Passagens sobre Objeto

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Vai a Fresca Manhã Alvorecendo

Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.

Veio a noite os objectos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
fui coa ausência da luz esmorecendo.

Neste espaço, em que dorme a Natureza.
porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?

Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!

O Amor pela Humanidade Começa

As paixões diminuem com a idade. O amor, que não deve ser classificado entre as paixões, diminui da mesma maneira. O que perde por um lado recupera por outro. Já não é severo para o objecto dos seus desejos, fazendo justiça a si mesmo: a expansão é aceite. Os sentidos já não possuem o seu aguilhão para excitar os sexos da carne. O amor pela humanidade começa. Nesses dias em que o homem sente que se torna um altar ornado pelas suas virtudes, feitas as contas de cada dor que se revelou, a alma, num recôndito do coração onde tudo parece ter origem, sente qualquer coisa que já não palpita. Referi-me à recordação.

No Amor é a Alma aquilo que Mais nos Toca

As mesmas paixões são bastante diferentes nos homens. O mesmo objecto pode-lhes agradar por aspectos opostos; suponho que vários homens podem prender-se a uma mesma mulher; uns a amam pelo seu espírito, outros pela sua virtude, outros pelos seus defeitos, etc. E pode até acontecer que todos a amem por coisas que ela não tem, como quando se ama uma mulher leviana a quem se julga séria. Pouco importa, a gente prende-se à idéia que se tem prazer em fazer dela; e é mesmo apenas essa idéia que se ama, não é a mulher leviana. Assim, não é o obje­to das paixões que as degrada ou as enobrece, mas a ma­neira como a gente o encara.
Ora, eu disse que era pos­sível que se buscasse no amor algo mais puro do que o interesse dos nossos sentidos. Eis o que me faz pensar assim. Vejo todos os dias no mundo que um homem cer­cado de mulheres com as quais nunca falou, como na missa, no sermão, nem sempre se decide pela mais boni­ta, ou mesmo pela que lhe pareça tal. Qual a razão disso? É que cada beleza exprime um carácter bem particular, e preferimos aquele que melhor se encaixa no nosso.

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Crença e Intolerância

A necessidade de fé não foi absolutamente provocada pelas religiões; foi ela, ao contrário, que as suscitou. As divindades não fazem mais do que fornecer um objecto ao nosso desejo de crer. Desde que ele se desvia das divindades, o homem entrega-se a uma fé qualquer, quimeras políticas, sortilégios ou feitiços. (…) Uma das mais constantes características gerais das crenças é a sua intolerância. Ela é tanto mais intransigente quanto mais forte é a crença. Os homens dominados por uma certeza não podem tolerar aqueles que não a aceitam.

A Indagação das Causas e dos Princípios

Visto que esta ciência (a filosofia) é o objecto das nossas indagações, examinemos de que causas e de que princípios se ocupa a filosofia como ciência; questão que se tomará muito mais clara se examinarmos as diversas ideias que formamos do filósofo. Em primeiro lugar, concebemos o filósofo principalmente como conhecedor do conjunto das coisas, enquanto é possível, sem contudo possuir a ciência de cada uma delas em particular. Em seguida, àquele que pode alcançar o conhecimento de coisas difíceis, aquelas a que só se chega vencendo graves dificuldades, não lhe chamaremos filósofo? De facto, conhecer pelos sentidos é uma faculdade comum a todos, e um conhecimento que se adquire sem esforço em nada tem de filosófico. Finalmente, o que tem as mais rigorosas noções das causas, e que melhor ensina estas noções, é mais filósofo do que todos os outros em todas as ciências. E, entre as ciências, aquela que se procura por si mesma, só pelo anseio do saber, é mais filosófica do que a que se estuda pelos seus resultados; assim como a que domina as mais é mais filosófica do que a que se encontra subordinada a qualquer outra. Não, o filósofo não deve receber leis,

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As Ideias dependem das Sensações

À primeira vista, nada pode parecer mais ilimitado do que o pensamento humano, que não apenas escapa a toda autoridade e a todo poder do homem, mas também nem sempre é reprimido dentro dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar for­mas e aparências incongruentes não causam à imaginação mais em­baraço do que conceber os objectos mais naturais e mais familiares. Apesar de o corpo confinar-se num só planeta, sobre o qual se arrasta com sofrimento e dificuldade, o pensamento pode transportar-nos num instante às regiões mais distantes do Universo, ou mesmo, além do Universo, para o caos indeterminado, onde se supõe que a Natureza se encontra em total confusão. Pode-se conceber o que ainda não foi visto ou ouvido, porque não há nada que esteja fora do poder do pensamento, excepto o que implica absoluta contradição.

Entretanto, embora o nosso pensamento pareça possuir esta liber­dade ilimitada (…) ele está realmente confinado dentro de limites muito reduzidos e todo o poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos duas idéias compatíveis,

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Cada vez que se ama é a única vez que se amou. A diferença de objecto não altera a singularidade da paixão. Simplesmente a intensifica.

Sofrer Para Nada Serve

Porque esquecemos os mortos? Porque já não têm préstimo.
Esquecemos, repudiamos uma pessoa triste ou doente, em virtude da sua inutilidade psíquica ou física.
Ninguém se abandonará a ti, se não vir nisso algum proveito.
E tu? Creio ter-me abandonado uma vez, desinteressadamente. Não devo, portanto, chorar por ter perdido o objecto daquele abandono. Já não seria desinteressado, nesse caso.
No entanto, vendo quanto se sofre, o sacrifício é antinatural. Ou superior às minhas forças. E chorar é ceder ao mundo, é reconhecer que se procurava algum proveito.
Há alguém que renuncie, podendo ter? A caridade não é outra coisa que o ideal da impotência.
Basta de virtuosa indignação! Se tivesse tido dentes e habilidade, teria apanhado a presa.
Mas isto não impede que a cruz do desiludido, do falido, do sacrificado – eu – seja atroz de suportar. Afinal de contas, o mais famoso dos crucificados era Deus: nem desiludido, nem falido, nem vencido. No entanto, apesar de todo o seu poder, gritou “Eli!”, mas depois dominou-se e triunfou, e já o sabia de antemão. A esse preço, quem não queria ser crucificado?
Há tantos que morreram desesperados. E esses sofreram mais do que Cristo.

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Marília De Dirceu

Soneto 8

Nascer no berço da maior grandeza,
De palmas e de louros rodeado,
Deve-se aos grandes pais, ao tronco honrado,
Que ilustra deste longe a natureza.

Se porém muito mais se adora e preza
O Dom que o nobre sangue traz herdado,
Pela própria virtude sustentado,
Feliz o objeto da presente empresa.

De mil heróis, no Tejo vencedores,
Um ramo nasce, um ramo que a memória
Faz imortal de seus progenitores.

Eu leio em vaticínio a sua história:
Une Francisco, a par de seus maiores
Ao herdado esplendor a própria glória.

Sobre Estas Duras, Cavernosas Fragas

Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n’alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.

Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co’a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.

Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.

A ideia de existência, caso seja unida à ideia de um objecto qualquer, nada lhe acrescenta.

Existem no mesmo ser humano conhecimentos que, a despeito da completa diferença entre eles, têm o mesmo objecto, de tal forma que só é possível concluir que há várias pessoas diferentes no mesmo ser humano.

Attracção

Meus olhos sempre inquietos
Que posso até dizer,
Só acham n’alma objectos
Que os possam entreter;

Meus olhos… coisa rara!
Porque hão de em ti parar
Como a corrente pára
Em encontrando o mar!?

E penso n’isto, scismo…
Mas é tão natural
Cahir-se no abysmo
D’uma belleza tal!…

Olhei!… Foi indiscreta
A vista que te puz.
A pobre borboleta
Viu luz… cahiu na luz!

Uma attracção mais forte
Que toda a reflexão,
(É fado, é sina, é sorte!)
Me arrasta o coração…

O instinto de amar um objeto demanda a destreza em obtê-lo, e se uma pessoa pensar que não consegue controlar o objeto e se sentir ameaçado por ele, ela age contra ele.

Todas as ideias vos afastam de vocês próprios, daí a definição de meditação como um estado de consciência sem ideias. Na meditação, não há maneira de nos afastarmos de nós próprios, estamos, simplesmente, centrados no nosso próprio ser. Não há um objeto que possamos ver. Estamos totalmente sós. A nossa consciência começa a virar-se para si própria.

A Função do Escritor

O escritor escolheu a revelação do mundo e especialmente a revelação do homem aos outros homens para que estes adquiram, em face do objecto assim desnudado, toda a sua responsabilidade. Ninguém pode fingir ignorar a lei, porque há um código, e porque a lei é coisa escrita: depois disto, pode infringi-la, mas sabe os riscos que corre. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente.

O que se odeia não é um objecto mas o seu envelhecimento. Quando não se aprendeu a ler o objecto novo que nele se instala.