Carta a um «Amor»
Recordo, Margarida, as tardes quando
Cata no MarĂŁo o Sol de Julho!
Meu ranchinho de rolas rorolando,
VĂłs Ă©reis meu orgulho.O ar como um veludo, os ares tĂŁo macios,
Ó tardes do jardim! à fonte da água, aos fios,
Ăamos todos nĂłs era tĂŁo alegre bando
Que desde que eu o nĂŁo sinto
Sou como um corpo extinto,
NĂŁo sinto ora nem quando.E estar de vĂłs tĂŁo longe
Cá neste meu terreno onde pareço um monge,
Sem uma linha, um verso
Desse Corgo sem par, a boa e madre
Terra como outra assim não haverá,
Montanhas que no Céu têm aquase o berço!
Escreve, Margarida, ao teu compadre,
Vá!Quero que diga
Florinda como vai, e vai assim Loreto,
Lindo pajem, que linda em seu veludo preto!
E os mais amorzinhos, rapariga,
Os que tua amizade aà me deu!Na alma dum poeta, vê-se nela o céu:
E assim
A tudo, Margarida, o que o prendeu
Arrecada-o na vida, e para a morte.
Escreve mal, e daĂ,
Poemas de Afonso Duarte
4 resultadosIn Extremis
1
Só a criança conhece a Eternidade
Que Ă© inocĂŞncia do desconhecido.
E o que me dá saudade
É havê-la em mim perdido.Outra herança de tudo que não sou
Podeis levá-la! Faça-se a vontade:
Que a imortal, perene propriedade,
Perdeu-a o homem quando semeou.Ah! como a onda do mar que Ă© mais bravia
É que abraça os escolhos,
SĂł terra de poesia
Foi na minh’alma dor, o luto dos meus olhos.Entre o homem e o mundo há um novelo
De linha preta:
Meu acto de Fé é ser criança, e crê-lo,
Que Ă© ser poeta.2
O que levamos da terra
É o cĂ©u que possuĂmos:
Esperança das sepulturas.E à morte que damos vida
Todos os deuses se igualam
Ao mesmo Deus das Alturas.SĂŞ, Ăł Morte, o meu dia de JuĂzo
Se Ă© fantasia o que penso
Sonho a terra que piso.Mas quando o corpo, a natureza morta
Me for nas mĂŁos dos homens
Com suas luvas pretas,
Provençal
Em um solar de algum dia
Cheiinho de alma e valia,
Foi ali
Que ao gosto de olhos a viComo dantes inda vasto
Agora
NĂŁo tinha pombas nem mel.
E Ă opulĂŞncia de outrora,
Esmoronado e já gasto,
Pedia mĂŁos de alvenel.Foi ali
Que ao gosto de olhos a vi.O seu chapéu, que trazia
Do calor contra as ardĂŞncias,
Era o que a pena daria
Num certo sabor e arrimo
Com jeitos de circunferĂŞncias
A morrer todas no cimo.Davam-lhe franco nos ombros
As pontas do lenço branco:
E sem que ninguém as ouça,
Eram palavras da moça
Com a voz alta de chamar;Palavras feitas em gesto,
Igualzinho e manifesto,
Como um relance de olhar.E bela, fechada em gosto,
Fazia o seu rosto dela
A gente mestre de amar.Foi num solar de algum dia,
Cheiinho de alma e valia,
Que eu disse de mim para ela
Por este falar assim:Vem, meu amor!
Cantigas
1
Não há pressas, nem demoras,
No coração das cantigas;
Nem os relĂłgios dĂŁo horas
Quando cantam raparigas.2
Como algum dia ando hoje;
Sou o mesmo apaixonado;
Quem disser que o tempo foge
É de nunca ter amado.3
A saudade Ă© queda d’água
Que ao longe quebra, ao bater;
É um compasso de mágoa
Marcado por te nĂŁo ver.4
Como um adeus de saudade
Não há palavra tão louca:
Dizer adeus, ninguém há-de
Ouvi-lo da minha boca.5
Quem ama liga-se Ă terra,
Quem canta, ao reino dos céus;
Quem pára que Deus o salve,
Quem anda que vá com Deus.