Passagens sobre Passado

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Frases sobre passado, poemas sobre passado e outras passagens sobre passado para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Soneto 575 Revisitado

Quem disse que o Natal é só mercado?
Por trás do panetone ou da castanha
está um publicitário, uma campanha,
o lucro, as estatísticas, o Estado.

É certo. Mas o espírito arraigado
mais dura que o presente que se ganha,
mais lembra que um peru, que uma champanha
a alguém com mais futuro que passado.

Pois ela, a criancinha, é quem segura
o tempo, em seu efêmero momento,
salvando algo de júbilo ou ternura.

Esqueça-se o comércio! Ainda tento
rever cada Natal, cada gravura
em meio a tanto adulto rabugento…

Quem te merece não te faz chorar, quem gosta cuida, o que está no passado tem motivos para não fazer parte do seu presente e os amigos ainda se contam nos dedos.

A Imaginação Humana é Imensamente Mais Pobre que a Realidade

A imaginação humana é imensamente mais pobre que a realidade. Se pensamos no futuro, vemo-lo sempre desenvolver-se segundo um sistema monótono. Não pensamos que o passado é um multicolor caos de gerações. Isto pode também servir para nos consolar dos terrores causados pela «barbárie técnica e totalitária» do futuro. Nos cem anos mais próximos poderá produzir-se uma sequência de, pelo menos, três momentos, e o espírito humano poderá, sucessivamente, viver na rua, na prisão e nos jornais.
O mesmo se pode dizer do futuro pessoal.

A tentação de quem desespera de Portugal comparando-o a um outro Portugal melhor, situado num passado irrecuperável ou num futuro impossível, é de deixar, eventualmente, de pensar em Portugal. No entanto, é esse o verdadeiro perigo: Portugal deixar de ser, para os portugueses, o problema doloroso e difícil que sempre foi, para passar a ser um mero paradeiro, um sítio onde se vive.

Quem Vos Levou De Mim, Saudoso Estado

Quem vos levou de mim, saudoso estado,
que tanta sem-razão comigo usastes?
Quem foi, por quem tão presto me negastes,
esquecido de todo o bem passado?

Trocastes-me um descanso em um cuidado
tão duro, tão cruel, qual m’ordenastes;
a fé, que tínheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.

Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercê,
amor com desamor me revolveu.

Bem sei que neste caso nada val,
que quem naceu chorando, justo é
que pague com chorar o que perdeu.

Beijos Mortos

Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa, por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos ao passado.

Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei, outrora, quanto pude,
porém mais deveria ter amado.

Choro. O remorso os nervos me sacode.
e, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero, inconsolado, explode.

E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado, quanto amar devia.

O Meu Cachimbo

Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.

Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.

Vejo passar a minha vida,
Como n’um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama…

Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.

E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d’Anto, aonde eu moro!
Alli, mettido no buraco,
Fumo e, a fumar, ás vezes… choro.

Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo…
Os meus amigos onde estão?

Não sei. Tral-os-á o «nevoeiro»…
Os trez, os intimos, Aquelles,
Estão na Morte, no extrangeiro…
Dos mais não sei, perdi-me d’elles.

Morreram-me uns. Por elles peço
A Deus, quando está de maré:
E, ás noites,

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A religião autêntica é uma experiência individual. Só um indivíduo pode ser religioso. O culto é um sistema estabelecido, uma organização e nada tem que ver com religiosidade. Explora, em nome da religião. Finge ser religioso e vive no passado.

Sensibilidade e Maturidade

Uma certa vivacidade de impressões, mais directamente dependentes da sensibilidade física, decresce com a idade. Ao chegar aqui, e sobretudo depois de ter aqui passado alguns dias, não senti, desta vez, essas vagas de tristeza ou de entusiasmo que este local me costumava comunicar, e cuja recordação, depois, me era tão doce.
Deixá-lo-ei, se calhar, sem a pena que outrora sentia. O meu espírito, por seu turno, tem hoje uma segurança muito maior, uma maior capacidade de fazer associações e de se exprimir; a inteligência cresceu, mas a alma perdeu parte da sua elasticidade e irritabilidade. E porque é que, ao fim e ao cabo, não partilhará o homem o destino comum de todos os outros seres?
Ao pegarmos num fruto delicioso, será justo pretender respirar ao mesmo tempo o perfume da flor? Foi preciso passar pela subtil delicadeza da nossa sensibilidade juvenil para chegar a esta segurança e maturidade do espírito. Talvez os grandes homens – é o que eu penso – sejam aqueles que, numa idade em que a inteligência possui já a sua plena força, ainda conservam parte dessa impetuosidade das impressões, que é própria da juventude.

Não são as palavras que distorcem o mundo, é o medo e a vontade. As palavras são corpos transparentes, à espera de uma cor. O medo é a lembrança de uma dor do passado. A vontade é a crença num sonho do futuro. Não são as palavras que distorcem o mundo, é a maneira como entendemos o tempo, somos nós.

Felicidade Perene e Felicidade Duradoura

Por entre as vicissitudes de uma longa vida, reparei que as épocas das mais doces delícias e dos prazeres mais vivos não são aqueles cuja lembrança mais me atrai e mais me toca. Esses curtos momentos de delíriro e paixão, por mais vivos que possam ter sido, não são, no entanto, e até pela sua própria intensidade, senão pontos bem afastados uns dos outros na linha da minha vida. Foram demasiados raros e demasiado rápidos para constituírem um estado, e a felicidade de que o meu coração sente saudades não é constituída por instantes fugidios, é antes um estado simples e permanente que em si mesmo não tem vivacidade, mas cuja duração aumenta o seu encanto ao ponto de nele encontrar finalmente a felicidade suprema.
Na terra, tudo vive num fluxo contínuo. Nada conserva uma forma constante e segura, e as nossas afeições, que se prendem às coisas exteriores, passam e, como elas, mudam. Sempre à nossa frente ou atrás de nós, elas lembram o passado que já não existe, ou prevêem o futuro que muitas vezes não será: não existe nada de sólido a que o coração possa prender-se. É por isso que, na terra, só existe prazer passageiro;

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Um homem sem memória é um homem sem passado. Mas um homem que não sabe fantasiar é um homem sem futuro.

É Possível Estarmos Todos Errados?

É possível (…) que não se tenha visto, conhecido e dito nada de real e importante? É possível que se tenha tido milénios para olhar, reflectir e anotar e que se tenha deixado passar os milénios como uma pausa escolar, durante a qual se come fatias de pão com manteiga e uma maçã?
Sim, é possível.
É possível que, apesar das investigações e dos progressos, apesar da cultura, da religião e da filosofia, se tenha ficado na superfície da vida? É possível que até se tenha coberto essa superfície – que, apesar de tudo, seria qualquer coisa – com um pano incrivelmente aborrecido, de tal modo que se assemelhe aos móveis da sala durante as férias de Verão?
Sim, é possível.
É possível que toda a História Universal tenha sido mal-entendida? É possível que o passado seja falso, precisamente porque sempre se falou das suas multidões, como se dissertasse sobre uma aglomeração de pessoas, em vez de falar de uma única, em torno da qual elas estavam, porque se tratava de um desconhecido que morreu?
Sim, é possível.
É possível que se tenha julgado ser preciso recuperar o que aconteceu antes de se ter nascido?

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Fímbria de Melancolia

Fímbria de melancolia,
memória incerta da dor,
ouço-a no gravador,
no fado que não se ouvia
quando ouvia o seu clamor.

Porque era já no passado
o presente dessa hora
e que me ressoa agora
a um outro mais alongado.

Assim a dor que se sente
no outro obscuro de nós
nunca fala a nossa voz
mas de quem de nós ausente,
só a nós próprios consente
quando não estamos nós
mas mais sós do que ao estar sós.

Onde então estamos nós?

A Torpe Sociedade onde Nasci

I

Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II

Que feliz eu era então e que alegria…
Que loucura a brincar, santo delírio!…
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p’ra o martírio!

III

Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz…

IV

E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V

Tuberculoso!… Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte…