Só dos Mortos Devemos Ter Ciúmes
Só dos mortos devemos ter ciúmes; acordar
de entre as pedras doentes dolorosos
que da beira das arribas nos atirem ao porto
onde enfim se encontre a nossa angústia.
Só eles lutam palmo a palmo pelo espaço
em que já vertical erguemos nosso braço
em busca de que sumo ou de que céu. É que só eles
nos retiram da cama de que por nós foi feita
a escolha: a macieza intensa que julgámos
eterna, que nos parecia tão cordatamente
entregue à nossa própria suma sumaúma.
Só os mortos, horror, inda que vivos, vivem
paredes meias com os nossos dedos, logo afastam
os momentos ferozes que tocássemos, e as nuvens
por sobre o mar dos olhos: é bem feito,
dizem os meninos. Pois que dos vivos vivos
a vida nos desvia e nisso nos conduz, assaz
encaminhados pelo que vamos querendo.
Só os mortos nos mordem, nos apontam
a dedo frio e tenso, entorpecem desejos
e, pois pior, só eles nos expulsam
do vero som dos sinos numa entrega
às palavras baldadas do comércio.
A luta clara que sonhada fosse
pela mão dada e limpa que nos dessem
tropeça,
Passagens sobre Pedras
521 resultadosInscrição
Ama silenciosamente o teu destino.
Nem pátria nem palavras memoráveis
farão durar a luz nos teus sentidos:
alguns objectos que te lembrem, poucos livros
e versos que sílaba a sílaba transfiguras
até entardecer cada palavra.Teces o teu tremor. E sobre a pedra
a marca que ficar será de ausência.
«Tu, Simão, és Pedro – ou seja, pedra, rocha-, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.»
Também hoje, connosco, Jesus quer continuar a construir a Sua Igreja, uma casa com alicerces fortes, mas onde não faltam fendas e que tem uma constante necessidade de reparações.
Sentimo-nos apenas pequenas pedras. Todavia, nenhuma pequena pedra é inútil; nas mãos de Jesus, a mais pequena pedra torna-se preciosa.
Prende o Teu Coração ao Meu
De noite, amada, prende o teu coração ao meu
e que no sono eles dissipem as trevas
como um duplo tambor combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.Nocturna travessia, brasa negra do sono
interceptando o fio das uvas terrestres
com a pontualidade dum comboio desvairado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.Por isso, amor, prende-me ao movimento puro,
à tenacidade que em teu peito bate
com as asas dum cisne submerso,para que às perguntas estreladas do céu
responda o nosso sono com uma única chave,
com uma única porta fechada pela sombra.
As Nuvens
Hei-de aprender um ofício de que goste, há tão poucos, talvez carpinteiro, ou pedreiro. Construiria uma casa neste chão de areia com pedras húmidas, lisas ou cheias de limos, frias, são tão bonitas, com seus veios cruzando-se, ou afastando-se de costas uns para os outros. Havia de meter-me por esses miúdos caminhos de chibas para ver, ao fim da tarde, chegar os saltimbancos em toda a sua glória, que me apontam as nuvens lentas, muito brancas, afastando-se.
Conduta e Poesia
Quando o tempo nos vai comendo com o seu relâmpago quotidiano decisivo, as atitudes fundadas, as confianças, a fé cega se precipitam e a elevação do poeta tende a cair como o mais triste nácar cuspido, perguntamo-nos se já chegou a hora de envilecermos. A hora dolorosa de ver como o homem se sustém a puro dente, a puras unhas, a puros interesses. E como entram na casa da poesia os dentes e as unhas e os ramos da feroz árvore do ódio. É o poder da idade, ou proventura, a inércia que faz retroceder as frutas no próprio bordo do coração, ou talvez o «artístico» se apodere do poeta e, em vez do canto salobro que as ondas profundas devem fazer saltar, vemos cada dia o miserável ser humano defendendo o seu miserável tesouro de pessoa preferida?
Aí, o tempo avança com cinza, com ar e com água! A pedra que o lodo e a angústia morderam floresce com prontidão com estrondo de mar, e a pequena rosa regressa ao seu delicado túmulo de corola.
O tempo lava e desenvolve, ordena e continua.
E que fica então das pequenas podridões, das pequenas conspirações do silêncio, dos pequenos frios sujos da hostilidade?
Não deixe a pedra desvirada.
A alegria é a pedra filosofal que tudo converte em ouro.
O Coração
Que jogo jogas, comédia ou lágrima? Cor
suspensa. Prodígio doendo. Enganador
relâmpago. Donde se enreda esta coragem
que chora ao riso e ri à dor? Quatro sãoas pedras mestras do teu jogo. Dois cavalos
e os reis. Melancólicos actores. Vazia, a
plateia. O tempo ferido. O peão fugitivo.
A emoção real do presságio. O acenocordial do outro lado do jogo. Inscrição
única do pólen, jogada que se arrasta.
Gota de tédio na lonjura das casas.O fecho do jogo se conclui. Muda o rosto a
visão possível. Cordato, o lance destrói
a memória do que já não vejo ou sei.
Sustenta Meu Viver Üa Esperança
Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tão desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
üa nova matéria a meu cuidado .Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.
Canto
… e o vento,
o vento dos altos a que me dei,
a ti me trouxe
a ti me entregou.
Se em mim já estavas!
Pela boca, pelos olhos e pelas mãos,
arreigado e voraz,
meu invasor enternecido.Cinco vidas, nada menos,
cinco vidas querias ter.
Cinco vidas…
Mas uma, apenas, ardente, violenta e dissipada,
uma só não te bastaria?
Uma,
quintuplicada, centuplicada na hora inefável,
no momento embriagado…
Uma, para me dares, para eu de ti receber,
vergada, sucumbida?
É primavera! saíu-me da boca.
E tu sorriste.
Sorriste, creio.
Primavera e todas as estações…
Chuva e sol, tempo sem idade.Aqueles suaves, langues verdes, tão cariciosos;
os redondos troncos
e os musgos fofos;
os melros agrestes
e as campainhas roxas daquelas flores da minha infância,
de que me ensinaste o nome tão doce, tão estranho…
E as loucas nuvens corredias
e as pedras hieráticas
e as veredas amáveis,
como se os ofereciam!
Amavam-nos,
Não o viste?
No passo certo em que ambos íamos
tudo,
Quem vai em busca dos montes não se detém a recolher as pedras do caminho!
Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque não respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.
O primeiro humano que xingou a seu inimigo em vez de atirar-lhe uma pedra foi o fundador da civilização.
A Felicidade Provém da Plena Posse das Suas Faculdades
O ódio à razão, tão frequente nos nossos dias, é devido em grande parte ao facto dos movimentos da razão não serem concebidos duma forma suficientemente fundamental. O homem dividido contra si mesmo procura estímulos e distracções; ama as paixões fortes, não por razões profundas, mas porque momentâneamente elas lhe permitem evadir-se de si próprio e afastam dele a dolorosa necessidade de pensar.
Toda a paixão é para ele uma forma de intoxicação, e desde que não pode conceber uma felicidade fundamental, a intoxicação parece-lhe o único alívio para o seu sofrimento. Isso, no entanto, é o sintoma duma doença de raízes profundas. Quando não há tal doença, a felicidade provém da plena posse das suas faculdades. É nos momentos em que o espírito está mais activo, em que menos coisas são esquecidas que se sentem alegrias mais intensas. Esta é, sem dúvida, uma das melhores pedras de toque da felicidade. A felicidade que exige intoxicação de não importa que espécie, é falsa e não dá qualquer satisfação. A felicidade que satisfaz verdadeiramente é acompanhada pelo completo exercício das nossas faculdades e pela compreensão plena do mundo em que vivemos.
Sempre somos capazes de dar algo mais; mesmo nas pedras germinam as flores.
A obra de arte cria-se com o seu contexto histórico, como uma estátua se cria com a pedra de que se faz.
Que amor não me engana
Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amarguraDuma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vaziaE as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu gritoMuito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beiraEm novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela PrimaveraAssim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia
Assim Esqueço
Assim esqueço
e me renego.
Assim me abro
me aperto
e renasço ou desespero.Assim me ergo
no cume deste lume
que não enxergo.Assim me entrego
me prendo
reaprendo o que sonego.Assim me transpasso
e integro o aço que me caça
com a brasa de sua acha.Assim a hora e sua mora
assim do tempo os juros
que pago e não reclamo.Assim — que não se apaga
— este fogo, cresce e lastra
o laivo túrgidode um astro que me castra
e no chão fúlgido de minha queda
(urtiga que medra e me exaspera)de era em era
de pedra em pedra
caído em meu mistérioassim de raiva
e sonho recomeço.
Adeus
A ti, que em astros desenhei nos céos,
A ti, que em nuvens desenhei nos ares,
A ti, que em ondas desenhei nos mares,
A ti, bom anjo! o derradeiro adeus!Parto! Se um dia (que é possivel flôr!)
Vires ao longe negrejar um vulto,
Sou eu que aos olhos d’esta gente occulto
O nosso immenso desgraçado amor.Talvez as féras ao ouvir meus ais,
As brutas selvas, as montanhas brutas,
Concavas rochas, solitarias grutas,
Mais se condoam, se commovam mais!E lá d’aquellas solidões se aqui
Chegar gemido que uma pedra estala,
Que um cedro vibra, que um carvalho abala,
Sou eu que o solto por amor de ti…De ti! que em folha que varrer o ar,
Em rama, em sombra que bandeie a aragem,
De fito sempre n’essa cara imagem
Verei, sorrindo, sentirei passar!De ti, que em astros desenhei nos céos!
De ti, que em nuvens desenhei nos ares!
De ti, que em ondas desenhei nos mares,
E a quem envio o derradeiro adeus!