Estes Homens
estes homens
abrem as portas
do sol nascenteconhecem os íntimos latejos
da cal as soltas águas
os fermentos as uvas
os cílios discretos do pãoamam as urzes e as fontes
o suor dos fenos
a febre moira de um corpo
de mulherestes homens
partem a pedra
com martelos de solidão
(os olhos abismados
nos goivos
da lonjura)erguem as paredes
as janelas crepusculares
as asfaimadas antenas das cidades:
céu de cimento; baba remota
do cansaçoestes homens
tamisam cores: viajam nos navios
pescam no cisco das pérolas
do vidro
são garimpeiros
de uma esponja
de coralmoldam nas forjas
as sílabas secretas
do ferro
afeiçoam os seixos e o linho
o bafo marítimo
das palavrasestes homens
dizem casa com dezembro
nas veias
ternura com a sede de uma seara
grávida
assobiam comovidos contra as sombras
trazem na algibeira
o trevo rugoso das cantigasestes homens:
guardadores de cabras
e de mágoas
de espantos e revoltas
servos emigrantes
contrabandistas
soldados andarilhos do mar
carabineiros da má sorte
trepadores das sete colinas
operários
azeitoneiros
ratinhos
levantam por maio
os cantis do lume: voz de musgo
concha entreaberta
estes homens
(pátria viva;
Passagens sobre Pátria
211 resultadosNão há poetas do amor, nem da pátria, nem de outra coisa de ordem social. A poesia é individual. A poesia não é para exprimir as emoções sociais. As emoções sociais exprimem-se pela acção, cada emoção social pela acção relativa a ela. A poesia existe para exprimir aquilo que as acções e os gestos não podem exprimir.
O Corpo
Ante as portas desgarradas, paradoxal
é a morte: impossível, feito realidade,
acaso predito. Corpo, deus imortal,
para sempre cego e mudo, abandona-te ao livrear. Que te transformes e assemelhes à noite.
Tempestade final das sombras, foste, corpo,
respiração com voz, área que habitaste,
vária e discordante, a cada movimento.E agora que a luz desfalece e não a tocas,
nem por ela és tocado, a palavra deixou
de ser a tua pátria e não mais esfoliaso espaço. Agora, que já nada mudará,
nenhuma eternidade te rescende. A morte
petrifica o frágil espaço que foi teu.
Como Ulisses te busco e desespero
Como Ulisses te busco e desespero
como Ulisses confio e desconfio
e como para o mar se vai um rio
para ti vou. Só não me canta Homero.Mas como Ulisses passo mil perigos
escuto a sereia e a custo me sustenho
e embora tenha tudo nada tenho
que em te não tendo tudo são castigos.Só não me canta Homero. Mas como U-
lisses vou com meu canto como um barco
ouvindo o teu chamar – Pátria Sereia
Penélope que não te rendes – tuque esperas a tecer um tempo ideia
que de novo o teu povo empunhe o arco
como Ulisses por ti nesta Odisseia.
Que Vençais No Oriente Tantos Reis
Que vençais no Oriente tantos Reis,
que de novo nos deis da Índia o Estado,
que escureceis a fama que ganhado
tinham os que a ganharam a infiéis;que do tempo tenhais vencido as leis,
que tudo, enfim, vençais co tempo armado,
mais é vencer na pátria, desarmado,
os monstros e as Quimeras que venceis.E assi, sobre vencerdes tanto imigo,
e por armas fazer que, sem segundo,
vosso nome no mundo ouvido seja,o que vos dá mais nome inda no mundo,
é vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
tantas ingratidões, tão grande enveja!
Pela Pátria
Ouve, meu Filho: cheio de carinho,
Ama as Árvores, ama. E, se puderes,
(E poderás: tu podes quanto queres!)
Vai-as plantando à beira do caminho.Hoje uma, outra amanhã, devagarinho.
Serão em fruto e em flor, quando cresceres.
Façam os outros como tu fizeres:
Aves de Abril que vão compondo o ninho.Torne fecunda e bela cada qual,
a terra em que nascer: e Portugal
Será fecundo e belo, e o mundo inteiro.Fortes e unidos, trabalhai assim…
– A Pátria não é mais do que um jardim
Onde nós todos temos um canteiro.
É escravo de seu povo todo homem útil à pátria.
O mundo inteiro está aberto ao homem sábio, pois a pátria de um espírito de escol é o universo.
A Palavra
…Tudo o que você quiser, sim senhor, mas são as palavras que cantam, que sobem e descem… Prosterno-me diante delas… Amo–as, abraço-as, persigo-as, mordo-as, derreto-as… Amo tanto as palavras… As inesperadas… As que glutonamente se amontoam, se espreitam, até que de súbito caem… Vocábulos amados… Brilham como pedras de cores, saltam como irisados peixes, são espuma, fio, metal, orvalho… Persigo algumas palavras… São tão belas que quero pô-las a todas no meu poema… Agarro-as em voo, quando andam a adejar, e caço-as, limpo-as, descasco-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas… E então revolvo-as, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as, liberto-as… Deixo-as como estalactites no meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas… Tudo está na palavra… Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de lugar, ou porque outra se sentou como um reizinho dentro de uma frase que não a esperava, nas que lhe obedeceu… Elas têm sombra, transparência, peso, penas, pêlos, têm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raízes… São antiquíssimas e recentíssimas… Vivem no féretro escondido e na flor que desponta…
A ciência não tem pátria.
O verdadeiro patriotismo, isto é, o que concilia a pátria com a humanidade.
Eu não tenho culpa nenhuma de ser português, mas sinto a força para não ter, como vós outros, a cobardia de deixar apodrecer a pátria.
A nossa pátria está onde somos amados.
Pequena América
Quando vejo a forma
da América no mapa,
amor, é a ti que eu vejo:
as alturas do cobre em tua cabeça,
os teus peitos, trigo e neve,
a tua cintura delgada,
velozes rios que palpitam, doces
colinas e prados
e no frio do sul teus pés completam
a sua geografia de ouro duplicado.Amor, se te toco,
minhas mãos não percorrem
apenas as tuas delícias,
mas ramos e terras, frutos e água,
a primavera que eu amo,
a lua do deserto, o peito
das pombas selvagens,
a suavidade das pedras polidas
pelas águas do mar ou dos rios
e a vermelha espessura
dos matagais onde
a sede e a fome espreitam.
E assim a minha extensa pátria me recebe,
pequena América, em teu corpo.Mais ainda: quando te vejo reclinada,
em tua pele eu vejo, em tua cor de aveia,
a nacionalidade do meu carinho.
Porque dos teus ombros
fita-me, inundado de escuro suor,
o cortador de cana
de Cuba abrasadora,
e através da tua garganta
pescadores que tiritam
nas húmidas casas do litoral
cantam-me o seu segredo.
Lydia
A Esther
Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que não crê na vida,
E não pensa sequer na mãe querida
Que te contempla cheia de saudade.Pobre inocente! Se alegrar quem há-de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botão, caída,
O que irás tu fazer na eternidade?Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tê-las,
De certo, não será nas sepulturas.Fica entre nós, irmã das andorinhas:
Deus fez do Céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mães o Céu das criancinhas.
Não queiras ter pátria, não dividas a terra, não arranques pedaços ao mar. Nasce bem alto, que todas as coisas serão tuas…
Elogio da Amada
Ei-la que vem ubérrima numerosa escolhida
secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados
Vem sentada na nova primavera
cercada de sorrisos no regaço lírios
olhos feitos de sombra de vento e de momento
alheia a estes dias que eu nunca consigo
Morde-lhe o tempo na face as raízes do riso
começa para além dela a ser longe
A amada é bem a infância que vem ter comigo
Há pássaros antigos nos límpidos caminhos
e mortes como antes nunca mais
Ei-la já que se estende ampla como uma pátria
no limiar da nossa indiferença
Os nossos átrios são para os seus pés solitários
Já todos nós esquecemos a casa dos pais
ela enche de dias as nossas mãos vazias
A dor é nela até que deus começa
eu bem lhe sinto o calcanhar do amor
Que importa sermos de uma só manhã e não haver
em volta
árvore mais açoitada pelos diversos ventos?
Que importa partirmos num desmoronar de poentes?
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão
multiplicando-lhe a ausência que importa
se onde pomos os pés é primavera?
Canção tão simples
Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?
Os Grandes Indiferentes
Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
A Crise da Indiferença e do Desalento
Hoje mais do que nunca, nesta hora angustiosa que atravessa o País, mantenho os Meus indiscutíveis direitos ao Trono de Meus Maiores. (…) Politicamente: a desunião, a anarquia e o terror, verdadeiras significações do bolchevismo. Economicamente: a fome a bater à porta dos pobres especialmente, a fome a aliada mais poderosa da desordem. Financeiramente: a ruína que cada dia se aproxima, pois basta ver o que são hoje a nossa circulação fiduciária, a nossa dívida e o descrédito do dinheiro português. Na nossa situação internacional melhor é nem falar, tão graves são as apreensões que acerca dela surgem de todos os lados. Por cima de todas estas coisas, há uma outra pior ainda, se possível é: a crise da indiferença e do desalento! (…) Não abdicamos dos nossos princípios, pois representam aqueles que durante séculos fizeram a glória de Portugal, mas quando vemos o nosso País afundar-se é nosso dever oferecer à Mãe Pátria os nossos serviços para a socorrer.