Passo Triste no Mundo
Passo triste no mundo, alheio ao mundo.
Passo no mundo alheio, sem o ver,
E mĂstico, ideal e vagabundo,
Sinto erguer-se minh’Alma do profundo
Abismo do seu Ser.Vivo de Mim, em Mim, e para Mim,
E para Deus em Mim ressuscitado,
Sou Saudade do Longe donde vim,
E sou Ă‚nsia do Longe, em que por fim
Serei transfigurado.Vivo de Deus, em Deus, e para Deus,
E minh’alma, sonâmbula, esquecida,
Nele fitando os tristes olhos seus,
Passa triste e sozinha, olhando os céus,
No caminho da Vida.Fui Outro, e, Outro sendo, Outro serei;
Outro vivendo a mĂstica beleza,
Por esta humana forma que encarnei,
Por lágrimas de sangue que chorei
Na terra da tristeza.EspĂrito na Dor purificado,
Ser que passa no mundo, sem o ver,
Em esta pobre terra de pecado,
Amor divino em Deus extasiado,
O meu Ser Ă© NĂŁo-Ser em Outro-Ser.
Poemas de Armando CĂ´rtes-Rodrigues
4 resultadosVozes da Noite
Vozes na Noite! Quem fala
Com tanto ardor, tanto afĂŁ?
Falou o Grilo primeiro,
Logo depois foi a RĂŁ.Pobre loucura dos homens
Quando julgam entendê-las…
SĂł eles pasmam os olhos
Neste encanto das estrelas…Lá no silêncio dos campos
Ou no mais ermo da serra,
Na voz das rĂŁs dala a Ă gua,
Na voz dos grilos a Terra.SĂł eles cantam a vida
Com amor e singeleza,
Por ser descuidada, alegre;
Por ser simples, com beleza.Pudesse agora dizer-te,
Sem ser por palavras vĂŁs,
O que diz a voz dos grilos,
O que diz a voz das rĂŁs.
Ergo Meus Olhos
Ergo meus olhos vagos, na distância
Da sombra do meu Ser…
Pairam de mim além, e a minha Ânsia
Cansa de me viver.Meus olhos espectrais de comoção,
Olhos da alma, olhando-se a si,
Nimbam de luz a longa escuridĂŁo
Da vida que vivi.Auréola de Dor, que finaliza
Na noite do abismo do meu nada;
SilĂŞncio, prece, comunhĂŁo sagrada,
Sombra de luz que em Ti me diviniza,
Tortura do meu fim,
Alma ungida
E perdida
Na grandeza de Si. E já sem ver-me,
Maceração crepuscular de Mim,
Agonizo de Ser-me.
Sinfonia de Cor
Sempre defronte
de mim
o mar azul, o mar imenso, o mar sem fim,
todo igual e azul até ao horizonte.Neste dia delirante
de luz crua a jorrar, intensa, lá do alto,
uma vela distante
mancha de branco o seu azul-cobalto.Um traço de espuma branca
junto Ă penedia
marca a linha da costa em enseada franca.E a nota branca
das gaivotas em bando,
esvoaçando
Ă revelia,
e um ritmo novo de alegria,
de ruĂdo e de graça.Perto uma vela passa,
lenço branco a acenar…NĂŁo ter asas tambĂ©m para poder voar
aonde me levasse a minha fantasia!
E ser gaivota e mergulhar
na água e bater asas,
alegre, todo o dia!Poisar nos calhaus negros, que sĂŁo brasas,
brasas negras a arder,
e ver aos pés a referver
aos borbotões de espuma.Dar um grito e subir,
subir alto e distante,
já quando a terra se esfuma
e o mar aumenta, quanto mais avante.Partir!
Partir para o delĂrio das alturas,