Adormecer
Vai vida na madrugada fria.
O teu amante fica,
na posse deste momento que foi teu,
amorfo e sem limites como um anjo;
a cabeça cheia de estrelas…
Fica abraçado a esta poeira que teu pé levantou.
Fica inĂştil e hirto como um deus,
desfalecendo na raiva de nĂŁo poder seguir-te!
Passagens sobre Pés
670 resultadosSe pude ver mais além dos demais, foi porque me pus de pé nos ombros de um gigante.
A verdade fica de pé, a mentira cai. A mentira é comum, a verdade incomum.
Evitar a Sabedoria de Umbigo
Se alguĂ©m se inebria com o seu saber ao olhar para baixo de si, que volte o olhar para cima, rumo aos sĂ©culos passados, e abaixará os cornos ao encontrar aĂ tantos milhares de espĂritos que o calcam aos pĂ©s. Se ele forma alguma ligeira presunção do seu valor, que se recorde das vidas dos dois Cipiões e dos incontáveis exĂ©rcitos e povos que o deixam muito para trás. Nenhuma particular qualidade dará motivo de orgulho aquele que, ao mesmo tempo, tiver em conta os muitos traços de imperfeição e debilidade que em si há e, enfim, a nulidade da condição humana.
Porque Sócrates foi o único a compreender acertadamente o preceito do seu Deus, o de conhecer-se a si mesmo, e através de tal estudo, ter chegado a desprezar-se, só ele foi julgado digno de sobrenome de «sábio». Quem assim se conhecer, que tenha a audácia de, pela sua própria boca, o dar a conhecer.
Vaidade
Tua vaidade Ă© como um deus antigo
exige sacrifĂcios aos seus pĂ©s…
Olhar-te, Ă© desafiar algum perigo,
amar-te, Ă© procurar algum revĂ©s…Olhei-te, e desde entĂŁo teus passos sigo…
Amei-te, e mesmo assim. nĂŁo sei quem Ă©s…
Meu amor, pobre amor, quase o maldigo,
talvez seja outra vitima a teus pĂ©s…Amores, esperanças e desejos
ardem nos castiçais dessa vaidade
ao incenso sensual que há nos teus beijos.. .Eis que te trago aqui meu coração.
Já de nada me serve, se em verdade
converteu-se a tĂŁo fĂştil religiĂŁo!
Os nossos actos são como os versos de pé quebrado, que cada um rima como muito bem entende.
O pensamento voa e as palavras vão a pé: eis o drama do escritor.
A Giganta
No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava Ă terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pĂ©s d’uma rainha!Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razĂŁo, aos seus jogos terrĂveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensĂveisPercorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E Ă s vezes, no verĂŁo, quando no ardente soloEu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente Ă sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!Tradução de Delfim Guimarães
Abnegação
Chovam lĂrios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glĂłria na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!E nem sequer te lembres de que eu choro…
Esquece atĂ©, esquece, que te adoro…
E ao passares por mim, sem que me olhes,Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraĂda ou rindo esfolhes!
Barriga farta, pé dormente.
Mantenha os seus olhos nas estrelas e os seus pés na terra
O Camarim
A luz do sol afaga docemente
As bordadas cortinas de escumilha;
Penetrantes aromas de baunilha
Ondulam pelo tépido ambiente.Sobre a estante do piano reluzente
Repousa a Norma, e ao lado uma quadrilha;
E do leito francĂŞs nas colchas brilha
De um cão de raça o olhar inteligente.Ao pé das longas vestes, descuidadas
Dormem nos arabescos do tapete
Duas leves botinas delicadas.Sobre a mesa emurchece um ramalhete,
E entre um leque e umas luvas perfumadas
Cintila um caprichoso bracelete.
Pesada Noite
A noite cai de bruços,
cai com o peso fundo do cansaço,
cai como pedra, como braço,
cai como um século de cera,
aos tombos, aos soluços,
entre a maçã maciça e a perene pêra,
entre a tarde e o crepĂşsculo,
dilatação da madrugada, elástica,
cai, de borracha,
imitação de músculo,
cai, parecendo que se agacha
na sombra, e feminina, e ágil
salta, com molas de ginástica
nos pés, o abismo
do presságio,
a noite, essa mandĂbula do trismo,
tétano e espasmo,
ao mesmo tempo, a noite
amorosa, Ă espreita do orgasmo,
ferina, mas também açoite,
contraditĂłria
como existir esquecimento
no Ăntimo do homem,
na intimidade viva da memĂłria,
reminiscĂŞncias que o consomem
fugindo com o vento,
a noite, a noite acata
tudo que ocorre,
tanto aquele que mata
quanto aquele que morre,
a noite, a sensação e aguda
de um sono
fechando os olhos, invencĂvel
como fera que estuda
a vĂtima, abandono
completo, fuga, salto
nas garras do impossĂvel,
a noite pétrea do basalto,
Loira
Eu descia o Chiado lentamente
Parando junto Ă s montras dos livreiros
Quando passaste irĂ´nica e insolente,
Mal pousando no chão os pés ligeiros.O céu nublado ameaçava chuva,
SaĂa gente fina de uma igreja;
Destacavam no traje de viĂşva
Teus cabelos de um louro de cerveja.E a mim, um desgraçado a quem seduzem
Comparações estranhas, sem razão,
Lembrou-me este contraste o que produzem
Os galões sobre os panos de um caixão.Eu buscava uma rima bem intensa
Para findar uns versos com amor;
Olhaste-me com cega indiferença
Através do lorgnon provocador.Detinham-se a medir tua elegância
Os dandies com aprumo e galhardia;
Segui-te humildemente e a distância,
NĂŁo fosses suspeitar que te seguia.E pensava de longe, triste e pobre,
Desciam pela rua umas varinas
Como podias conservar-te sobre
O salto exagerado das botinas.E tu, sempre febril, sempre inquieta,
Havia pela rua uns charcos de água
Ergueste um pouco a saia sobre a anágua
De um tecido ligeiro e violeta.Adorável! Na idéia de que agora
A branda anágua a levantasse o vento
Descobrindo uma curva sedutora,
Rei Destronado
O teu lugar vazĂŁo!… E esteve cheio,
Cheio de mocidade e de ternura!
Como brilhava a tua formosura!
Que luz divina te doirava o seio!Quando a camisa tépida despias,
– Sob o reflexo do cabelo louro,
De pé, na alcova, ardias e fulgias
Como um Ădolo de ouro.Que fundo o fogo do primeiro beijo,
Que eu te arrancava ao lábio recendente!
Morria o meu desejo… outro desejo
Nascia mais ardente.Domada a febre, lânguida, em meus braços
Dormias, sobre os linhos revolvidos,
Inda cheios dos Ăşltimos gemidos,
Inda quentes dos Ăşltimos abraços…Tudo quanto eu pedira e ambicionara,
Tudo meus dedos e meus olhos calmos
Gozavam satisfeitos nos seis palmos
De tua carne saborosa e clara:Reino perdido! glĂłria dissipada
Tão loucamente! A alcova está deserta,
Mas inda com o teu cheiro perfumada,
Do teu fulgor coberta…
Minhas imperfeições e fracassos são como uma bênção de Deus, assim como meus sucessos e meus talentos, e eu coloco ambos a seus pés.
Não é esta bota para seu pé.
Fraqueza
Espero-te… E sei bem que eu sĂł que te espero…
Aqui me tens… Constante e eterna Ă© a expectativa!
Por que hei de ser assim sempre ingĂŞnuo e sincero
por mais que experiĂŞncia eu tenha, e a vida eu viva?Chegarás… e terás uma resposta esquiva
ao que te perguntar… E eu que tanto te quero
renderei novamente a minha alma cativa,
enquanto sorrirás feliz… e eu desespero…Há um imenso poder nessa tua humildade,
e esse teu ar de mansa ternura e meiguice
estraçalha aos teus pĂ©s toda a minha vontade…Que fazer? Hei de sempre perdoar o que fazes…
E se choras, nem sei… Esquecendo o que disse
sou eu que enxugo o pranto e ainda proponho as pazes!
A morte pertence à vida, como pertence o nascimento. O caminhar tanto está em levantar o pé como em pousá-lo ao chão.
Soneto 246 Incontinente
Soneto é o mundo inteiro em pouco espaço,
mas, para os mais lacĂ´nicos, prolixo.
O gosto Ă© variado, e o metro, fixo,
e amante deste oxĂmoro me faço.A prosa pesa, empilha um calhamaço.
Concisas poesias sĂŁo prefixo.
Somente no soneto gravo e mixo
começo, meio e fim, no exato laço.Qualquer história, fábula ou idéia
comporta enunciado num soneto,
da simples anedota a uma epopéia.Apenas dois assuntos, eu prometo,
não cabem no soneto: a diarréia
e o pé, mas porque sobram, não por veto.