Passagens sobre Papéis

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Frases sobre papéis, poemas sobre papéis e outras passagens sobre papéis para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Criador de anarquias sempre me pareceu o papel digno de um intelectual – dado que a inteligência desintegra e a análise estiola.

Tive um Cavalo de Cartão

Mulher. A tua pele branca foi um verão que quis viver e me foi negado. Um caminho que não me enganou. Enganou-me a luz e os olhos foscos das manhãs revividas. Enganou-me um sonho de poder ser o filho que fui, a correr pelos campos todo o dia, a medir as searas pelo tamanho dos braços abertos; enganou-me um sonho de poder ser o filho que fui no teu homem e no teu rosto, no teu filho, nosso. Não há manhãs para reviver, sei-o hoje. Não se podem construir dias novos sobre manhãs que se recordam. Inventei-te talvez, partindo de uma estrela como todas estas. Quis ter uma estrela e dar-lhe as manhãs de julho. As grandes manhãs de julho diante de casa e a minha mãe a acabar o almoço bom e o meu pai a chegar e a ralhar, sem ser a sério, por o almoço não estar pronto e eu sentado na terra, talvez a fazer um barroco, talvez a brincar com o cavalo de cartão. Tive um cavalo de cartão. Nunca te contei, pouco te contei, mas tive um cavalo de cartão. Brincava com ele e era bonito. Gostava muito dele. Tanto. Tanto. Tanto. Quando o meu pai mo trouxe,

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Prosema I

Com a devida vénia me reparto junto do tampo de mármore meu secretário tão certo. Desde quando deixara eu de ouvir esta palavra? Logrei substituí-la numa manhã óptima mas não esta em que a mola salta reprimida sabe-se lá donde, algures na hipófise.
Na confraria dos reclusos outras quimeras se aventam como Sol, Mãe, Amada, até que o tempo nosso inimigo se distancie e nos abandone por instantes. Na laje já sobre a qual o papel branco me obedece sem que o habitem outros sinais, pequeninos veios avolumam-se em áreas mais densas, configurando pássaros de porcelana chinesa. Afundo-me neste fundo para descobrir-lhes um sentido, branco, amarelo, de novo branco, cada centímetro um fuso de seres minúsculos, buscando reorganizar-se, perder-se, reagrupar-se.
De anacoreta nada tenho, só de multidões entre Cacilhas, Piedade e o Barreiro. E Campo de Ourique, que digo! A minha mão move-se, o pensamento pára, descubro as uvas pendentes como se fora Verão e o Sol ferisse como se o olhara de frente. Nem o ruído dos pássaros habituais junto à janela nos veio dar os bons dias, o funcionário impreterível virá à hora impreterível. Muito longe fora de portas um galo ou a sua ausência. Tenho uma toalha,

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O Valor da Crónica de Jornal

A crónica é como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o lêem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo, espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, dos enfeites, fala em tudo baixinho, como quando se faz um serão ao braseiro, ou como no Verão, no campo, quando o ar está triste. Ela sabe anedotas, segredos, histórias de amor, crimes terríveis; espreita, porque não lhe fica mal espreitar. Olha para tudo, umas vezes melancolicamente, como faz a Lua, outras vezes alegre e robustamente, como faz o Sol; a crónica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e facécias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o pé da imperatriz da China; ela conta tudo o que pode interessar pelo espírito, pela beleza, pela mocidade; ela não tem opiniões, não sabe do resto do jornal; está nas suas colunas contando, rindo, pairando; não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando.

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Meu Bebé para Dar Dentadas

Meu Bebé pequeno e rabino:
Cá estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que está pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chão!); e esse não conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela é muito má, excepto numa cousa, que é na arte de fingir, em que vejo que é mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas «não estou pensando em ti». Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da «caça aos pombos»; e isto é uma cousa, como tu sabes, com que tu não tens nada…
Foi agradável hoje o nosso passeio — não foi? Tu estavas bem-disposta, e eu estava bem-disposto, e o dia estava bem-disposto também. (O meu amigo, Sr. A.A. Crosse está de saúde — uma libra de saúde por enquanto, o bastante para não estar constipado.)
Não te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira é a de este papel (o único acessível agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda é a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplêndido,

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Um livro de contos é um livro ligeiro de emoções curtas: deve portanto ser leve, portátil, fácil de se levar na algibeira para debaixo de uma árvore, e confortável para se ter à cabeceira da cama. Não pode ter o formato dum relatório, que, sendo destinado em definitivo a embrulhar objectos, deve ter de antemão o tamanho cómodo do papel de embrulho; nem pode ter o volume dum calhamaço de erudição histórica, impresso com o fim de ornamentar uma biblioteca.

O Papel do Desporto

Quem duvida que o desporto é uma janela importantíssima para a propagação do jogo limpo e da justiça? No fim de contas, o jogo limpo é um valor essencial no desporto!
(…) A reconstrução e a reconciliação, a construção nacional e o desenvolvimento, devem andar de mãos dadas. Neste processo, o desporto é uma grande força de unidade e reconciliação.
(…) Embora vivamos num mundo em que o bem que existe nas pessoas geralmente impera, é triste que também existam os que exploram a magnanimidade e a honestidade. Temos, pois, de afirmar e celebrar constantemente as boas acções e as virtudes sociais. Neste contexto, o desporto desempenha hoje um papel preeminente na apresentação do que é bom e na exemplificação do que é saudável.

Confiamos demasiado na nossa memória. Confiamos demasiado em papéis escritos e em cicatrizes. Se perguntar o que é o passado, sei que vou fugir da resposta. Se perguntar o que é o futuro, sei que não existe resposta.

O Meu Primeiro Poema

Têm-me perguntado muitas vezes quando escrevi o primeiro poema, quando nasceu a minha poesia. Tentarei recordá-lo. Muito para trás, na minha infância, mal sabendo ainda escrever, senti uma vez uma intensa comoção e rabisquei umas quantas palavras semi-rimadas, mas estranhas para mim, diferentes da linguagem quotidiana. Passei-as a limpo num papel, dominado por uma ansiedade profunda, um sentimento até então desconhecido, misto de angústia e de tristeza. Era um poema dedicado à minha mãe, ou seja, àquela que conheci como tal, a angélica madrasta cuja sombra suave me protegeu toda a infância. Completamente incapaz de julgar a minha primeira produção, levei-a aos meus pais. Eles estavam na sala de jantar, afundados numa daquelas conversas em voz baixa que dividem mais que um rio o mundo das crianças e o dos adultos. Estendi-lhes o papel com as linhas, tremente ainda da primeira visita da inspiração. O meu pai, distraidamente, tomou-o nas mãos, leu-o distraidamente, devolveu-mo distraidamente, dizendo-me:
— Donde o copiaste?

E continuou a falar em voz baixa com a minha mãe dos seus importantes e remotos assuntos. Julgo recordar que nasceu assim o meu primeiro poema e que assim tive a primeira amostra distraída de crítica literária.

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A Minha Religião é o Novo

A minha Religião é o Novo.
Este dia, por exemplo; o pôr do Sol,
estas invenções habituais: o Mar.
Ainda:
os cisnes a Ralhar com a água. A Rapariga mais bonita que
ontem.
Deus como habitante único.
Todos somos estrangeiros a esta Região, cujo único habitante
verdadeiro é Deus (este bem podia ser o Rótulo do nosso
Frasco).
Dele também se podia dizer, como homenagem:
Hóspede discreto.
Ou mais pomposamente:
O Enorme Hóspede discreto.
Ou dizer ainda, para demorar Deus mais tempo nos lábios ou
neste caso no papel, na escrita, dizer ainda, no seu epitáfio que
nunca chega, que nunca será útil, dizer dele:
em todo o lado é hóspede,
e em todo o lado é Discreto.

Eu Nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

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Bom e Expressivo

Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.

Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,

tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,

diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-

dra que rola na pedra…
Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,

a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo…

Árvores são poemas que a terra escreve para o céu. Nós as derrubamos e as transformamos em papel para registrar todo nosso vazio.

Um Eu Forte e Maduro

Precisamos de conhecer os papéis do Eu, que representa a capacidade de escolha. Entre esses papéis, o de ser autor da própria história, um protetor da mente, um jardineiro do território da emoção, um plantador de janelas light na memória da pessoa amada.

Discutir, gritar, impor ideias, não significa nem de longe ter um Eu forte, mas sim fraco. Dizer o que vem à mente, dizer sempre a verdade, nem sempre é a expressão de um Eu maduro, mas sim de alguém que não tem autocontrolo. Um Eu forte e maduro aquieta a sua ansiedade, protege a pessoa amada, pede desculpas sem medo, aponta primeiro o dedo a si próprio antes de falar dos erros do outro, repensa a sua história, exige menos e dá-se mais; não tem a necessidade neurótica de mudar as pessoas ao seu redor.

Como Manipular um Público

Segundo uma lei conhecida, os homens, considerados colectivamente, são mais estúpidos do que tomados individualmente. Numa conversa a dois, convém que respeitemos o parceiro, mas essa regra de conduta já não é tão indispensável num debate público em que se trata de dispor as massas a nosso favor.

Há uns anos, um político pagou a figurantes para o aplaudirem numa concentração. Como bom profissional, compreendera que uma claque, embora não melhore o discurso, predispõe melhor os espectadores a descobrirem os seus méritos. O mimetismo é a mola principal para mover as massas no sentido do entusiasmo, do respeito ou do ódio. Mesmo perante um pequeno público de trinta pessoas, há sempre algo de religioso que provém da coagulação dos sentimentos individuais em expressão colectiva. No meio de um grupo, é necessária uma certa energia para pensar contra a maioria e coragem para exprimir abertamente essa opinião.
Os manipuladores de opinião ou, para utilizar uma palavra mais delicada, os comunicadores, sabem que, para conduzir mentalmente uma assembleia numa determinada direcção, é necessário começar por agir sobre os seus líderes. A primeira tarefa consiste em determinar quem são, apesar de eles próprios não o saberem. Um manipulador não tarda a distinguir o punhado de indivíduos em que pode apoiar-se para influenciar os outros.

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Para a escrita de um texto literário, ter uma ideia é tão importante como ter um computador. Conseguir uma mesa é facultativo mas tem a sua importância. Uma folha de papel de nada serve sem uma esferográfica ou um lápis. Para escrever um texto literário, é absolutamente essencial escrevê-lo.

A Árvore da Sombra

A árvore da sombra
tem as folhas nuas
como a própria árvore ao meio-dia
quando se finca à terra
e espera
como um cão espera o regresso do dono.
Nós abrigamo-nos mais tarde ou mesmo agora num lugar
muito distante
onde o tempo recorta
um tapete que esvoaça no papel.
A casa da sombra
é branca e habitada.
Somos nós ainda
sentados ao fogo que o teu sorriso
acende e aconchega
no silêncio que ilumina
a árvore da sombra
para que a noite desenhe
o seu nome visível
e a sombra possa contemplar
Os ramos mais belos e o tronco mais esguio
do seu objecto.
Nesta sombra há um imenso amor
ao meio-dia.
A hora dos prodígios
é feita de segundos do tempo que há-de vir
e o horizonte
é a proximidade total da tua boca.