A Vida Ă© LĂquida
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mĂłrula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de vĂbora.
Como-a no livro da lĂngua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha pĂşmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, gĂłticas, altas de corpo e copos.
A vida Ă© crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tĂŁo generosa e mĂtica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida Ă© liquĂda.TambĂ©m sĂŁo cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos Ă mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraĂso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Poemas sobre Bicos de Hilda Hilst
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