Um Amor
Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.
Poemas sobre Amados
97 resultadosSempre que Lisboa canta
Lisboa cidade amiga
que és meu berço de embalar
ensina-me uma cantiga
das que tu sabes cantarUma cantiga singela
Daquelas de enfeitiçar
P’ra eu cantar à janela
Quando o meu amor passarSempre que Lisboa canta
Não sei se canta
Não sei se reza
A sua voz com carinho
Canta baixinho
Sua tristezaSempre que Lisboa canta
à gente encanta
Sua beleza
Pois quando Lisboa canta
Canta o fado
com certezaEu quero dar-te um castigo
Por tanto te ter amado
Quero que cantes comigo
Os versos do mesmo fadoQuero que Lisboa guarde
Tantos fados que cantei
Para cantar-me mais tarde
Os fados que lhe ensinei
Fremosas, a Deus grado
Fremosas, a Deus grado,
tan bon dia comigo!
Ca novas mi disseron,
ca ven o meu amigo,
ca ven o meu amigo.
Tan bon dia [co]migo!Tan bon dia comigo!
Fremosas, a Deus grado,
ca novas mi disseron,
ca ven o meu amado,
ca ven o meu amado.
Fremosas, a Deus grado!Ca novas mi disseron,
ca ven o meu amigo,
e ando ende eu mui leda,
pois tal mandado ei migo,
pois tal mandado ei migo,
ca ven o meu amigo!Ca novas me disseron
ca ven o meu amado
e ando [ende] eu mui leda,
pois migo ei tal mandado,
pois migo ei tal mandado,
ca ven o meu amado!
Poema de Amor
A noite é cheia de vales e baías.
E do meu peito aberto um rio largo de sangue…
Águas densas, de correntes lentas,
serpentes mortas a arrastarem-se.
Águas?
Águas negras, pastosas, alcatrão rolante.
Mas águas puras, verde-claras, atraindo
a margem donde os crocodilos fogem mastigando.
Águas em transparências lucilantes, para cima,
e as estrelas do mar, um polvo e um mefistófeles
ficam no ar sobre ilhéus e lodosos calhaus
que se descobrem.
Plantas brancas e extáticas…
Lágrimas… nuvens… e a cabeça, o perfil,
os olhos, todo o corpo da mulher amada, a prostituta
antes de virgem, que é bela e feia, velha e nova,
e não conhece os filhos!O fogo envolve essa mulher amada
e é um guindaste erguendo-a e atirando-a,
enquanto dispersas pelo chão brilham mandíbulas
naturalmente à espera…
Já quasi até Morria
Já quasi até morria
C’os olhos nos da amada.
E ela que se sentia
Não menos abrasada:
– “Ai, caro Atfes! – dizia –
Não morras inda, espera
Que eu contigo morrer também quisera”
A ânsia com que acabava
A vida, Atfes, refreia,
E, enquanto a dilatava,
Morte maior o anseia.
Os olhos não tirava
Dos do ídolo querido,
Nos quais bebia o Néctar diluído.Quando a gentil Pastora,
Sentindo já chegada
Do doce gosto a hora,
Com a vista perturbada
Disse, tremendo: – “Agora
Morre, que eu morro, amor”
– “E eu – disse ele – contigo”
Viram-se desta sorte
Os dois finos amantes
Mortos ambos de um tal corte;
E os golpes penetrantes
Desta casta de morte
Tanto lhe agradaram,
Que para mais morrer recuscitaram.
A Portugal
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
Poema da Morte na Estrada
Na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
estão quinhentos mortos com os olhos abertos.A morte, num sopro, colheu-os aos molhos.
Nem tiveram tempo para fechar os olhos.Eles bem sabiam dos bancos da escola
como os homens dignos sucumbem na guerra.
Lá saber, sabiam.
A mão firme empunhando a espada ou a pistola,
morrendo sem ceder nem um palmo de terra.Pois é.
Mas veio de lá a bomba, fulgurante como mil sóis,
não lhes deu tempo para serem heróis.Eles bem sabiam que o último pensamento
devia estar reservado para a pátria amada.
Lá saber, sabiam.
Mas veio de lá a bomba e destruiu tudo num só momento.
Não lhes deu tempo para pensar em nada.Agora,
na berma da estrada, nuns quinhentos metros,
são quinhentos mortos com os olhos abertos.
Se Eu Morrer Novo
Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Insensatez
Ah, insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor o seu amor
Um amor tão delicado
Ah, por que você foi tão fraco assim
Assim tão desalmado
Ah, meu coração, quem nunca amou
Não merece ser amadoVai, meu coração, ouve a razão
Usa só sinceridade
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade
Vai, meu coração, pede perdão
Perdão apaixonado
Vai, porque quem não pede perdão
Não é nunca perdoado
Idílio
Praias, que banha o Tejo caudaloso:
Ondas, que sôbre a areia estais quebrando:
Ninfas, que ides escumas levantando:
Escutai os suspiros dum saüdoso.E vós também, ó côncavos rochedos,
Que dos ventos em vão sois combatidos,
Ouvi o triste som de meus gemidos,
já que de Amor calais tantos segredos.Ai, amada Tircéa, se eu pudera
os teus formosos olhos ver agora,
Que depressa o pesar, que esta alma chora,
No gôsto mais feliz se convertera!Oh, como então ficaras conhecendo
Quanto te amo, se visses a violência
Com que estão de meus olhos nesta ausência
Estas saüdosas lágrimas correndo!Tanto neste pesar, que estou sentindo,
O triste coração se desfalece,
e tanto me atormenta, que parece
Que ao sofrimento a alma vai fugindo.Mas oh, qual há de ser a crueldade
Deste terrível mal, em que ando envolto,
Se a qualquer parte, emfim, que os olhos volto,
Imagens estou vendo de saudade.
A Ultima Serenada do Diabo
No tempo em que elle, nas lendas,
Era amante e cortezão,
Jogava, e tinha contendas,
Cantava assim em Milão:……………………………………
……………………………………
……………………………………Ó flores meigas, ó Bellas!
Para prender os toucados,
Eu dar-vos-hia as estrellas:
– Os alfinetes dourados!Só pelo amor quebro lanças! –
A Rainha de Navarra
Enleou um dia as tranças
No braço d’esta guitarra!Sou um heroe perseguido!…
Mas inda ha luz nos meus rastros;
A lança que me ha ferido
Foi feita do ouro dos astros!Mas um dia, ó bem amadas!
Eu tornaria ás alturas…
Subindo pelas escadas
Das vossas tranças escuras!O amor que em meu peito cabe
Não conta diques, ó bellas!
Só minha guitarra o sabe,
E aquellas velhas estrellas!Ó batalhas amorosas!
– Era d’aventuras cheia!
Ó brancas noutes saudosas
Que eu andei pela Judea!Ó flores apetecidas!
Livros escriptos com beijos!
Ó brancas aves fugidas
Dos jardins dos meus desejos!Não me deixeis no abandono
Ó tristes olhos leaes!
Acendimento
Seria bom sentir no quarto qualquer música
enquanto nos banham os perfis ateados
pelo aroma da tília, sem voz, em abandono.
A entrada por detrás das ruas principais
onde a morrinha parece que nem molha
e se chega perdido onde se vai.
Não, não é só um beijo que te quero dar.Quantas vezes nesta hora de desvalimento
vejo orion e as plêiades devagar no céu de inverno.
Mas hoje
com a calma inesperada de chuvas que não cessam
acordo já depois. Caí numa hibernação que não norteia
o desequilíbrio do sentimento.Espelhos sem paz tocam-nos no rosto.
Na cega mancha de roupagem aconchego
cada intempérie com sua mentira
e depois sigo pela torrente, pelo enredo
dos outeiros, cada espelho continua
a caução pacificadora do engano.
É isso que te levo, isso que me dás
quando dizes, já sem o dizeres, eu amo-te.Pela berma da humidade cerrada
um risco de mercúrio trespassa.
Na gravilha passos que não há
esmagam a música que ninguém escuta.
Sabiam de cor tudo o que falhava,
Talvez quem Vê Bem não Sirva para Sentir
Talvez quem vê bem não sirva para sentir
E não agrada por estar muito antes das maneiras.
É preciso ter modos para todas as coisas,
E cada coisa tem o seu modo, e o amor também.
Quem tem o modo de ver os campos pelas ervas
Não deve ter a cegueira que faz fazer sentir.
Amei, e não fui amado, o que só vi no fim,
Porque não se é amado como se nasce mas como acontece.
Ela continua tão bonita de cabelo e boca como dantes,
E eu continuo como era dantes, sozinho no campo.
Como se tivesse estado de cabeça baixa,
Penso isto, e fico de cabeça alta
E o dourado sol seca a vontade de lágrimas que não posso deixar de ter.
Como o campo é vasto e o amor interior…!
Olho, e esqueço, como seca onde foi água e nas árvores desfolha.
Testemunho Incontestado
1
Camões, mas que Camões?
Que mundo em transição se fixa nesta língua
Que margem se afirma
na língua que se inventa?
Que poeta transita
no mundo que se fixa?
Que poema se afixa
na mente que se alarga
à escala do Globo Universal
e amarga?
Que contrários se afrontam
nos ossos que nos tentam?
Camões, mas que Camões é este
que nos marca?2
homem ou texto
olho vazado ou letra
miséria ou redondilha
bruxo velho ou brochura
sabedoria ou ilha
pesadelo ou visão
aventureiro ou máquina
tensa gasta ou tensão
um cego amor ou mundo
novidade ou idade
horizonte ou imagem
Camões ou re-Camões
Fortuna ou coisa amada
mudança ou só desejo
?3
o lírico nas lonas
o épico e o hípico
que só a pé andoucorre o mundo em degredo
liberta-se em prisõessó um olho lhe basta
para a visão dos tempos
que novos se dispersame em não contradição se contradiz
4
dissipo a vida
se
dissipo a morteaprendo a vida
se
aprendo a mortesustento a vida
se
sustenho a mortere contenho a vida
se retenho a morte
Alimentar-me de Ti
De alimentar-me de Ti como Jonas do ventre da baleia
De inserir-me em teus braços chicoteados de infinitos horizontes
De beijar-Te o rosto como a uma chaga de luz
De amar-Te de um amor qual nunca amado
Na humana carne em que temerário confio
Por uma humanidade possível que o impossível não desmente
Aceito inscrever-me a fogo no teu Rosto
E ser vomitado ao fim do terceiro dia
Na cruz de sol de todos os milénios futuros
A Imagem Divina
Compaixão, Pena, Paz & Amor,
Todos lhes rezam no seu sofrimento;
E a estas virtudes de tanto fulgor
Entregam o seu agradecimento.Compaixão, Pena, Paz & Amor
É Deus, nosso pai adorado,
Compaixão, Pena, Paz & Amor
É o Homem, seu filho amado.Tem Compaixão humano coração,
E tem a Pena uma face humana,
Amor, a forma divina de eleição
E a Paz, o traje que irmana.Todo o homem, em todo o clima,
Que, com dor, reza como é capaz,
Reza à forma humana divina,
Amor, Compaixão, Pena & Paz.A humana forma amar é um dever,
Para os ateus, os turcos, os judeus;
Compaixão, Amor & Pena, haja onde houver,
Também é lá que encontrareis Deus.Tradução de Hélio Osvaldo Alves
Recado aos Amigos Distantes
Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.
Viver!
Viver!… E o que é a Vida?…
– Atento, escuto
A primitiva e alta profecia…
E a escutá-la, a sonhar, vou resoluto,
Por caminhos de Amor, com alegria!
E vivo! E na minh’alma, a uma a uma,
Como num quebra mar de encantamentos,
Sinto as ondas bater, – ondas de espuma,
…Evocações, memorias, sentimentos…Amo! – No meu Amor vivo a infinita,
A suprema Beleza, – sou amado!…
E, pelo Sol que no meu peito habita,
Luto! Sinto o Futuro à nossa espera,
Vivo, na minha luta, o meu Amor!…
E sinto bem que a eterna Primavéra
A alcançaremos só por nossa Dor!
Sôfro! E no meu sofrer, nesta anciedade
Com que os meus olhos fitam o nascente,
Em devoção, em pranto, em claridade,
– Sonha o meu coração de combatente…Sofrer, lutar, amar – , vida completa,
Piedosa, humilde e só de Amor ungida –
– Meu coração de amante e de Poeta
– Sente em si mesmo o coração da Vida!…
Sonho exaltado e puro, Amor tão grande,
Que me domina todo e me levanta
Às regiões em que o sentir se expande,
A Gentil Camponesa
MOTE
Tu és pura e imaculada,
Cheia de graça e beleza;
Tu és a flor minha amada,
És a gentil camponesa.GLOSAS
És tu que não tens maldade,
És tu que tudo mereces,
És, sim, porque desconheces
As podridões da cidade.
Vives aí nessa herdade,
Onde tu foste criada,
Aí vives desviada
Deste viver de ilusão:
És como a rosa em botão,
Tu és pura e imaculada.És tu que ao romper da aurora
Ouves o cantor alado…
Vestes-te, tratas do gado
Que há-de ir tirar água à nora;
Depois, pelos campos fora,
É grande a tua pureza,
Cantando com singeleza,
O que ainda mais te realça,
Exposta ao sol e descalça,
Cheia de graça e beleza.Teus lábios nunca pintaste,
És linda sem tal veneno;
Toda tu cheiras a feno
Do campo onde trabalhaste;
És verdadeiro contraste
Com a tal flor delicada
Que só por muito pintada
Nos poderá parecer bela;
Mas tu brilhas mais do que ela,
Tu és a flor minha amada.
Ninguém o Tinha Amado, Afinal
O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe pira tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.
Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem,
estão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco
nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor,
uma liberdade
no peito.