Eu tenho um par de sapatos Prada. Eles fazem meus pés doerem.
Passagens sobre PĂ©s
670 resultadosQuando os seus pés deixaram a pressa,
que tolhe a nobreza a todo o acto…
Quer-te Muito a Tua Mulherzinha
Recebi ontem à noite o telegrama que mandaste da Foz. Desejo que tivesses encontrado tudo bem na nossa casinha. Espero com ansiedade a primeira cartinha tua que já cá devia estar. Estou a escrever-te sentada a uma janela com o papel em cima dum livro e o tinteiro no chão; é 1 hora e meia, a hora de ir até às galinhas a ver se já havia algum ovo.
Há quanto tempo isso foi! Escreve para cá só até ao dia 23 ou 24 porque dia 26 pela manhã partimos para Vila Viçosa. O carnaval é dia 8 e já vejo que para minha desgraça o vou passar no covil enjaulada como as feras perigosas. Pouca sorte a da pobre Bela! Não posso ainda hoje falar com o advogado nem amanhã que é domingo, de forma que só segunda-feira te poderei dizer qualquer coisa a esse respeito. Há só um comboio dia sim dia não para Lisboa de forma que não estranhes nem te inquietes por alguma pequena demora na correspondência.
AĂ vai um belo soneto que as saudades tuas me trouxeram ontem; sĂł quando estou triste sei fazer versos com jeito como esses. Provavelmente nĂŁo gostas…
Um Segredo de um Casamento Feliz
Desde que a Maria JoĂŁo e eu fizemos dez anos de casados que estou para escrever sobre o casamento. Depois caĂ na asneira de ler uns livros profissionais sobre o casamento e percebi que eu nĂŁo percebo nada sobre o casamento.
Confesso que a minha ambição era a mais louca de todas: revelar os segredos de um casamento feliz. Tendo descoberto que são desaconselháveis os conselhos que ia dar, sou forçado a avisar que, quase de certeza, só funcionam no nosso casamento.
Mas vou dá-los à mesma, porque nunca se sabe e porque todos nós somos muito mais parecidos do que gostamos de pensar.
O casamento feliz não é nem um contrato nem uma relação. Relações temos nós com toda a gente. É uma criação. É criado por duas pessoas que se amam.
O nosso casamento é um filho. É um filho inteiramente dependente de nós. Se nós nos separarmos, ele morre. Mas não deixa de ser uma terceira entidade.
Quando esse filho Ă© amado por ambos os casados – que cuidam dele como se cuida de um filho que vai crescendo -, o casamento Ă© feliz. NĂŁo basta que os casados se amem um ao outro.
Ao Pé da Letra Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta.
És como o Ar que Respiro
Qual Ă© a força extraordinária que possuis? — pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou trĂŞs princĂpios cristĂŁos inabaláveis — e por trás milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pássaros aquecem o ninho. Sua vida dá luz, para alumiar os outros. Foi assim com tĂŁo pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silĂŞncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ágeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.
E como tu milhares de seres tĂŞem cumprido a vida em silĂŞncio, aceitando-a sem exageros. Nas mĂŁos das mulheres atĂ© as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pĂŁo, lançar a teia — assumem um carácter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispõem dum poder extraordinário. MantĂŞem a vida ordenada com um sorriso tĂmido. A mulher está mais perto que nĂłs da natureza e de Deus.
Cada vez me aproximo mais de ti. O que há de puro em mim a ti o devo.
A Velha Angra
Olhou sobre a velha Angra, aninhada aos pés do Monte Brasil, as araucárias erguendo-se contra o céu cinzento. Esquadrinhou com o olhar as suas ruas, os seus solares e palácios, as suas igrejas. Imaginou marinheiros e mercadores, saltimbancos e aventureiros a caminho das sete partidas do mundo. Charlatães bebiam vinho com missionários, soldados negociavam serviços com prostitutas, piratas persuadiam navegadores ao serviço do rei sobre novas e mais rentáveis rotas, de encontro ao Vento Carpinteiro. Havia escravos e bêbedos, burocratas e crianças furtivas, freiras e casais de condenados com destino ao Brasil, e toda essa gente circulava pela cidade como se fosse o seu sangue, incerto e veloz, bombeado por um coração descompassado que era o próprio movimento do mar, furioso, naufragando naus e galeões como numa tela de Vernet.
Ăšltimas Vontades
Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovĂvel, era
Espelho de pés leves, depois lassos!E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento…— VaivĂ©m sexual, que o mar lega aos defuntos? —
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!
Muito tempo há que a mentira se tem posto em pés de verdade, ficando a verdade sem pés e com dobradas forças a mentira.
Barriga cheia, pé dormente.
Soneto Para EugĂŞnia
O tempo que te alonga todo dia
é duração que colhes na paisagem,
tĂŁo distante e tĂŁo perto em ventania,
sitiando limites na viagem.Desse mar que se afasta em maresia
o vago em teu olhar se faz aragem
nas vagas que se vĂŁo em vaga via
vigia de teus pés no vão das margens.E o fio da teia vai fugindo fosco,
irreparável névoa pressentida
nos livros que nĂŁo leste, nesses poucosmomentos que sobravam da medida.
AngĂşstia de ponteiros, sol deposto,
no tédio das desoras foge a vida.Vida que bem mereces por inteiro,
e Ă© pouca a que te dou de companheiro.
Soneto Da Ilha
Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alĂsios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia
E a uma nudez qualquer ávida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distância
Era tambĂŞm um mar que me molhava o sono.E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexoEstelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.
Amo-te com Toda a Loucura dos Meus Primeiros Anos
Meu anjo, minha vida, que sei eu mais? Amo-te com toda a loucura dos meus primeiros anos. Volto a ser para ti o irmĂŁo da AmĂ©lie; esqueço tudo desde que tu consentiste que eu caĂsse a teus pĂ©s. Sim, espero-te Ă beira mar, onde tu quiseres, muito longe do Mundo. Enlacei finalmente esse sonho de felicidade que há tanto tempo persigo. Foi a ti que eu adorei tanto tempo antes de te conhecer. Serás a minha vida; verás o que ninguĂ©m poderá saber senĂŁo apĂłs a minha morte; depositá-lo-ei nas mĂŁos daquele que virá depois de nĂłs. Acolhe tudo o que aqui ponho para ti. AmanhĂŁ Ă s duas horas serei eu quem irá pedir-to.
Toada Para Solo De Ocarina
Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalhacomo tapete denso em chĂŁo de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhadoNesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco Ă©brio que sempre desafinaE colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud
Despede Teu Pudor
Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memĂłria
Uma nudez nascida para a glĂłria
Sofrer de meu olhar que te heroĂzaTudo teu corpo tem, nĂŁo te humaniza
Uma cegueira fácil de vitória
E como a perfeição não tem história
SĂŁo leves teus enredos como a brisaConstante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opõe à luta e luto
E tombo como um sol abandonadoEnquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.
Da Nossa Semelhança com os Deuses
Da nossa semelhança com os deuses
Por nosso bem tiremos
Julgarmo-nos deidades exiladas
E possuindo a Vida
Por uma autoridade primitiva
E coeva de Jove.Altivamente donos de nĂłs-mesmos,
Usemos a existĂŞncia
Como a vila que os deuses nos concedem
Para, esquecer o estio.
NĂŁo de outra forma mais apoquentada
Nos vale o esforço usarmos
A existĂŞncia indecisa e afluente
Fatal do rio escuro.Como acima dos deuses o Destino
É calmo e inexorável,
Acima de nĂłs-mesmos construamos
Um fado voluntário
Que quando nos oprima nĂłs sejamos
Esse que nos oprime,
E quando entremos pela noite dentro
Por nosso pé entremos
Alegra-te quando sofres. Teus pés não sofrem quando adormecem, mas sim quando está passando a dormência.
A InfluĂŞncia dos Livros
Não há dúvida nenhuma: se um leitor não se tem firme nos pés diante de certos livros e de certos autores, acontece-lhe como quando a gente se debruça a uma alta janela e olha com adesão exagerada para o fundo: atira-se dali abaixo. E coisa curiosa: tanto monta que o aceno venha dum clássico, como dum romântico, como dum realista, como dum futurista. Desde que a mão feiticeira que o faz saiba da sua poda, um homem, que ainda ontem era enforcado de Villon, passa a satânico de Baudelaire sem qualquer cerimónia.
Distância
Não vás para tão longe!
Vem sentar-te
Aqui na chaise-longue, ao pĂ© de mim…
Tenho o desejo doido de contar-te
Estas saudades que não tinham fim.Não vás para tão longe;
Quero ver
Se ainda sabes olhar-me como d’antes,
E se nas tuas mĂŁos acariciantes,
Inda existe o perfume de que eu gosto.Não vás para tão longe!
Tenho medo
Do silĂŞncio pesado d’esta sala…
Como soluça o vento no arvoredo!
E a tua voz, amor, como se cala!Não vás para tão longe!
Antigamente,
Era sempre demais o curto espaço
Que havia entre nĂłs dois…
Agora, um embaraço,
Hesitas e depois,
Com um gesto de tédio e de cansaço,
Achas inconveniente
O meu abraço.Não vás para tão longe!
Fica. Inda Ă© tĂŁo cedo!
O vento continua a fustigar
Os ramos sofredores do arvoredo,
E eu ponho-me a pensar
E tenho medo!Não vás para tão longe!
Na sombra impenetrada,
Como se agita e se debate o vento!…
Paira nas velhas ruĂnas do conventoQue alĂ©m se avista,
Em brigas, valer de pés.