruas tranquilas deixar-me-iam
ao fim de pouco tempo em pleno campo.
Como e observo o céu — quem sabe quantas mulheres
estão a comer a esta hora — o meu corpo está tranquilo;
o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres.

Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar
a terra na ancha planura. As estrelas são vivas,
mas não valem estas cerejas que como sozinho.
Vejo o céu, mas sei que entre os tectos de ferrugem
brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruídos.
Um grande golo e o meu corpo saboreia a vida
das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo.
Basta um pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se
no seu verdadeiro sítio, como o meu corpo imóvel.

Cada coisa está isolada ante os meus sentidos,
que a aceita impassível: um cicio de silêncio.
Cada coisa na escuridão posso sabê-la,
como sei que o meu sangue circula nas veias.

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A Noite de Natal

Era a noite de Natal
Alegram-se os pequenitos;
Pois sabem que o bom Jesus
Costuma dar-lhes bonitos.

Vão-se deitar os lindinhos
Mas nem dormem de contentes
E somente às dez horas
Adormecem inocentes.

Perguntam logo à criada
Quando acorde de manhã
Se Jesus lhes não deu nada.

– Deu-lhes sim, muitos bonitos.
– Queremo-nos já levantar
Respondem os pequenitos.

Entre Sombras

Vem ás vezes sentar-se ao pé de mim
— A noite desce, desfolhando as rosas —
Vem ter commigo, ás horas duvidosas,
Uma visão, com azas de setim…

Pousa de leve a delicada mão
— Rescende amena a noite socegada —
Pousa a mão compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido coração…

E diz-me essa visão compadecida
— Ha suspiros no espaço vaporoso —
Diz-me: Porque é que choras silencioso?
Porque é tão erma e triste a tua vida?

Vem commigo! Embalado nos meus braços
— Na noite funda ha um silencio santo —
N’um sonho feito só de luz e encanto
Transporás a dormir esses espaços…

Porque eu habito a região distante
— A noite exhala uma doçura infinda —
Onde ainda se crê e se ama ainda,
Onde uma aurora igual brilha constante…

Habito ali, e tu virás commigo
— Palpita a noite n’um clarão que offusca —
Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e alivio, pobre amigo…

Assim me fala essa visão nocturna
— No vago espaço ha vozes dolorosas —
São as suas palavras carinhosas
Agua correndo em crystalina urna…

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Não Estou Pensando em Nada

Não estou pensando em nada
E essa coisa central, que é coisa nenhuma,
É-me agradável como o ar da noite,
Fresco em contraste com o verão quente do dia,

Não estou pensando em nada, e que bom!

Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida…
Não estou pensando em nada.
E como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas,
Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
Não estou pensando em nada,
Mas realmente em nada,
Em nada…

Amar quem Está tão Próximo da Morte

Esta estação do ano podes vê-la
em mim: folhas caindo ou já caídas;
ramos que o frémito do frio gela;
árvore em ruína, aves despedidas.

E podes ver em mim, crepuscular,
o dia que se extingue sobre o poente,
com a noite sem astros a anunciar
o repouso da morte, gradualmente.

Ou podes ver o lume extraordinário,
morrendo do que vive: a claridade,
deitado sobre o leito mortuário
que é a cinza da sua mocidade.

Eis o que torna o teu amor mais forte:
amar quem está tão próximo da morte.

Tradução de Carlos de Oliveira

O Amor Nunca Salva, mas alguém Tem uma Ideia Melhor?

Descobri, um pouco tarde, que afinal todos os meus livros são histórias de amor. Só que as daninhas estavam tão bem disfarçadas que eu próprio não tinha reparado. Às vezes, amo entre duas pessoas, outras de amor entre uma pessoa e uma ideia. Idalina enamora-se por «uma dança sem música». Sam Espinosa apaixona-se por uma mulher uns anitos mais velha (duzentos, coisa pouca), Greg quase é salvo da perdição por uma sósia de Angelina Jolie. O amor está no ar e também, como diria um poeta, o amor está no mar. O amor não salva, nunca salva, mas alguém tem uma ideia melhor?
Tão sensacional descoberta levou-me a cogitar no seguinte: e qual será a melhor forma de amar? Carente de modelos reais na vida humana, decidi procurá-los na natureza. Com a ajuda da televisão, claro, Canal Odisseia, National Geographic, Canal Panda, essas coisas. Pode-se lá chegar à natureza, nos dias que correm, senão pela televisão! Três rolos modelos logo me saltaram à vista: o Amor do Louva-a-deus; o Amor do Cisne; o Amor do Urso Polar.
Após alguma esmiuçação, concluí que qualquer um me parece bem, e tem as suas vantagens e desvantagens.
No romance do louva-a-deus,

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A Poezia do Outomno

Noitinha. O sol, qual brigue em chammas, morre
Nos longes d’agoa… Ó tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poezia escorre
E os bardos, a sonhar, molham a penna!

Ao longe, os rios de agoas prateadas
Por entre os verdes cannaviaes, esguios,
São como estradas liquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!

Os choupos nus, tremendo, arripiadinhos,
O chale pedem a quem vae passando…
E nos seus leitos nupciaes, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!

O orvalho cae do céu, como um unguento.
Abrem as boccas, aparando-o, os goivos…
E a larangeira, aos repellões do vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.

E o orvalho cae… E, á falta d’agoa, rega
O val sem fruto, a terra arida e nua!
E o Padre-Oceano, lá de longe, prega
O seu Sermão de Lagrymas, á Lua!

Tardes de outomno! ó tardes de novena!
Outubro! Mez de Maio, na lareira!
Tardes…
Lá vem a Lua, gratiae plena,
Do convento dos céus, a eterna freira!

Ode Triunfal

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical –
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,

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Para Um Homem Se Ver a Si Mesmo

Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três cousas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que cousa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para essa vista são necessários olhos, é necessário luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento.

Paisagens De Inverno I

Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! – o sol! Volvei, noites de paz.

Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido…
Ó meus olhos, cismai como os velhinhos.

Extintas primaveras evocai-as:
– Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias.-

Sossegai, esfriai, olhos febris.
-E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas…Doces vozes senis…-

O Encanto da Vida

Todas as noites acordado até desoras, à espera da última cena de pancadaria num jogo de futebol, do último insulto num debate parlamentar, do último discurso demagógico num comício eleitoral, da última pirueta dum cabotino entrevistado, da última farsa no palco internacional. Crucificações masoquistas, que a prudência desaconselha e a imprudência impõe. Vou deste mundo farto de o conhecer e faminto de o descobrir.

Mas não há perspicácia, nem constância de atenção capazes de lhe prefigurar os imprevistos. O que acontece hoje excede sempre o que sucedeu ontem. A violência, o facciosismo, a ambição de poder, a crueldade e o exibicionismo não têm limites. Felizmente que a abnegação, a generosidade e o altruísmo também não. E o encanto da vida é precisamente esse: nenhum excesso nela ser previsível. Nem no mal nem no bem. E não me canso de o verificar, de surpresa em surpresa, à luz dos acontecimentos.

Quando julgo que estou devidamente informado sobre o amor, sobre o ódio, sobre a santidade, sobre a perfídia, sobre as virtudes e os defeitos humanos, acabo por concluir que soletro ainda o á-bê-cê da realidade. Cabeçudo como sou, teimo na aprendizagem. Hoje fizeram-me a revelação surpreendente de que um avarento meu conhecido,

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Amar e Ser Livre ao mesmo Tempo

Tudo o que posso dizer é que estou louco por ti. Tentei escrever uma carta e não consegui. Estou constantemente a escrever-te… Na minha cabeça, e os dias passam, e eu imagino o que pensarás. Espero impacientemente por te ver. Falta tanto para terça-feira! E não só terça-feira… Imagino quando poderás ficar uma noite… Quando te poderei ter durante mais tempo… Atormenta-me ver-te só por algumas horas e, depois, ter de abdicar de ti. Quando te vejo, tudo o que queria dizer desaparece… O tempo é tão precioso e as palavras supérfluas… Mas fazes-me tão feliz… porque eu consigo falar contigo. Adoro o teu brilhantismo, as tuas preparações para o voo, as tuas pernas como um torno, o calor no meio das tuas pernas. Sim, Anais, quero desmascarar-te. Sou demasiado galante contigo. Quero olhar para ti longa e ardentemente, pegar no teu vestido, acariciar-te, examinar-te. Sabes que tenho olhado escassamente para ti? Ainda há demasiado sagrado agarrado a ti.

A tua carta… Ah, estas moscas! Fazes-me sorrir. E fazes-me adorar-te também. É verdade, não te dou o devido valor. É verdade. Mas eu nunca disse que não me dás o devido valor. Acho que deve haver um erro no teu inglês.

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Gazel do Amor Imprevisto

O perfume ninguém compreendia
da escura magnólia de teu ventre.
Ninguém sabia que martirizavas
entre os dentes um colibri de amor.

Mil pequenos cavalos persas dormem
na praça com luar de tua fronte,
enquanto eu enlaçava quatro noites,
inimiga da neve, a tua cinta.

Entre gesso e jasmins, o teu olhar
era um pálido ramo de sementes.
Procurei para dar-te, no meu peito,
as letras de marfim que dizem sempre,

sempre, sempre; jardim em que agonizo,
teu corpo fugitivo para sempre,
teu sangue arterial em minha boca,
tua boca já sem luz para esta morte.

Tradução de Oscar Mendes

Nada é Suficiente para se Morrer

– Nunca pensou escrever um romance?
– Sou um autor de folhetos, acho que interrogativos, e sobretudo um muito interrogativo leitor de perguntas. Mais nada.
– Basta para uma vida ?
– Nem sei se basta para uma verdadeira morte. Nada é suficiente para se morrer. Ou é suficiente cruzar os olhos com os de uma leoa materna. Ou brandir esse pequeno objecto eléctrico, embora seja tão pequeno e a noite por todos os lados do quarto pareça interminável. Conheci um homem, um psiquiatra descontente — são raros, os psiquiatras descontentes, conheço-os muito contentes a ganhar para enlouquecer as pessoas, rende tanto como a política, trata-se de política, a sinistra política dos tratamentos —, vivia numa ilha, este, descontente, adorava falar de estrelas, constelações, sabia tudo, mas era, digamos, estelarmente irredutível: estava contra a ordem celeste. Mandou substituir o tecto do quarto de dormir por uma abóbada com um sistema electrónico de corpos celestes, deslocados, todos, relativamente à estrutura natural, autónomos entre si. Ali era a lua nas suas fases e as Ursas e o Cruzeiro do Sul e a estrela Arcturus: um sistema de teclas permitia acender aquilo que se desejasse. O que vigorava era um céu dele,

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Um Fado: Palavras Minhas

Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.

Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.

Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido…

Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
— que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.