A Piedosa Beppa
Enquanto o meu corpo for belo
É pecado ser piedosa,
É sabido que Deus gosta das mulheres,
E das bonitas sobretudo.
Ele perdoará, tenho a certeza,
Facilmente ao pobre fradezinho
Que tanto procura a minha companhia
Como muitos outros fradezinhos.Não é um velhorro padre da Igreja, .
Não, é jovem, muitas vezes vermelho,
Muitas vezes, apesar da mais cinzenta tristeza,
Pleno de desejo e de ciúme.
Não gosto dos velhos.
Ele não gosta das velhas:
Que admiráveis e sábios
São os caminhos do Senhor!A Igreja sabe viver,
Sonda os corações e os rostos,
Insiste em perdoar-me…
Quem não me perdoará, então?
Três palavras na ponta da língua,
Uma reverência e ide embora:
O pecado deste minuto
Apagará o antigo.Bendito seja Deus na Terra,
Gosta das raparigas bonitas
E perdoa de bom grado
Os tormentos do amor.
Enquanto o meu corpo for belo
É pena ser piedosa;
Case o diabo comigo
Quando eu já não tiver dentes.
Poemas sobre Amor
694 resultadosGozo e Dor
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
– Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.Dói-me a alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida – ou a razão.
Surdo, Subterrâneo Rio
Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o próprio lodo.Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
– surdo, subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?
Todo o Amor em Nosso Amor se Encerra
Minha moça selvagem, tivemos
que recuperar o tempo
e caminhar para trás, na distância
das nossas vidas, beijo a beijo,
retirando de um lugar o que demos
sem alegria, descobrindo noutro
o caminho secreto
que aproximava os teus pés dos meus,
e assim tornas a ver
na minha boca a planta insatisfeita
da tua vida estendendo as raízes
para o meu coração que te esperava.
E entre as nossas cidades separadas
as noites, uma a uma,
juntam-se à noite que nos une.
Tirando-as do tempo, entregam-nos
a luz de cada dia,
a sua chama ou o seu repouso,
e assim se desenterra
na sombra ou na luz nosso tesouro,
e assim beijam a vida os nossos beijos:
todo o amor em nosso amor se encerra:
toda a sede termina em nosso abraço.
Aqui estamos agora frente a frente,
encontrámo-nos,
não perdemos nada.
Percorremo-nos lábio a lábio,
mil vezes trocámos
entre nós a morte e a vida,
tudo o que trazíamos
quais mortas medalhas
atirámo-lo ao fundo do mar,
tudo o que aprendemos
de nada serviu:
começámos de novo,
Uma flor de verde pinho
Eu podia chamar-te pátria minha
dar-te o mais lindo nome português
podia dar-te um nome de rainha
que este amor é de Pedro por Inês.Mas não há forma não há verso não há leito
para este fogo amor para este rio.
Como dizer um coração fora do peito?
Meu amor transbordou. E eu sem navio.Gostar de ti é um poema que não digo
que não há taça amor para este vinho
não há guitarra nem cantar de amigo
não há flor não há flor de verde pinho.Não há barco nem trigo não há trevo
não há palavras para dizer esta canção.
Gostar de ti é um poema que não escrevo.
Que há um rio sem leito. E eu sem coração.
Alexandra
Há pequenas aves que têm raízes nas palavras,
essas palavras que não ficam arrumadas com decência
na literatura,
palavras de amantes sem amor, gente que sofre
e a quem falta o ar quando faltam as palavras.
Quando digo o teu nome há uma ave que levanta voo
como se tivesse nascido o dia e uma brisa
encarcerada nas amêndoas se soltasse para a impelir
para o mais frio, para o mais alto, para o mais azul.
Quando volto para casa o teu nome vai comigo
e ao mesmo tempo espera-me já
numa casa construída com dois nomes,
como se tivesse duas frentes,
uma para a montanha e outra para o mar.
Por vezes dou-te o meu nome e fico com o teu,
espreito então pelas janelas de onde
se vêem coisas que nunca antes tinha visto,
coisas que adivinhava mas que não sabia,
coisas que sempre soube mas que nunca quis olhar.
Nessas alturas o meu nome é o teu olhar,
e os meus olhos são justamente a pronúncia do
teu nome que se diz com um pequeno brilho molhado,
Procuro-te
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Povoamento
No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera
É Noite, Mãe
As folhas já começam a cobrir
o bosque, mãe, do teu outono puro…
São tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mãe!…Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdão imenso…É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!…
Como se Morre de Velhice
Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)
Quem é homem de bem
Quem é homem de bem,
não trai
O amor que lhe quer
seu bem
Quem diz muito que vai
não vai
Assim como não vai
não vem
Quem de dentro de si
não sai
Vai morrer sem amar
ninguém
O dinheiro de quem
não dá
é o trabalho de quem
não tem
Capoeira que é bom
não cai
E se um dia ele cai
Cai bem!
Beijo
Beijo na face
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente…
Vá!Guardo segredo,
Não tenha medo…
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!*
Como ele é doce!
Como ele trouxe,
Flor,
Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
Amor!Saciar-me? louco…
Um é tão pouco,
Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
Amor!Talvez te leve
O vento em breve,
Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
Amor!Guardo segredo,
Não tenhas medo
Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
Dois…*
Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas…
Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
Três!
Cântico ao Amor
Somos na obra do Mundo
um corpo em carne e desejo
que alimenta de alquimia
o tumulto do vento
que o tempo do teu corpo espalha
ao passar.És mar,
és rainha
és o sol da tarde confidente
és acácia perfumada
companheira coroada
voz de inquietação
és insónia de seda
nas paredes do meu corpo.
Sulcas a lembrança
batalhas a meu lado
vives comigo às escondidas
mesmo no dia
do meu suicídio.Recordas-me a tarde
nos Champs Elysées
mas também em Roma, Veneza ou Madrid
minha companheira coroada
minha acácia perfumada
trazes a tarde incendiada trazes
a tarde no teu olhar
lembras a praia
onde nas ondas mergulhámos,
vem contigo a madrugada
beijada de carícias,
meus olhos não se cansam
são fruto do teu reino
oh sempre bela
oh sempre rainha,
tua palavra determinante
tuas mãos determinadas
tua alma vibrante
tua boca de eternidade
minha acácia perfumada
minha coluna rainha
falas comigo baixinho
dás-me tua vontade em surdina.
Amor Pacífico e Fecundo
Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!Tradução de Manuel Simões
Amor o Quis assim
Agravos de Colopêndio
Pois Amor o quis assi,
que meu mal tanto me dura,
não tardes triste ventura,
que a dor não se doi de mi,
e sem ti não tenho cura.Foges-me, sabendo certo
que passo perigo marinho,
e sem ti vou tão deserto
que, quando cuido que acerto,
vou mais fora de caminho.
Porque tais carreiras sigo,
e com tal dita naci
nesta vida, em que não vivo,
que eu cuido que estou comigo,
e ando fora de mi.Quando falo, estou calado;
quando estou, entonces ando;
quando ando, estou quedado;
quando durmo, estou acordado;
quando acordo, estou sonhando;
quando chamo, então respondo;
quando choro, entonces rio;
quando me queimo, hei frio;
quando me mostro, me escondo;
quando espero, desconfio.Não sei se sei o que digo,
que cousa certa não acerto;
se fujo de meu perigo,
cada vez estou mais perto
de ter mor guerra comigo.
Prometem-me uns vãos cuidados
mil mundos favorecidos,
com que serão descansados;
e eu acho-os todos mudados
em outros mundos perdidos.
Os Anos de Ti para Mim
O teu cabelo volta a ondular-se quando choro. Com o azul dos
teus olhos
pões a mesa do nosso amor: uma cama entre o verão e o
outono.
Bebemos o que alguém preparou, que não era eu, nem tu, nem
um terceiro:
sorvemos um último vazio.Miramo-nos nos espelhos do mar profundo e passamos mais
depressa um ao outro os alimentos:
a noite é a noite, começa com a manhã,
é ela que me deita a teu lado.Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno
Pesada Noite
A noite cai de bruços,
cai com o peso fundo do cansaço,
cai como pedra, como braço,
cai como um século de cera,
aos tombos, aos soluços,
entre a maçã maciça e a perene pêra,
entre a tarde e o crepúsculo,
dilatação da madrugada, elástica,
cai, de borracha,
imitação de músculo,
cai, parecendo que se agacha
na sombra, e feminina, e ágil
salta, com molas de ginástica
nos pés, o abismo
do presságio,
a noite, essa mandíbula do trismo,
tétano e espasmo,
ao mesmo tempo, a noite
amorosa, à espreita do orgasmo,
ferina, mas também açoite,
contraditória
como existir esquecimento
no íntimo do homem,
na intimidade viva da memória,
reminiscências que o consomem
fugindo com o vento,
a noite, a noite acata
tudo que ocorre,
tanto aquele que mata
quanto aquele que morre,
a noite, a sensação e aguda
de um sono
fechando os olhos, invencível
como fera que estuda
a vítima, abandono
completo, fuga, salto
nas garras do impossível,
a noite pétrea do basalto,
As Mãos que se Procuram
Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medidaAs mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesasA pele encontra a pele e se arrepia
Oprime o peito o peito que estremece
O rosto o outro rosto desafiaA carne entrando a carne se consome
Suspira o corpo todo e desfalece
E triste volta a si com sede e fome.[Amor Condusse Noi Ad Una Morte]
A verdade é que fomos
A verdade é que fomos
feitos do mesmo sangue
violento e humildeA verdade é que temos
ambos a graça de compreender
todos os homens e todas as estrelasA verdade é que Deus
nos ensinou
que este é o tempo da razão ardente.Deus hoje deu-me um pouco
do que toda a vida lhe pedi
foi esta calma e simples aceitação
de que é preciso que estejas
longe de mim
para que amando eu possa conservar
o meu coração puro.As ruas hoje pareciam mais largas
e mais clarasAs casas e as pessoas
pareciam diferentesFoi só o tempo de pedir a Deus
que prolongasse o generoso engano.Tu ensinaste-me as palavras simples
as palavras belas
as palavras justasE fizeste com que eu já não saiba
falar de outra maneira.O amor substitui
o Sol — que tudo ilumina.Sonhar contigo é quase como
saber que existo para além de mim.Se basta que de mim te lembres
para que o sono facilmente venha
porque não hás-de dar-me amor a paz
com que o meu coração de há tanto tempo sonhaVês como é tão simples
ter o coração
tão perto da terra
e os olhos nos olhos
e a alma tão perto
da tua almaPor que será
que quanto mais repartimos
o coração
maior e mais nosso ele fica?
Loira
Eu descia o Chiado lentamente
Parando junto às montras dos livreiros
Quando passaste irônica e insolente,
Mal pousando no chão os pés ligeiros.O céu nublado ameaçava chuva,
Saía gente fina de uma igreja;
Destacavam no traje de viúva
Teus cabelos de um louro de cerveja.E a mim, um desgraçado a quem seduzem
Comparações estranhas, sem razão,
Lembrou-me este contraste o que produzem
Os galões sobre os panos de um caixão.Eu buscava uma rima bem intensa
Para findar uns versos com amor;
Olhaste-me com cega indiferença
Através do lorgnon provocador.Detinham-se a medir tua elegância
Os dandies com aprumo e galhardia;
Segui-te humildemente e a distância,
Não fosses suspeitar que te seguia.E pensava de longe, triste e pobre,
Desciam pela rua umas varinas
Como podias conservar-te sobre
O salto exagerado das botinas.E tu, sempre febril, sempre inquieta,
Havia pela rua uns charcos de água
Ergueste um pouco a saia sobre a anágua
De um tecido ligeiro e violeta.Adorável! Na idéia de que agora
A branda anágua a levantasse o vento
Descobrindo uma curva sedutora,