Da Vida… nĂŁo Fales Nela
Da vida… nĂŁo fales nela,
quando o ritmo pressentes.
NĂŁo fales nela que a mentes.Se os teus olhos se demoram
em coisas que nada sĂŁo,
se os pensamentos se enfloram
em torno delas e nĂŁo
em torno de nĂŁo saber
da vida… NĂŁo fales nela.Quanto saibas de viver
nesse olhar se te congela.
E só a dança é que dança,
quando o ritmo pressentes.Se, firme, o ritmo avança,
Ă© dĂłcil a vida, e mansa…
NĂŁo fales nela, que a mentes.
Passagens sobre Olhos
2007 resultadosProfecia
Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue…
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que nĂŁo posso recuar.Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas nĂŁo sei trocar a minha sorte!NĂŁo venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
Ă minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas nĂŁo quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
NĂŁo importa lá chegar…
Ă€ Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mĂŁo que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
Ă€ tua espera…quebra-me o encanto!
GlĂłria
Vive dentro de mim um mundo raro
Tão vário, tão vibrante, tão profundo
Que o meu amor indĂłmito e avaro
O oculto raivoso ao outro mundoE nele vivo audaz, ardentemente,
Sentindo consumir-se a sua chama
Que oscila e desce e sobe inquietamente;
Ouvindo a minha voz que por mim chamaEm situações grotescas que me ferem,
Ou conquistando o que meus olhos querem:
PrĂncipe ou Rei sonhando com domĂnios.Sinto bem que sĂŁo vĂŁs pra me prenderem
As mĂŁos da Vida, muito embora imperem
Sobre a noção real dos meus declĂnios.
ReminiscĂŞncia
Um dia a vi, nas lamas da miséria,
Como entre pântanos um branco lĂrio,
Velada a fronte em palidez funérea,
O frio vĂ©u das noivas do martĂrio!Pedia esmola — pequena e sĂ©ria —
Os seios, pastos de eternal delĂrio,
Cobertos eram de uma cor cinérea —
Seus olhos tinham o brilhar do cĂrio.Tempos depois n’um carro — audaz, brilhante,
Uma mulher eu vi — febril, galante…
Lancei-lhe o olhar e… maldição! tremi…Ria-se — cĂnica, servil… faceira?
O carro n’uma nuvem de poeira
Se arremessou… e eu nunca mais a vi!
Olhar e Chorar
Notável criatura sĂŁo os olhos! Admirável instrumento da natureza; prodigioso artifĂcio da ProvidĂŞncia! Eles sĂŁo a primeira origem da culpa; eles a primeira fonte da Graça. SĂŁo os olhos duas vĂboras, metidas em duas covas, e que a tentação pĂ´s o veneno, e a contrição a triaga. SĂŁo duas setas com que o DemĂłnio se arma para nos ferir e perder; e sĂŁo dois escudos com que Deus depois de feridos nos repara para nos salvar. Todos os sentidos do homem tĂŞm um sĂł ofĂcio; sĂł os olhos tĂŞm dois. O Ouvido ouve, o Gosto gosta, o Olfacto cheira, o Tacto apalpa, sĂł os olhos tĂŞm dois ofĂcios: Ver e Chorar. Estes serĂŁo os dois pĂłlos do nosso discurso.
NinguĂ©m haverá (se tem entendimento) que nĂŁo deseje saber por que ajuntou a Natureza no mesmo instrumento as lágrimas e a vista; e por que uniu a mesma potĂŞncia o ofĂcio de chorar, e o de ver? O ver Ă© a acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, nĂŁo há gosto, porque o sabor de todos os gostos Ă© o ver; pelo contrário, o chorar Ă© o estilado da dor, o sangue da alma,
Soneto III
Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha Ă© descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
TĂŞm a alma, aceso o peito, presa a vida;Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhĂŁ clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De ĂĽa virtude a poucas concedida;Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;Divino e repousado movimento,
E muito mais, que está em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.
Ă€ Espera do Amado Desconhecido
Quem Ă© esta mulher,
a sempre triste,
que vive no meu coração?
Quis conquistá-la mas não consegui.Adornei-a com grinaldas
e cantei em seu louvor…
Por um momento
bailou o sorriso no seu rosto,
mas logo se desvaneceu.E disse-me cheia de pena:
— A minha alegria não está em ti.Comprei-lhe argolas preciosas,
abanei-a
com leques recamados de diamantes,
deitei-a em cama de oiro …
Bateu as pálpebras
como um relâmpago de alegria
que logo se apagou.E disse-me cheia de pena:
— Não está nessas coisas a minha alegria.Sentei-a num carro de triunfo,
e passeei-a por toda a terra.
Milhares de corações conquistados
caĂram humildes a seus pĂ©s,
e as aclamações reboaram pelo cĂ©u…
Durante um momento
brilhou o orgulho nos seus olhos,
mas logo se desfez em lágrimas.E disse cheia de pena:
— Não está na vitória a minha alegria..Perguntei-lhe:
— Que queres então?
Respondeu-me:
— Espero alguém
que nĂŁo sei como se chama.
O Perigo da Leitura Excessiva
Quando lemos, outra pessoa pensa por nĂłs: repetimos apenas o seu processo mental. Ocorre algo semelhante quando o estudante que está a aprender a escrever refaz com a pena as linhas traçadas a lápis pelo professor. Sendo assim, na leitura, o trabalho de pensar Ă©-nos subtraĂdo em grande parte. Isso explica o sensĂvel alĂvio que experimentamos quando deixamos de nos ocupar com os nossos pensamentos para passar Ă leitura. PorĂ©m, enquanto lemos, a nossa cabeça, na realidade, nĂŁo passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando estes se vĂŁo, o que resta? Essa Ă© a razĂŁo pela qual quem lĂŞ muito e durante quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar, pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo – como alguĂ©m que sempre cavalga e acaba por desaprender a caminhar. Tal Ă© a situação de muitos eruditos: Ă força de ler, estupidificaram-se. Pois ler constantemente, retomando a leitura a cada instante livre, paralisa o espĂrito mais do que o trabalho manual contĂnuo, visto que, na execução deste Ăşltimo, Ă© possĂvel entregar-se aos seus prĂłprios pensamentos.
No entanto, como uma mola que, pela pressĂŁo constante acarretada por meio de um corpo estranho,
Está tudo quanto olho
Na escuridĂŁo mais intensa,
Faltou de teus olhos lindos
A luz profunda e imensa…
Beatriz
Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por Ănvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.Tive sonhos de louco, Ă FernĂŁo Dias…
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o Ă´nix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas…E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressábios
De amarguras, de dor, de desenganos.Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!
Incontentado
Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de sĂşbito, tristonho,
Ă© porque Ă s vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho.Olho os meus olhos nos teus olhos… Ponho,
trĂŞmulo, as mĂŁos nas tuas mĂŁos… E vejo
que és tu mesma, que és tu! E ainda suponho
Ser enganado pelo meu desejo.Quanto mais, desvairado de ansiedade,
do teu corpo, meu corpo se avizinha,
mais de ti, junto a ti, sinto saudade…– E o meu suplĂcio atroz nĂŁo se adivinha,
quando, beijando-te, o pavor me invade
de que em meus braços tu não sejas minha!
A cobra, onde tem os ovos, aĂ tem os olhos.
NĂŁo sei, Amor, sequer, se te Consinto
NĂŁo sei, amor, sequer, se te consinto
ou se te inventas, brilhas, adormeces
nas palavras sem carne em que te minto
a verdade intemida em que me esqueces.NĂŁo sei, amor, se as lavas do vulcĂŁo
nos lavam, veras, ou se trocam tintas
dos olhos ao cabelo ou coração
de tudo e de ti mesma. Não que sintasoutra coisa de mais que nos feneça;
mas sĂł nĂŁo sei, amor, se tu nĂŁo sabes
que sei de certo a malha que nos teça,o vento que nos leves ou nos traves,
a mão que te nos dê ou te nos peça,
o princĂpio de sol que nos acabes.
com a polpa dos dedos
com
a polpa
dos dedos
abro
o teu sorriso
gota
a
gotaaté desmoronar
as vigas
dos meus olhos
Para os Amigos
De entre todos, apenas vĂłs
tendes direito a ver-me
fracassar. Onde caio
entre a vossa irĂłnica
doçura implacável, convosco
partilho o pão e o espaço
e a rapidez dos olhos
sobre o que fica (sempre)
para dar ou dizer.
E de vĂłs me levanto
e vos levo pesando
e ardendo até onde
me ajudais a ser
melhor ou talvez
menos sĂł.
O hipĂłcrita Ă© um santo pintado; tem as mĂŁos postas, mas nĂŁo ora; o livro na mĂŁo, mas nĂŁo lĂŞ; os olhos no chĂŁo, mas nĂŁo se desestima.
Eu Deliro, GertrĂşria, eu Desespero
Eu deliro, GertrĂşria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores.
Eu da morte as angĂşstias e os horrores
Por mil vezes sem morrer tolero.Pelo Céu, por teus olhos te assevero
Que ferve esta alma em cândidos amores;
Longe o prazer de ilĂcitos favores!
Quero o teu coração, mais nada quero.Ah! não sejas também qual é comigo
A cega divindade, a Sorte dura.
A vária Deusa, que me nega abrigo!Tudo perdi: mas valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
Os roubos que me faz a má ventura.
Quando Eu, Senhora, Em VĂłs Os Olhos Ponho
Quando eu, senhora, em vĂłs os olhos ponho,
e vejo o que nĂŁo vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m’espanto Ă s vezes, outras m’avergonho.Que, tornando ante vĂłs, senhora, tal,
Quando m’era mister tant’ outr’ ajuda,
de que me valerei, se alma nĂŁo val?Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a lĂngua Ă© muda.
Aquela Triste E Leda Madrugada
Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂa, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderá ver se apartada.Ela só, viu as lágrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.