A Intimidade do Escritor
HĂĄ quase um ano sozinho, na antiga vida de solteirĂŁo. Tem sido duro, mas Ăștil. De vez em quando faz-me bem estar sĂł e desamparado. Ă nessas horas que sinto mais profundamente a significação de uma mulher ao lado do artista. A histĂłria literĂĄria exibe prodigamente o cenĂĄrio feminino e mundano que aconchega os criadores e lhes embeleza a vida. Mas diz-nos pouco das companheiras quotidianas, domĂ©sticas e anĂłnimas, a verem nascer a obra, a aquecĂȘ-la com chĂĄvenas de chĂĄ, e a renunciarem Ă alegria de a conhecer na emoção virginal de um leitor apanhado de surpresa. E nada de mais significativo e decisivo do que essa ajuda e do que essa renĂșncia. As RĂ©camiers sĂŁo o estĂmulo de fora, higiĂ©nico e lisonjeiro; enquanto que as outras, Ăntimas e apagadas, empurram o carro trĂŽpego da criação debaixo de todos os ventos, e sem aplausos no fim. O seu lema Ă© a aceitação calma e confiante dos desĂąnimos, dos rascunhos, das mil tentativas falhadas. E quando a obra, finalmente acabada, empolga o pĂșblico, jĂĄ tem atrĂĄs de si um tal cansaço, uma tal soma de horas desesperadas, que sĂł com um grande amor a podem ainda olhar.
Por esse amor nĂŁo existir,
Passagens sobre PenitĂȘncia
23 resultadosArrependimento Imoral
O homem a quem o arrependimento, apĂłs o pecado, impĂ”e grandes exigĂȘncias morais, expĂ”e-se Ă acusação de ter tornado a sua tarefa demasiado fĂĄcil. NĂŁo praticou o que Ă© essencial na moral, a renĂșncia; com efeito, o comportamento
moral ao longo da vida Ă© exigido em função dos interesses prĂĄticos da humanidade. O homem citado recorda-nos os bĂĄrbaros das grandes ondas migradoras, que matavam e depois faziam penitĂȘncia, e para os quais fazer penitĂȘncia acabou por se tornar uma tĂ©cnica facilitadora do assassĂnio.
ConfissĂŁo
Trinta e nove anos. Meia vida passada, se isto se for aguentando, tomba daqui, tomba dali. E tudo por fazer! Comecei tarde, sem nenhuma preparação, e com defeitos horrĂveis, que tenho ido limando pouco a pouco, mas que resistem como fortalezas. Nasci afirmativo demais, puritano demais, uno demais, apesar duma timidez confrangedora, duma aceitação natural da volĂșpia e duma dispersĂŁo aflitiva a cada instante. Tenho medo dum polĂcia e sou capaz de enfrentar um exĂ©rcito; passo a vida a praticar virtudes que proĂbo terminantemente aos outros; escrevo um poema, a dar uma consulta. De maneira que nunca consegui encontrar aquele equilĂbrio criador onde julgo existir o pomar das grandes obras. Debato-me entre forças contraditĂłrias, e ao cabo de cada livro sinto-me insatisfeito e culpado como um pecador que nĂŁo cumpriu bem a sua penitĂȘncia. NĂŁo tenho ambiçÔes fora da arte, e, dentro dela, sĂł desejo conquistar a glĂłria de a ter servido humilde e totalmente; mas nĂŁo consegui ainda dar-lhe tudo, jogar a vida e a morte por ela. Para isso era preciso calcar aos pĂ©s o homem civil que sou, e nĂŁo posso. Necessito de ter as minhas contas em dia como qualquer mortal honrado, e afligem-me os assuntos do mundo como casos pessoais.