AusĂŞncia
Nas horas do poente,
Os bronzes sonolentos,
– pastores das ascĂ©ticas planuras –
Lançam este pregão ao soluçar dos ventos,
Ă€ nuvem erradia,
Ă€s penhas duras:
– Que Ă© dele, o eterno Ausente,
– Cantor da nossa melancolia?Nas tardes duma luz de Ăntimo fogo,
Rescendentes de tudo o que passou,
Eu prĂłprio me interrogo:
– Onde estou? Onde estou?
E procuro nas sombras enganosas
Os fumos do meu sonho derradeiro!– Ventos, que novas me trazeis das rosas,
Que acendiam clarões no meu jardim?– Pastores, que Ă© do vosso companheiro?
– Saudades minhas, que sabeis de mim?
Passagens sobre Nuvens
317 resultadosAs Ăşnicas coisas eternas sĂŁo as nuvens.
PaixĂŁo Ăšnica
Quem me dera poder ver-te!
Ai! quem me dera dizer-te,
Que pude amar-te, e perder-te,
Mas olvidar-te… isso nĂŁo!
Que no ardor de outros amores,
Através de mil dissabores,
Senti vivas sempre as dores
Duma remota paixĂŁo.Com que dorida saudade
Penso nessa mocidade,
Nessa vaga ansiedade,
Que soubeste compreender!
E tu sĂł, sĂł tu soubeste,
Que, num mundo, como este,
Qual florinha em penha agreste,
Pode a flor da alma morrer.Orvalhaste-a quando ainda,
Ao nascer, singela e linda,
Respirava a esperança infinda,
Que consigo a infância tem.
Amparaste-a, quando o norte
Das paixões, soprando forte,
Lhe quiz dar rápida morte
Como à cândida cecem!E, depois, nuvem escura
Lá no céu desta ventura
Enlutou-me a aurora pura
Dos meus anos infantis.
Houve nesta vida um espaço,
Onde nunca dei um passo,
Em que não deixasse um traço
De paixões torpes e vis !E não tenho outra memória
Que me inspire altiva gloria,
Nem outro nome na historia
De meus delĂrios fatais.
A lua batia nas árvores, algumas nuvens erravam por entre as estrelas pálidas, o mar falava às coisas da sombra, a meia voz, a cidade dormia, do horizonte subia uma neblina, a melancolia era profunda.
A Graça
Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
NĂŁo sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede Ăntimo ardor?És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidĂŁo do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,.
Da aurora Ă frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d’ouro e pĂşrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos Céus,
O dia abre a mĂŁo trĂŞs nuvens e estas poucas palavras
O poeta Ă© como o prĂncipe das nuvens. As suas asas de gigante nĂŁo o deixam caminhar.
Vibra o Passado em Tudo o que Palpita
Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transitaĂ€ paz dos seres a morte em seu contĂnuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento Ă© seu destino:O ceptro dos eleitos que nĂŁo cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançamsobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses tĂŞm-no em suas mĂŁos cativo
risĂvel Ă© quem eles mandam vivo.Tradução de Vasco Graça Moura
Desesperança
Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d’uma hora,
Que abracei com delĂrio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele… e passa.Que arrojemos de nĂłs quem mais se abraça,
Com mais ancia, á nossa alma! e quem devora
D’essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue á mesma taça!Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E só engano nunca a desventura!Se era silêncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, Ăł alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!
A candeia a espirrar, e as nuvens a chorar.
O estado mental sem apegos, livre, alegre e sereno como as brancas nuvens que pairam no cĂ©u azul – este Ă© o estado de espĂrito daqueles que despertaram para a Verdade.
A Felicidade Está Fora da Nossa Realidade
O amoroso apaixonado já nĂŁo vive em si, mas no que ama; quanto mais se afasta de si para se fundir no seu amor, mais feliz se sente. Assim, quando a alma sonha em fugir do corpo e renuncia a servir-se normalmente dos seus orgĂŁos, podeis dizer com razĂŁo que ele enlouquece. As expressões correntes nĂŁo querem dizer outra coisa: «NĂŁo está em si… Volta a ti… Ele voltou a si.» E quanto mais perfeito Ă© o amor, maior a loucura e mais feliz.
Quem será, pois, essa vida no CĂ©u, Ă qual aspiram tĂŁo ardentemente as almas piedosas? O espĂrito, mais forte e vitorioso, absorverá o corpo; isto será tanto mais fácil quanto mais purificado e extenuado tiver sido o corpo durante a vida. Por sua vez, o espĂrito será absorvido pela suprema InteligĂŞncia, cujos poderes sĂŁo infinitos. Assim se encontrará fora de si mesmo o homem inteiro e a Ăşnica razĂŁo da sua felicidade será de nĂŁo mais se pertencer, mas de submeter-se a este soberano inefável, que tudo atrai a si.
Uma tal felicidade, é certo, só poderá ser perfeita no momento em que as almas, dotadas de imortalidade, retomem os antigos corpos. Mas, como a vida dos piedosos não é mais do que a meditação sobre a eternidade e como que a sombra dela,
O Sentimento dum Ocidental
I
Avé-Maria
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulĂcio, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifĂcios, com as chaminĂ©s, e a turba
Toldam-se duma cor monĂłtona e londrina.Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, paĂses:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetĂŁo ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.E evoco, entĂŁo, as crĂłnicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu nĂŁo verei jamais!E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
No retrato que me faço – traço a traço – Ă€s vezes me pinto nuvem Ă€s vezes me pinto árvore…
A Bicicleta pela Lua Dentro – MĂŁe, MĂŁe
A bicicleta pela lua dentro – mĂŁe, mĂŁe –
ouvi dizer toda a neve.
As árvores crescem nos satélites.
Que hei-de fazer senĂŁo sonhar
ao contrário quando novembro empunha –
mĂŁe, mĂŁe – as tellhas dos seus frutos?
As nuvens, aviões, mercúrio.
Novembro – mĂŁe – com as suas praças
descascadas.A neve sobre os frutos – filho, filho.
Janeiro com outono sonha entĂŁo.
Canta nesse espanto – meu filho – os satĂ©lites
sonham pela lua dentro na sua bicicleta.
Ouvi dizer novembro.
As praças estão resplendentes.
As grandes letras descascadas: Ă© novo o alfabeto.
Aviões passam no teu nome –
minha mĂŁe, minha máquina –
mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.Avança, memória, com a tua bicicleta.
Sonhando, as árvores crescem ao contrário.
Apresento-te novembro: aviĂŁo
limpo como um alfabeto. E as praças
dĂŁo a sua neve descascada.
Mãe, mãe — como janeiro resplende
nos satélites. Filho — é a tua memória.E as letras estão em ti, abertas
pela neve dentro. Como árvores, aviões
sonham ao contrário.
Que lindas nĂŁo devem ser estas criações etĂ©reas da vaporosa imaginação de uma virgem! Como será aquele ansiar indefinido que ela tem pela realidade de uns sonhos diáfanos, em que lhe sorriam lindos mancebos de cabelos louros, em palácios de missanga, e nuvens cambiantes de todos os reflexos da inocĂŞncia!…
Vento: Pastor das nuvens.
Para Que Serve A Poesia?
De servir-se utensĂlio dia a dia
utilidade prática aplicada,
o nada sobre o nada anula o nada
por desvendar mistério na magia.O sonho em fantasia iluminada
aqui se oferta em mĂłdica quantia
por camelĂ´s de palavras aladas
marreteiros de mansa mercancia.De pagamento, apenas um sorriso
de nuvens, uma fatia de grama
de orvalho e o fugaz fulgor de astro arisco.
Serena sentença em sina servida,seu valor se aquilata e se esparrama
na livre chama acesa de quem ama.
Arrojos
Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mĂŁos mignonnes e aquecĂŞ-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos noturnos.Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabĂŁo das criancinhas.Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos rĂłseos paraĂsos
E a Lua afogaria nos meus braços.Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cĂtaras estranhas,
Extravio
Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num cĂrculo cuja
periferia Ă© o centro?Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.Ah, ser somente o presente:
esta manhĂŁ, esta sala.