Vendo-a Sorrir
(A minha filha)
Filha, quando sorris, iluminas a casa
Dum celeste esplendor.
A alegria é na infância o que na ave é asa
E perfume na flor.Ó doirada alegria, ó virgindade santa
Do sorriso infantil!
Quando o teu lábio ri, filha, a minha alma canta
Todo o poema de Abril.Ao ver esse sorriso, ó filha, se concentro
Em ti o meu olhar,
Engolfa-se-me o céu azul pela alma dentro
Com pombas a voar.Sou o Sol que agoniza, e tu, meu anjo loiro,
És o Sol que se eleva.
Inunda-me de luz, sorri, polvilha de oiro
O meu manto de treva!
Passagens sobre Olhar
946 resultadosBiografia Entre o olhar suspeitoso da tia E o olhar confiante do cão O menino inventava a poesia…
Camões II
Quando, transposta a lúgubre morada
Dos castigos, ascende o florentino
A região onde o clarão divino
Enche de intensa luz a alma nublada,A saudosa Beatriz, a antiga amada,
A mão lhe estende e guia o peregrino,
E aquele olhar etéreo e cristalino
Rompe agora da pálpebra sagrada.Tu que também o Purgatório andaste
Tu que rompeste os círculos do Inferno,
Camões, se o teu amor fugir deixaste,Ora o tens. como um guia alto e superno
Que a Natércia da vida que choraste
Chama-se Glória e tem o amor eterno.
O paradoxo da imaginação reside no facto de que o imaginário nada é e jamais parece. O olhar directo fez os deuses morrerem.
Eu, que sou feio…
Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.Sentado à mesa dum café devasso.
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, – talvez não o suspeites!-
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.Adorável! Tu muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.
Tu Vinhas
Não me fizeste sofrer
mas esperar.Naquelas horas
emaranhadas, cheias
de serpentes,
quando
a alma me caía e eu me afogava,
tu vinhas-te aproximando,
tu vinhas nua e arranhada,
tu chegavas ensanguentada ao meu leito,
noiva minha,
e então
caminhávamos toda a noite dormindo
e, quando acordávamos,
estavas intacta e nova,
como se o vento grave dos sonhos
acendesse de novo
o fogo da tua cabeleira
e em trigo e prata submergisse
teu corpo até torná-lo deslumbrante.Eu não sofri, meu amor,
esperava-te apenas.
Tu precisavas de mudar de coração
e de olhar
depois de tocares a profunda
zona do mar que meu peito te entregou.
Precisavas de sair da água
pura como uma gota erguida
por uma onda nocturna.Noiva minha, tu precisaste
de morrer e de nascer, eu esperava-te.
Não sofri a procurar-te,
sabia que virias,
mas outra, com o que adoro
da mulher que não adorava,
com teus olhos, tuas mãos e tua boca,
mas com outro coração,
Nem o sol nem a morte se podem olhar fixamente.
Poucos conseguem perceber o privilégio de ser uma pessoa, pois não conseguem olhar para além da vitrina dos seus problemas e dificuldades.
A Antônio Nobre
Tu que penaste tanto e em cujo canto
Há a ingenuidade santa do menino;
Que amaste os choupos, o dobrar do sino,
E cujo pranto faz correr o pranto:Com que magoado olhar, magoado espanto
Revejo em teu destino o meu destino!
Essa dor de tossir bebendo o ar fino,
A esmorecer e desejando tanto…Mas tu dormiste em paz como as crianças.
Sorriu a Glória às tuas esperanças
E beijou-te na boca… O lindo som!Quem me dará o beijo que cobiço?
Foste conde aos vinte anos… Eu, nem isso…
Eu, não terei a Glória… nem fui bom.
Aquelle Sabio
N’aquellas altas janellas
Que deitam para o telhado;
Eu vejo-o sempre encostado,
A namorar as estrellas.Tem assim ares d’empyrico
Mui lido em philosophástros;
É um pobre poeta lyrico,
Que escreve cartas aos astros.Traz luto nos seus vestidos
Por uma Ophelia de menos,
Tem uns cabellos compridos,
E uns olhos tristes, serenos.Parece um Jove proscripto,
E já descrente das Ledas,
Conhece o hebraico, o sanscrito
E os livros santos dos Vedas.Espelha na luz do olhar
Não sei que visões amenas;
Anda sempre a imaginar
Idylios ás açucenas.E aquella mulher vaidosa
–Que elle chama a sua Egeria–
Ri d’aquella alma anciosa,
E aquella triste miseria………………………………………
……………………………………
……………………………………Mais de tres dias ou quatro
Que lhe falta o necessario;
Estava hontem no theatro
Com luvas côr de canario.
Respeite-se
“Respeito” é uma das palavras mais bonitas que conheço. Não tem o sentido de “honra, dignidade” que adquiriu entretanto. Respeito significa, simplesmente, re-speitar, isto é, olhar para trás, tomar em consideração. Significa tão-somente olhar de novo. Antes de se tornar parte de uma sociedade, de uma cultura, de uma civilização, conhecia o seu verdadeiro eu. Não é por acaso que continua a pensar na sua infância como o período mais bonito da sua vida. É uma memória há muito esquecida, porque numa determinada altura da sua vida, nos seus primórdios, possuiu o seu verdadeiro eu.
Se re-speitar, isto é, se olhar para trás e penetrar fundo na sua existência, encontrará o lugar onde começou a perder-se de si próprio e onde o ego, o falso eu, começou a formar-se. Esse momento é um momento de iluminação.
Tédio
Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer…Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que é que isso me faz? O que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!E é tudo sempre o mesmo, eternamente…
O mesmo lago plácido, dormente…
E os dias, sempre os mesmos, a correr…
É Possível Estarmos Todos Errados?
É possível (…) que não se tenha visto, conhecido e dito nada de real e importante? É possível que se tenha tido milénios para olhar, reflectir e anotar e que se tenha deixado passar os milénios como uma pausa escolar, durante a qual se come fatias de pão com manteiga e uma maçã?
Sim, é possível.
É possível que, apesar das investigações e dos progressos, apesar da cultura, da religião e da filosofia, se tenha ficado na superfície da vida? É possível que até se tenha coberto essa superfície – que, apesar de tudo, seria qualquer coisa – com um pano incrivelmente aborrecido, de tal modo que se assemelhe aos móveis da sala durante as férias de Verão?
Sim, é possível.
É possível que toda a História Universal tenha sido mal-entendida? É possível que o passado seja falso, precisamente porque sempre se falou das suas multidões, como se dissertasse sobre uma aglomeração de pessoas, em vez de falar de uma única, em torno da qual elas estavam, porque se tratava de um desconhecido que morreu?
Sim, é possível.
É possível que se tenha julgado ser preciso recuperar o que aconteceu antes de se ter nascido?
Para desentristecer Meu coração tão só, Basta encontrar você no caminho, Arrastando meu olhar como imã…
Poesia e Verdade
De facto, entre a poesia e a verdade existe uma natural oposição: falsa moral e natureza fictícia. O poeta sempre necessita de algo falso. Quando ele pretende fincar os seus fundamentos na verdade, o ornamento da sua superestrutura é feito de ficções; a sua acção consiste em estimular as nossas paixões e excitar os nossos preconceitos. A verdade, a exactidão de todo o tipo, é fatal à poesia. O poeta tem de olhar tudo através de meios coloridos e esforça-se a levar cada pessoa a fazer o mesmo. Existem espíritos nobres, é verdade, com os quais a poesia e a filosofia estão igualmente em dívida, mas essas excepções não contrabalançam os danos resultantes dessa arte mágica.
Nos meus retratos infantis, sempre me impressiona um olhar de repreensão que só pode dirigir-se a mim. Terei sido eu a causa da sua futura infelicidade, eu pressentia.
O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente. E assim é com a vida, você mata os sonhos que finge não ver.
Sofro por causa do meu espírito de colecionador-arqueólogo. Quero pôr o bonito numa caixa com chave para abrir de vez em quando e olhar.
O Solitário
As observações e as vivências do solitário que só fala consigo próprio são simultaneamente mais indistintas e intensas do que as do homem social e os seus pensamentos são mais graves, mais fantasiosos e nunca sem uma coloração de melancolia. Imagens e impressões que outros poriam naturalmente de lado após um olhar, um sorriso, um comentário, ocupam-no mais do que é devido, tornam-se profundas no silêncio, ganham significado, transformam-se em acontecimento, aventura, emoção. A solidão cria o original, o belo ousado e estranho cria a poesia. Mas cria também o distorcido, o desproporcionado, o absurdo e o proibido.
A Verdade é um Modo de Estarmos a Bem Connosco
Cada época, como cada idade da vida, tem o seu secreto e indizível e injustificável sentido de equilíbrio. Por ele sabemos o que está certo e errado, sensato e ridículo. E isto não é só visível no que é produto da emotividade. É visível mesmo na manifestação mais neutral como uma notícia ou um anúncio de jornal. Donde nasce esse equilíbrio? Que é que o constitui? O destrói? Porque é que se não rebentava a rir com os anúncios de há cento e tal anos? (Rebentámos nós, aqui há uns meses, em casa dos Paixões, ao ler um jornal de 186…). Mas a razão deve ser a mesma por que se não rebentou a rir com a moda que há anos usámos, os livros ridículos que nos entusiasmaram, as anedotas com que rimos e de que devíamos apenas rir. O homem é, no corpo como no espírito, um equilíbrio de tensões. Só que as do espírito, mais do que as do corpo, se reorganizam com mais frequência. Equilibrado o espírito, mete-se-lhe uma ideia nova. Se não é expulsa, há nela a verdade. Porque a verdade é isso: a inclusão de seja o que for no nosso mecanismo sem que lhe rebente as estruturas.