A Asfixia do Artista pela Sociedade
Eu tenho medo das «teses» quando se apoderam de um artista jovem, sobretudo nos começos da sua carreira. E sabem o que eu temo? Muito simplesmente que não consiga os objectos da tese. Pensará um simpático crítico, a quem li há pouco e cujo nome agora não vou citar, que toda a obra artística isenta de tese prévia, realizada exclusivamente com um objectivo artístico, e até de assunto inteiramente secundário e não correspondendo a nada de «tendencioso» possa resultar nuns proveitos para o seu objectivo ainda que à primeira vista dê a impressão de satisfazer apenas «uma ociosa curiosidade»? Porventura as nossas pessoas cultas ainda não se deram conta do que pode passar-se no coração e na inteligência dos nossos escritores e artistas jovens? Que confusão de ideias e de sentimentos preconcebidos!
Sob a pressão da sociedade, o jovem poeta sufoca na alma o seu natural anelo de espraiar-se em formas singulares; receia que condenem a sua «ociosa curiosidade»; reprime essas formas que lhe brotam do fundo da alma; nega-lhes vida e atenção e arranca de dentro, entre espamos, o tema que à sociedade agrada, que é grato à opinião liberal e social. Mas que erro tão horrivelmente cândido e ingénuo,
Passagens sobre Opinião
599 resultadosO Homem de Carácter
Os homens de carácter são a consciência da sociedade a que pertencem. A medida natural dessa força é a resistência às circunstâncias. Os homens impuros julgam a vida pela versão reflectida nas opiniões, nos acontecimentos e nas pessoas. Não são capazes de prever a acção até que ela se concretize. Todavia, o elemento moral da acção preexistia no autor e a sua qualidade, boa ou má, era de fácil predição. Tudo na natureza é bipolar, ou tem um pólo positivo e um pólo negativo. Há um macho e uma fêmea, um espírito e um facto, um norte e um sul. O espírito é o positivo, o facto é o negativo. A vontade é o norte, a acção é o pólo sul. O carácter pode ser classificado como tendo o seu lugar natural no norte. Distribui as correntes magnéticas do sistema. Os espíritos fracos são atraídos para o pólo sul, ou pólo negativo. Só vêem na acção o lucro, ou o prejuízo que podem encerrar.
Não podem vislumbrar um princípio, a não ser que este se abrigue noutra pessoa. Não desejam ser amáveis mas amados. Os de carácter gostam de ouvir falar dos seus defeitos; aos outros aborrecem as faltas;
Mais que a razão, o que cria a maior parte das nossas opiniões são palavras e fórmulas.
Quiçá tenho inimigos de minhas opiniões, mas eu mesmo, se espero um momento, posso ser também inimigo de minhas opiniões.
Eu amo retidão e integridade, e sou da opinião que ninguém devia barganhar com um artista.
Empreguemos apenas a razão para combater opiniões, pois ninguém mata idéias a tiro.
A opinião de um homem pode mudar honrosamente, desde que a sua consciência não mude.
A vaidade não se refere à opinião que alguém tem de si mesmo, mas daquela que ele deseja que os outros tenham dele.
Retrato de Mónica
Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível.
A Vulgaridade Intelectual
Hoje, (…) o homem médio tem as «ideias» mais taxativas sobre quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu o uso da audição. Para quê ouvir, se já tem dentro de si o que necessita? Já não é época de ouvir, mas, pelo contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão de vida pública em que não intervenha, cego e surdo como é, impondo as suas «opiniões».
Mas não é isto uma vantagem? Não representa um progresso enorme que as massas tenham «ideias», quer dizer, que sejam cultas? De maneira alguma. As «ideias» deste homem médio não são autenticamente ideias, nem a sua posse é cultura. A ideia é um xeque-mate à verdade. Quem queira ter ideias necessita antes de dispor-se a querer a verdade, e aceitar as regras do jogo que ela imponha. Não vale falar de ideias ou opiniões onde não se admite uma instância que as regula, uma série de normas às quais na discussão cabe apelar. Estas normas são os princípios da cultura. Não me importa quais são. O que digo é que não há cultura onde não há normas. A que os nossos próximos possam recorrer.
Não há cultura onde não há princípios de legalidade civil a que apelar.
O Apogeu do Cobarde
Havia num partido um homem, que era demasiado medroso e cobarde para, alguma vez, contradizer os seus camaradas: empregavam-no para todos os serviços, exigiam tudo dele, porque ele tinha mais medo da má opinião dos seus camaradas que da morte; era um lamentável espírito fraco. Eles reconheceram isso e fizeram dele, em virtude das circunstâncias mencionadas, um herói e, por fim, até um mártir. Embora o cobarde, interiormente, dissesse sempre não, com os lábios pronunciava sempre sim, mesmo já no cadafalso, ao morrer pelas ideias do seu partido: é que, ao lado dele, estava um dos seus velhos camaradas, que o tiranizava tanto pela palavra e o olhar, que ele sofreu a morte realmente da maneira mais decente e, desde então, é homenageado como mártir e grande personalidade.
O preconceito é uma opinião não submetida a razão.
O Princípio da Simpatia e Antipatia
O princípio da simpatia e antipatia tende ao máximo a pecar por severidade excessiva. Tende ele a aplicar castigo em muitos casos em que é injusto fazê-lo, e, em casos em que se justifica uma punição, a aplicar severidade maior do que a merecida. Não existe acto algum imaginável, por mais trivial e por menos censurável que seja, que o princípio da simpatia e antipatia não encontre algum motivo para punir. Quer se trate de diferenças de gosto, quer se trate de diferenças de opinião, sempre se encontra motivo para punir. Não existe nenhum desacordo, por mais trivial que seja, que a perseverança não consiga transformar num incidente sério. Cada qual se torna, aos olhos do seu semelhante, um inimigo e, se a lei o permitir, um criminoso. Este é um dos aspectos sob os quais a espécie humana se distingue – para seu desabono – dos animais.
Por princípio de simpatia e antipatia entendo o princípio que aprova ou desaprova certas acções, não na medida em que estas tendem a aumentar ou a diminuir a felicidade da parte interessada, mas simplesmente pelo facto de que alguém se sente disposto a aprová-las ou reprová-las.Os partidários deste princípio mantêm que a aprovação ou a reprovação constituem uma razão suficiente em si mesma,
Como Lidar com a Adulação
Não quero deixar de abordar uma questão que reputo de importante e um erro do qual os principes com dificuldade se guardam, se não são prudentes ou se não têm cuidado nas escolhas que fazem. Trata-se dos aduladores, espécie de que as cortes se encontram cheias. É que os homens comprazem-se de tal modo com as coisas que lhes dizem respeito e de um modo tão ilusório, que só muito dificilmente se precavem contra esta peste. E querendo precaver-se, corre o risco de se tornar desprezível. Porque não tendes outro modo de vos protegerdes da adulação a não ser logrando convencer os outros homens de que vos não ofendem dizendo a verdade. Todavia, quando alguém vos diz a verdade, sentis a falta da reverência.
Consequentemente, um príncipe prudente deve dispor de uma terceira via, escolhendo no seu estado homens sábios, devendo só a esses conceder livre arbítrio para lhe falarem verdade. E, apenas, sobre as coisas que lhes perguntardes, não de outras. Mas deve fazer perguntas sobre todas as coisas, ouvir as suas opiniões e, depois, decidir por si próprio, a seu modo. E com estes conselhos e com cada um dos conselheiros, portar-se de maneira que cada um deles perceba que,
O pior mal da escravidão é conservar os cativos na ignorância e bruteza, pela opinião de que são assim mais dóceis, humildes e subordinados.
Mudai os tempos, os lugares, as opiniões e circunstâncias, e os grandes heróis se tornarão pequenos e insignificantes homens.
A verdadeira coragem consiste, apenas, em não nos importarmos com a opinião dos outros. Mas como custa!
Défice de Maturidade
«A maturidade é uma ave que levanta voo ao cair da tarde». Foi Platão que o disse, poeticamente. E, realmente, os nossos «homenzinhos» feitos à pressa e cheios de opiniões, tal como os fabricam as nossas sociedades de aceleração e abundância, são tão infantis afectivamente!… O problema é ainda mais grave numa sociedade que não respeita os velhos.
(
Aqueles que corrompem a opinião pública são tão funestos como aqueles que roubam as finanças públicas.
A opinião é a rainha do mundo.