José Anaiço está ao lado de Joana Carda mas não lhe toca, compreende que não deve tocar-lhe, ela compreende-o também, há momentos em que mesmo o amor deve conformar-se com a sua insignificância, perdoai que assim reduzamos o extremo dos afetos a quase nada, ele que em outras ocasiões é quase tudo.
Passagens sobre Ocasião
189 resultadosAmor ou Posse?
O nosso «amor pelo próximo» não será o desejo imperioso de uma nova propriedade? E não sucede o mesmo com o nosso amor pela ciênica, pela verdade? E, mais geralmente, com todos os desejos de novidade? Cansamo-nos pouco a pouco do antigo, do que possuímos com certeza, temos ainda necessidade de estender as mãos; mesmo a mais bela paisagem, quando vivemos diante dela mais de três meses, deixa de nos poder agradar, qualquer margem distante nos atrai mais: geralmente uma posse reduz-se com o uso. O prazer que tiramos a nós próprios procura manter-se, transformando sempre qualquer nova coisa em nós próprios; é precisamente a isso que se chama possuir.
Cansar-se de uma posse é cansar-se de si próprio. (Pode-se também sofrer com o excesso; à necessidade de deitar fora, pode assim atribuir-se o nome lisonjeiro de «amor). Quando vemos sofrer uma pessoa aproveitamos de bom grado essa ocasião que se oferece de nos apoderarmos dela; é o que faz o homem caridoso, o indivíduo complacente; chama também «amor» a este desejo de uma nova posse que despertou na sua alma e tem prazer nisso como diante do apelo de uma nova conquista. Mas é o amor de sexo para sexo que se revela mais nitidamente como um desejo de posse: aquele que ama quer ser possuidor exclusivo da pessoa que deseja,
Ocasiões não faltam.
Foste Tu que me Desvendaste o Amor
Querida: estamos sozinhos à mesa nesta noite infinita em que a chuva cai lá fora com um ruido monótono de chôro. Estamos sós nesta noite de saudade e nunca foi maior a nossa companhia, porque cada vez me sinto mais perto dos mortos. Rodeiam-nos, chegam-se para mim e sentam-se ao nosso lume. São legião… Mais perto, que eu faço uma labareda que nos aqueça a todos. A velha mesa da consoada foi-se despovoando com o tempo, mas hoje estão aqui sentadas todas as figuras que conheço desde que me conheço… Tu, toda branca, e que mesmo através do túmulo me transmites sonho; tu, mais longe, mais apagada e sumida; e tu, que vens de volta, e encostas os teus cabelos brancos aos meus cabelos brancos, para me dizeres baixinho: — Menino!—Pois ainda me chamas menino?! — Outro acolá sorri e outro tenta falar… Dois vivos e tantos mortos sentados à roda desta mesa que veio de meu pai, foi de meu avô e pertenceu já a outras gerações desconhecidas, mas que estão aqui também comigo, escutando e sorrindo, enquanto as pinhas se transformam em flores maravilhosas e as vides que plantei se reduzem a cinza!… Nunca estive tão acompanhado como hoje nesta ceia religiosa de fantasmas,
Uma Apreciação Correcta do Nosso Valor
Uma apreciação correcta do valor daquilo que se é em si e para si mesmo, comparado àquilo que se é apenas aos olhos de outrém, contribuirá em muito para a nossa felicidade. À primeira rubrica pertence tudo o que preenche o tempo da nossa própria existência, o conteúdo íntimo desta. (…) Pelo contrário, o lugar daquilo que somos para outrém é a consciência alheia, é a representação sob a qual nela aparecemos, junto com os conceitos que lhe são aplicados. Ora, isso é algo que não existe imediatamente para nós, mas apenas de modo mediato, vale dizer, na medida em que determina a conduta dos outros para connosco. E mesmo isso só é levado em conta caso tenha influência sobre alguma coisa que possa modificar aquilo que somos em nós e para nós mesmos. Ademais, aquilo que se passa, como tal, na consciência alheia, é-nos indiferente.
E também nos tornaremos cada vez mais indiferentes quando alcançarmos um conhecimento suficiente da superficialidade e da futilidade dos pensamentos, da limitação dos conceitos, da pequenez dos sentimentos, da absurdez das opiniões e do número de erros na maioria das cabeças. E, ainda, à medida que aprendermos pela própria experiência o desdém com que,
O segredo do êxito na vida consiste em aproveitar a ocasião que se depare.
A Tranquilidade do Assumir da Nossa Condição
Temos pelos nobres e para as pessoas de destaque um cíume estéril, ou um ódio impotente que não nos vinga de seu esplendor e elevação, e só faz acrescentar à nossa própria miséria o peso insuportável da felicidade alheia: que fazer contra uma doença de alma tão inveterada e contagiosa? Contentemo-nos com pouco e com menos ainda, se possível; saibam perder na ocasião; a receita é infalível, e concordo em experimentá-la: evito com isso ser empurrado na porta pela multidão de clientes ou cortesãos que a casa de um ministro despeja diversas vezes por dia; penar na sala de audiência, pedir tremendo ou balbuciando uma coisa justa; suportar a gravidade do ministro, o seu riso amargo, e o seu laconismo. Então não o odeio mais, e não o invejo mais; ele não me faz nenhuma súplica, eu não lhe faço nenhuma; somos iguais, a não ser no facto dele não estar tranquilo, e eu estar.
(…) Deve-se silenciar sobre os poderosos; há quase sempre adulação ao dizer bem deles; há perigo em dizer mal enquanto vivem, e cobardia quando já morreram.
Grandes São os Desertos, e Tudo é Deserto
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
O Dilema do Conhecimento
Como todos sabemos, aprender pouco é algo perigoso. Mas o excesso de aprendizado altamente especializado também é uma coisa perigosa, e por vezes pode ser ainda mais perigoso do que aprender só um pouco. Um dos principais problemas da educação superior agora é conciliar as exigências da muita aprendizagem, que é essencialmente uma aprendizagem especializada, com as exigências da pouca aprendizagem, que é a abordagem mais ampla, mas menos profunda, dos problemas humanos em geral.
(…) O que precisamos fazer é arranjar casamentos, ou melhor, trazer de volta ao seu estado original de casados os diversos departamentos do conhecimento e das emoções, que foram arbitrariamente separados e levados a viver em isolamento nas suas celas monásticas. Podemos parodiar a Bíblia e dizer: “Que o homem não separe o que a natureza juntou”; não permitamos que a arbitrária divisão académica em disciplinas rompa a teia densa da realidade, transformando-a em absurdo.
Mas aqui deparamo-nos com um problema muito grave: qualquer forma de conhecimento superior exige especialização. Precisamos de nos especializar para entrar mais profundamente em certos aspectos separados da realidade. Mas se a especialização é absolutamente necessária, pode ser absolutamente fatal, se levada longe demais. Por isso, precisamos de descobrir algum meio de tirar o maior proveito de ambos os mundos –
A Nossa Crise Mental
Que pensa da nossa crise? Dos seus aspectos – político, moral e intelectual?
A nossa crise provém, essencialmente, do excesso de civilização dos incivilizáveis. Esta frase, como todas que envolvem uma contradição, não envolve contradição nenhuma. Eu explico. Todo o povo se compõe de uma aristocracia e de ele mesmo. Como o povo é um, esta aristocracia e este ele mesmo têm uma substância idêntica; manifestam-se, porém, diferentemente. A aristocracia manifesta-se como indivíduos, incluindo alguns indivíduos amadores; o povo revela-se como todo ele um indivíduo só. Só colectivamente é que o povo não é colectivo.
O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo. Ora ser tudo em um indivíduo é ser tudo; ser tudo em uma colectividade é cada um dos indivíduos não ser nada. Quando a atmosfera da civilização é cosmopolita, como na Renascença, o português pode ser português, pode portanto ser indivíduo, pode portanto ter aristocracia. Quando a atmosfera da civilização não é cosmopolita — como no tempo entre o fim da Renascença e o princípio, em que estamos, de uma Renascença nova — o português deixa de poder respirar individualmente. Passa a ser só portugueses. Passa a não poder ter aristocracia.
Devo à Paisagem as Poucas Alegrias que Tive no Mundo
Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas. As dobras, e as cores do chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor. Falar duma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno. Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum perfil.
Amar é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser; é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha para longe.
Não Mostrar Satisfação Consigo Mesmo
Viva, nem descontente, que é pouquidade, nem satisfeito consigo mesmo, que é nescidade. Nasce essa satisfação no mais das vezes da ignorância, e vai ter uma felicidade néscia que, embora satisfaça o gosto, não sustenta o crédito. Como não percebe as superlativas perfeições nos outros, contenta-se com qualquer vulgar mediocridade em si. Sempre foi útil, além de prudente, a desconfiança, ou como prevenção para que as coisas saiam bem, ou para consolo quando saiam mal; pois o desaire da sorte não surpreende quem já o temia. O próprio Homero às vezes dormita, e Alexandre cai do seu estado e do seu engano. As coisas dependem de muitas circunstâncias, e a que triunfa num lugar e em tal ocasião, em outra malogra. Mas a incorrigibilidade do néscio está em ter convertido em flor a mais vã satisfação, cuja semente está sempre a brotar.
A Compaixão como Prevenção
A compaixão é frequentemente um sentimento dos nossos males nos males dos outros. É uma hábil antevisão dos infortúnios em que podemos cair. Damos auxílio aos outros para levá-los a nos dar outro tanto em ocasiões semelhantes; e os serviços que lhes prestamos são, para dizer a verdade, bens que fazemos a nós mesmos de antemão.
Todas as Nossas Paixões se Justificam a Si Próprias
Existem duas ocasiões distintas em que examinamos a nossa própria conduta e buscamos vê-la sob a luz em que o espectador imparcial a veria: primeiro, quando estamos prestes a agir; e, segundo, depois que agimos. Em ambos os casos os nossos juízos tendem a ser bastante parciais, mas eles tendem a tornar-se ainda mais parciais quando seria da maior importância que não fossem. Quando estamos prestes a agir, a veemência da paixão raramente nos permitirá considerá-la com a isenção de uma pessoa neutra. As violentas emoções que nesse momento nos agitam distorcem os nossos juízos sobre as coisas, mesmo quando buscamos colocar-nos na situação de outra pessoa. (…) Por essa razão, como diz Malebranche, todas as nossas paixões se justificam a si próprias, e parecem razoáveis e proporcionais aos seus objectos enquanto nós estivermos a senti-las. (… ) A opinião que cultivamos do nosso próprio carácter depende inteiramente dos nossos juízos acerca da nossa conduta passada. Mas é tão desagradável pensarmos mal de nós mesmos que amiúde afastamos propositadamente o nosso olhar das circunstâncias que poderiam tornar o julgamento desfavorável. (…) Esse auto-engano, essa fraqueza fatal dos homens, é a fonte de metade das desordens da vida humana. Se pudéssemos ver-nos como os outros nos vêem,
Em épocas de grande agitação o dever do intelectual é manter-se calado, pois nessas ocasiões é preciso mentir e o intelectual não tem esse direito.
Dúvida e Crença
A dúvida é um estado de insatisfação e inquietude do qual lutamos para nos desvencilhar e passar para um estado de crença, ao passo que este é um estado calmo e satisfatório que não desejamos evitar ou transformar numa crença em outra coisa. Pelo contrário, nós agarramo-nos tenazmente não só ao acreditar, mas a acreditar precisamente naquilo em que acreditamos. Tanto a dúvida como a crença têm efeitos positivos sobre nós, ainda que bem distintos. A crença não nos faz agir prontamente, mas predispõe-nos a agir de uma certa maneira quando surge a ocasião. A dúvida é desprovida desse efeito activo, mas estimula-nos a investigar até que ela própria seja aniquilada. (…) A irritação da dúvida provoca uma luta para alcançar um estado de crença.
A ocasião faz o roubo, o ladrão já nasce pronto.
A Importância da Boa Vontade
No decurso da minha longa vida recebi dos meus companheiros um reconhecimento muito maior do que aquele que mereço e confesso que o meu sentido de humildade sempre se sobrepôs ao meu prazer. Mas nunca, em ocasiões anteriores, a dor se sobrepôs tanto ao prazer como agora. Todos nós, que estamos preocupados com a paz e o triunfo da razão e da justiça, devemos estar hoje claramente conscientes do peso que uma pequeníssima justificação e uma boa vontade honesta podem exercer sobre os acontecimentos na vida política. Mas, independentemente disso, e independentemente do nosso destino, podemos estar certos de que sem os esforços incansáveis daqueles que estão preocupados com o bem-estar da humanidade como um todo a maioria da espécie humana estaria muito pior do que se encontra realmente agora.
Como Trair o Seu Marido em Imaginação
Proponho-me ensinar-lhes como trair o seu marido em imaginação.
Acreditem-me: só as criaturas ordinárias traem o marido realmente. O pudor é uma condição sine qua non de prazer sexual. O entregar-se a mais de um homem mata o pudor.
Concedo que a inferioridade feminina precisa de macho. Acho que, ao menos se deve limitar a um macho só, fazendo dele, se disso precisar, centro de um círculo de raio crescente de machos imaginados.A melhor ocasião para fazer isso é nos dias que antecedem os da menstruação. Assim:
Imaginam o seu marido mais branco de corpo. Se imaginam bem, senti-lo-ão mais branco sobre si.
Retenham todo o gesto de sensualidade excessiva. Beijem o marido que lhes estiver em cima do corpo e mudem com a imaginação o homem num olhar belo que lhes estiver em cima da alma.
A essência do prazer é o desdobramento. Abram a porta da janela ao Felino em vós.
Como tracasser o marido.
Importa que o marido às vezes se zangue.
O essencial é começar a sentir a atracção pelas coisas que repugnam não perdendo a disciplina exterior.
A maior indisciplina interior junta à máxima disciplina exterior compõe perfeita sensualidade.