O Irracional no Amor
Se é ridículo beijar uma mulher feia, também é ridículo dar um beijo a uma beleza. A presunção de que amando de uma certa maneira se tem o direito de rir do vizinho que tem outra maneira de amar, não vale mais do que a arrogância de certo meio social. Tal soberba não põe ninguém ao abrigo do cómico universal, porque todos os homens se encontram na impossibilidade de explicar a praxe a que se submetem, a qual pretende ter um alcance universal, pretende significar que os amantes querem pertencer um ao outro por toda a eternidade, e, o que mais divertido é, pretende também convencê-los de que hão-de cumprir fielmente o juramento.
Que um homem rico, muito bem sentado na sua poltrona, acene com a cabeça, ou volte a cara para a direita e para a esquerda, ou bata fortemente com um pé no chão, e que, uma vez perguntado pela razão de tais actos, me responda: «não sei; apeteceu-me de repente; foi um movimento involuntário», compreendo isso muito bem. Mas se ele me respondesse o que costumam responder os amantes, quando lhes pedem que expliquem os seus gestos e as suas atitudes, se me dissesse que em tais actos consistia a sua maior felicidade,
Passagens sobre Pés
670 resultadosNenhum homem alguma vez atingiu sucesso valioso quem não tenha, uma vez ou outra, se encontrado com pelo menos um pé balançado bem em cima da beira do fracasso.
O Segredo da Vida
quando acordo e os teus pés enrolados nos meus,
acordar é isto ou então não é nada disto, nem sequer acordar,
a vida a acontecer lá fora, carros, pessoas, corridas e medos, e nós numa paz inquieta,
o segredo da vida é inquietar levemente a paz, dar-lhe desassossego, e depois aparecer para a resgatar completa, adormecê-la nos braços, protegê-la do que não pára,
viver é isto ou então não é nada disto, nem sequer viver,
o segredo da vida é protegê-la do que não pára,
e nunca parar.
Ela Ia, Tranquila Pastorinha
Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha…“Em longes terras hás de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vão…
Seu vulto perde-se na escuridão…
Só sua sombra ante meus pés caminha…Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastoraSó sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…
A boa lavadeira na ponta do pé lava.
Noiva
Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véu
como em flocos de espuma, espalhado no chão…
No ar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu,
e leva um céu maior dentro do coração…Nos lábios… Ah! nos lábios o sabor do mel,
e uma carícia em flor se entreabre em cada mão,
– e que tremor no braço, ao deixar no papel
o nome dela, o dele… os dois desde então…Quem lhe falou da vida ? A vida é um sonho, a vida
é esse caminho azul, esse estranho embaraço
de sentir-se ao seu lado adorada e querida…Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu…
Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braço
não pensa que caminha em direção ao céu ?…
Quando Eu não te Tinha
Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima …
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza …
Tu mudaste a Natureza …
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Um homem caminhava a pé, ofegante, carregando um fardo pesado. Nisso, um carroceiro passou e, penalizado, ofereceu-lhe carona. Contente, o homem subiu na carroça, mas continuou com o fardo nas costas. Então o carroceiro disse: ‘Pode descarregar o fardo, pois não vou cobrar o carreto’. E o homem: ‘Já é um grande favor o senhor me transportar; por isso, eu mesmo levo este fardo’. Esta é uma anedota irlandesa. Deus do mundo da Imagem Verdadeira é o todo de tudo e transporta-nos com fardo e tudo. Logo, não há necessidade de carregarmos nosso fardo, estando na ‘carroça de Deus’.
Anjo No Nome, Angélica Na Cara
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?Quem veria uma flor, que não a cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatra?Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
Presença
Só saberei de ti pelos teus olhos,
que falam mais que a tua fala pouca.
Doce memória (irei buscar-te sempre)
encilhada a essa égua dos minutos,onde os ponteiros trotam meus desejos,
avivando a paisagem na lembrança
vinda de ti, e em mim reconstruída.
Essa presença, em passos e pegadas,passeia no meu corpo, agora estrada,
caminho teu; submisso, eis meu segredo.
Que abrigar teus pés, possa, novamente,o meu sereno peito fatigado.
Este que anseia teu corpo presente
olho no olho na véspera do gozo.
O caminho aguarda os pés, que enveredam por outro caminho.
As Entranhas da Terra na Vida de um Homem
Ao fim dos primeiros dias de trabalho, deu por si de pé no centro do corredor, percorrendo as divisões com o olhar, e julgou perceber melhor a massa de que era feito o seu povo. Tudo oxidava. Os metais oxidavam, as madeiras oxidavam, as paredes e os tecidos e os objectos oxidavam — e o que não oxidava enchia-se de salitre, ressequia ao sol ou, sobrevivendo aos abalos de terra, tombava à fúria do vento. E, no entanto, havia algo de belo nisso também, como se ao cabo de uma só vida um homem pudesse dizer, sem grande esforço metonímico, que as entranhas da Terra se revolviam no interior do seu próprio estômago.
Soneto II – A Uma Inconstante
De uma ingrata em troféu despedaçado
Meu coração devora amor cruento,
Trocando em fero e bárbaro tormento
Quantos prazeres concedeu-me o fado.No seio d’alma, já dilacerado,
Negras fúrias do báratro apascento!
Filtra-me o delirante pensamento
De zelos negro fel envenenado.Desprezo, ingratidão, fria esquivança
Da cruel por quem morro, em tal procela
Apagaram-me a estrela da esperança.E eu (ao confessá-lo a dor me gela)
Humilhado a seus pés, minha vingança
É carpir, delirar, morrer por ela.
Às Cambalhotas Sempre Anda a Través
Às cambalhotas sempre anda a través
O Mundo, sem poder-se endireitar.
Velho, bêbado e tonto, a cambalear,
Já não pode suster-se sobre os pés.Tudo nele se vê hoje de invés
Pois seu eixo quebrou, anda a rolar
Não há homem que o possa consertar:
Só se for, do Arquitecto a mão que o fez.Tornou-se num pião: qualquer rapaz
O faz dar quatro voltas c’um cordel
E na palma da mão dançar o faz.O que hoje fez de grande o seu papel,
Amanhã representa de Gil Blás
Neste imenso teatro de Babel.
Eu tenho um par de sapatos Prada. Eles fazem meus pés doerem.
Quando os seus pés deixaram a pressa,
que tolhe a nobreza a todo o acto…
Quer-te Muito a Tua Mulherzinha
Recebi ontem à noite o telegrama que mandaste da Foz. Desejo que tivesses encontrado tudo bem na nossa casinha. Espero com ansiedade a primeira cartinha tua que já cá devia estar. Estou a escrever-te sentada a uma janela com o papel em cima dum livro e o tinteiro no chão; é 1 hora e meia, a hora de ir até às galinhas a ver se já havia algum ovo.
Há quanto tempo isso foi! Escreve para cá só até ao dia 23 ou 24 porque dia 26 pela manhã partimos para Vila Viçosa. O carnaval é dia 8 e já vejo que para minha desgraça o vou passar no covil enjaulada como as feras perigosas. Pouca sorte a da pobre Bela! Não posso ainda hoje falar com o advogado nem amanhã que é domingo, de forma que só segunda-feira te poderei dizer qualquer coisa a esse respeito. Há só um comboio dia sim dia não para Lisboa de forma que não estranhes nem te inquietes por alguma pequena demora na correspondência.
Aí vai um belo soneto que as saudades tuas me trouxeram ontem; só quando estou triste sei fazer versos com jeito como esses. Provavelmente não gostas…
Um Segredo de um Casamento Feliz
Desde que a Maria João e eu fizemos dez anos de casados que estou para escrever sobre o casamento. Depois caí na asneira de ler uns livros profissionais sobre o casamento e percebi que eu não percebo nada sobre o casamento.
Confesso que a minha ambição era a mais louca de todas: revelar os segredos de um casamento feliz. Tendo descoberto que são desaconselháveis os conselhos que ia dar, sou forçado a avisar que, quase de certeza, só funcionam no nosso casamento.
Mas vou dá-los à mesma, porque nunca se sabe e porque todos nós somos muito mais parecidos do que gostamos de pensar.
O casamento feliz não é nem um contrato nem uma relação. Relações temos nós com toda a gente. É uma criação. É criado por duas pessoas que se amam.
O nosso casamento é um filho. É um filho inteiramente dependente de nós. Se nós nos separarmos, ele morre. Mas não deixa de ser uma terceira entidade.
Quando esse filho é amado por ambos os casados – que cuidam dele como se cuida de um filho que vai crescendo -, o casamento é feliz. Não basta que os casados se amem um ao outro.
Ao Pé da Letra Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta.
És como o Ar que Respiro
Qual é a força extraordinária que possuis? — pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou três princípios cristãos inabaláveis — e por trás milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pássaros aquecem o ninho. Sua vida dá luz, para alumiar os outros. Foi assim com tão pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silêncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ágeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.
E como tu milhares de seres têem cumprido a vida em silêncio, aceitando-a sem exageros. Nas mãos das mulheres até as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pão, lançar a teia — assumem um carácter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispõem dum poder extraordinário. Mantêem a vida ordenada com um sorriso tímido. A mulher está mais perto que nós da natureza e de Deus.
Cada vez me aproximo mais de ti. O que há de puro em mim a ti o devo.