A Frescura
Ah a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que’eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
E tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora…
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte… Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.
Passagens sobre Nus
255 resultadosOs Figos Pretos
– Verdes figueiras soluçantes nos caminhos!
Vós sois odiadas desde os seculos avós:
Em vossos galhos nunca as aves fazem ninhos,
Os noivos fogem de se amar ao pé de vós!– Ó verdes figueiras! ó verdes figueiras
Deixae-o fallar!
Á vossa sombrinha, nas tardes fagueiras,
Que bom que é amar!– O mundo odeia-vos. Ninguem nos quer, vos ama:
Os paes transmittem pelo sangue esse odio aos moços.
No sitio onde medraes, ha quazi sempre lama
E debruçaes-vos sobre abysmos, sobre poços.– Quando eu for defunta para os esqueletos,
Ponde uma ao meu lado:
Tristinha, chorando, darà figos pretos…
De luto pezado!– Os aldeões para evitar vosso perfume
Sua respiração suspendem, ao passar…
Com vossa lenha não se accende, á noite, o lume,
Os carpinteiros não vos querem aplainar.– Oh cheiro de figos, melhor que o do incenso
Que incensa o Senhor!
Podesse eu, quem dera! deital-o no lenço
Para o meu amor…– As outras arvores não são vossas amigas…
Mãos espalmadas, estendidas, supplicantes,
A Inegualável
Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de setim…
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem joias pretas…E tão febril e delicada
Que não podesses dar um passo –
Sonhando estrelas, transtornada,
Com estampas de côr no regaço…Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas –
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas…Ah! que as tuas nostalgias fôssem guisos de prata –
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata…. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmim –
Os teus espasmos, de sêda…– Água fria e clara numa noite azul,
Água, devia ser o teu amor por mim…
A Voz
É tão suave ess’hora,
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,Se em alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enleado!O mar azul se encrespa
Coa vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.E tudo em roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mão de Deus.Mas despregou seu grito
A alcíone gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:E sobe, e cresce, e imensa
Nos céus negra flutua,
E o vento das procelas
Já varre a fraga nua.Turba-se o vasto oceano,
Com hórrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vão furor,E do poeta a fronte
Cobriu véu de tristeza;
Calou, à luz do raio,
Seu hino à natureza.Pela alma lhe vagava
Um negro pensamento,
Em Sórdida Masmorra Aferrolhado
Em sórdida masmorra aferrolhado,
De cadeias aspérrimas cingido,
Por ferozes contrários perseguido,
Por línguas impostoras criminado:Os membros quase nus, o aspecto honrado
Por vil boca, e vil mão roto, e cuspido,
Sem ver um só mortal compadecido
De seu funesto, rigoroso estado:O penetrante, o bárbaro instrumento
De atroz, violenta, inevitável morte
Olhando já na mão do algoz cruento:Inda assim, não maldiz a iníqua sorte
Inda assim tem prazer, sossego, alento,
O sábio verdadeiro, o justo, o forte.
Ignoto Deo
D. D. D.
Creio em Ti, Deus; a fé viva
De minha alma a Ti se eleva.
És: – o que és não sei. Deriva
Meu ser do Teu: luz… e treva,
Em que – indistintas! – se envolve
Este espírito agitado,
De Ti vem, a Ti devolve.
O Nada, a que foi roubado
Pelo sopro criador
Tudo o mais, o há-de tragar.
Só vive do eterno ardor
O que está sempre a aspirar
Ao infinito donde veio.
Beleza és Tu, luz és Tu,
Verdade és Tu só. Não creio
Senão em Ti; o olho nu
Do homem não vê na Terra
Mais que a dúvida, a incerteza,
A forma que engana e erra.
Essência! a real beleza,
O puro amor – o prazer
Que não fatiga e não gasta…
Só por Ti os pode ver
O que, inspirado, se afasta,
Ignoto Deo, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos
Das coisas vãs e grosseiras
Sua alma, razão, sentidos,
A Ti se dão, em Ti vida,
E por Ti vida têm.
Amar-te é Vir de Longe
Amar-te é vir de longe,
descer o rio verde atrás de ti,
abrir os braços longos desde os sete
anos sob a latada ao pé do largo,
guardar o cheiro a figos vistos lá,
a olho nu, ao pé, ao pé de ti,
parar a beber água numa fonte,
um acaso perdido no caminho
onde os vimes me roçam a memória
e te anunciam mãos e te perfazem;
como se o sino à hora de tocar
já fosse o tempo todo badalado,
e a tua boca se abrisse atrás do tojo,
e abaixo dos calções as pernas nuas
se rasgassem só para o pequeno sangue,
tal o pequeno preço que me pedes.
Atrás da curva estavas, és, serias,
nos muros de granito, nas amoras.
Amar-te era lembrança e profecias,
uma porta já feita para abrir,
e encontrar o lar ou música lavada
onde, se nasces, vives, duras, moras
— meu nome exacto e pão
no chão das alegrias.
Saudades Trágico-Marítimas
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além…Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de além, de além…Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Naufraguei cem vezes já…
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
– olhos de esposa e mãe –
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
– E sozinho me fui pela praia além…
Sobra a Construção de Obras Duradouras
Quanto tempo
Duram as obras? Tanto
Quanto o preciso pra ficarem prontas.
Pois enquanto dão que fazer
Não ruem.Convidando ao esforço
Compensando a participação
A sua essência é duradoura enquanto
Convidam e compensam.As úteis
Pedem homens
As artísticas
Têm lugar pra a arte
As sábias
Pedem sabedoria
As destinadas à perfeição
Mostram lacunas
As que duram muito
Estão sempre pra cair
As planeadas verdadeiramente em grande
Estão por acabar.Incompletas ainda
Como o muro à espera da hera
(Esse esteve um dia inacabado
Há muito tempo, antes de vir a hera, nu!)
Insustentável ainda
Como a máquina que se usa
Embora já não chegue
Mas promete outra melhor.
Assim terá de construir-se
A obra pra durar como
A máquina cheia de defeitos.Tradução de Paulo Quintela
O Deus Pã não Morreu
O Deus Pã não morreu,
Cada campo que mostra
Aos sorrisos de Apolo
Os peitos nus de Ceres —
Cedo ou tarde vereis
Por lá aparecer
O deus Pã, o imortal.Não matou outros deuses
O triste deus cristão.
Cristo é um deus a mais,
Talvez um que faltava.
Pã continua a ciar
Os sons da sua flauta
Aos ouvidos de Ceres
Recumbente nos campos.Os deuses são os mesmos,
Sempre claros e calmos,
Cheios de eternidade
E desprezo por nós,
Trazendo o dia e a noite
E as colheitas douradas
Sem ser para nos dar o dia e a noite e o trigo
Mas por outro e divino
Propósito casual.
Tempo: o clima do momento. Um tópico de conversa permanente entre pessoas a quem isso não interessa, mas que herdaram essa tendência de antepassados que andavam nus e para os quais o assunto era de extrema importância.
Apenas o tempo revela o homem justo; basta um dia para pôr a nu um pérfido.
Sonhos
Cada dia que passa faz-me pensar
E reflectir sobre quem ele traiu,
Que enquanto viveu nada fui ganhar
Com a lama vil onde a alma caiu.Até de meus sonhos a vida me deixa
Na maré nu, na areia, em solidão,
Desolado que, inda vivo, não esteja
Seguindo veloz no barco da acção.Há uma beleza no mundo exterior,
No monte ou planície onde chega a vista
Que já é consolo à dúvida e à dor,
Mas, Oh! A beleza que o mundo conquistaNem Palavra ou verso a pode imaginar
Nem a mente humana, só por si, forjar!
Soneto De Intimidade
Nas tardes da fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferveSeguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.
Talvez não haja diferença entre nós e o presidente dos EUA se ficarmos nus.
Na Roça
Cercada de mestiças, no terreiro,
Cisma a Senhora Moça; vem descendo
A noite, e pouco e pouco escurecendo
O vale umbroso e o monte sobranceiro.Brilham insetos no capim rasteiro,
Vêm das matas os negros recolhendo;
Na longa estrada ecoa esmorecendo
O monótono canto de um tropeiro.Atrás das grandes, pardas borboletas,
Crianças nuas lá se vão inquietas
Na varanda correndo ladrilhada.Desponta a lua; o sabiá gorjeia;
Enquanto às portas do curral ondeia
A mugidora fila da boiada…
Fábula
Estavam ali diante dos meus olhos: era terrível e ao mesmo tempo fascinante.
Ao princípio pensei que ele a estava a matar, logo a seguir percebi que não, que talvez ambos estivessem a morrer, só depois qualquer apelo distante se fez carne em mim. Então todo eu fiquei amarrado aos seus gestos, àquela respiração fatigada e difícil, àquele balbucio que lhes saía ralo da boca.
Os seio de Maria caíam nus da blusa. Uma das mãos do carpinteiro perdia-se nos seus cabelos emaranhados, a outra parecia ter-se enterrado na areia. O resto era aquele corpo todo dè homem: rígido e fremente, ao mesmo tempo, à força de concentrar todo o ímpeto nas nádegas, arco de onde a flecha partia, para se cravar exasperada nas entranhas da rapariga. Parecia um cavalo ofegante — os olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espa-lhando-se pelas costas, pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo o céu branco de agosto. Mas a terra chamou-o, e um relincho prolongado encheu o leito do ribeiro, morreu no alto dos amieiros. Por fim a paz desceu ao mundo.
Maria olhava o carpinteiro com olhos rasos de espanto, como quem tivesse perdido tudo naquele instante.
Tango do Viúvo
Tive dificuldades na minha vida privada. A doce Josie Bliss foi-se convencendo e apaixonando até adoecer de ciúmes. Se não fosse isso, talvez tivesse continuado indefinidamente ao lado dela. Enterneciam-me os seus pés nus, as brancas flores que lhe brilhavam na cabeleira negra. Mas o seu temperamento levava-a até paroxismos selvagens. Tinha ciúmes e aversão às cartas que me chegavam de longe; escondia-me os telegramas sem os abrir, olhava com rancor o ar que eu respirava.
Por vezes acordava-me uma luz, um fantasma que se movia por detrás da rede do mosquiteiro. Era ela, vestida de branco, brandindo o seu longo e afiado punhal indígena. Era ela, rondando-me a cama horas inteiras sem se decidir a matar-me. «Quando morreres, acabarão os meus receios», dizia-me. No dia seguinte realizava misteriosos ritos para garantir a minha fidelidade.
Acabaria por me matar. Por sorte, recebi uma mensagem oficial participando-me que fora transferido para Ceilão. Preparei a minha viagem em segredo e um dia, abandonando a minha roupa e os meus livros, saí de casa como de costume e entrei no barco que me levaria para longe.
Deixava Josie Bliss, espécie de pantera birmanesa, na maior dor. Mal o barco começou a mover-se sobre as ondas do golfo de Bengala,
Noites Amadas
Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua…Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!
Quero escrever noções sem o uso abusivo da palavra. Só me resta ficar nua: nada tenho mais a perder.