Poemas sobre Ar de Carlos Drummond de Andrade

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Poemas de ar de Carlos Drummond de Andrade. Leia este e outros poemas de Carlos Drummond de Andrade em Poetris.

Falta Pouco

Falta pouco para acabar
o uso desta mesa pela manhã
o hábito de chegar à janela da esquerda
aberta sobre enxugadores de roupa.
Falta pouco para acabar
a própria obrigação de roupa
a obrigação de fazer barba
a consulta a dicionários
a conversa com amigos pelo telefone.

Falta pouco
para acabar o recebimento de cartas
as sempre adiadas respostas
o pagamento de impostos ao país, à cidade
as novidades sangrentas do mundo
a música dos intervalos.

Falta pouco para o mundo acabar
sem explosão
sem outro ruído
além do que escapa da garganta com falta de ar.

Agora que ele estava principiando
a confessar
na bruma seu semblante e melodia.

Duração

O tempo era bom? Não era
O tempo é, para sempre.
A hera da antiga era
roreja incansavelmente.

Aconteceu há mil anos?
Continua acontecendo.
Nos mais desbotados panos,
estou me lendo e relendo.

Tudo morto, na distância
que vai de alguém a si mesmo?
Vive tudo, mas sem ânsia
de estar amando e estar preso.

Pois tudo enfim se liberta
de ferros forjados no ar.
A alma sorri, já bem perto,
da raiz mesma do ser.

Inquérito

Pergunta às árvores da rua
que notícia têm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissão.

Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mão de velhos
profissionais de solidão.

Pergunta às coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigília
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e não.

Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre símbolos
de símbolos outros, primeiros,
e tão acessíveis aos pobres
como a breve casca do pão.

Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,

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Quero me Casar

Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.

Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho.

Depressa, que o amor
não pode esperar!

Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.