A Mais Bela Noite do Mundo
Hoje,
será o fim!Hoje
nem este falso silĂŞncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisĂŁo de viver
a lição que me ditavam:
– Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
sĂŁo perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!– Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelão).Eram inúteis e magoadas as noites da minha rua…
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.– Amanhã,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.AmanhĂŁ,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.(Era esta a voz do papĂŁo
que acendia a vela,
Poemas sobre Caminhos de Fernando Namora
8 resultadosProfecia
Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue…
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que nĂŁo posso recuar.Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas nĂŁo sei trocar a minha sorte!NĂŁo venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
Ă minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas nĂŁo quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar…
Terra – 7
Onde ficava o mundo?
SĂł pinhais, matos, charnecas e milho
para a fome dos olhos.
Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda.
E o mar? E a cidade? E os rios?
Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos,
onde chiam carros de bois e há poças de chuva.
Onde ficava o mundo?
Nem a alma sabia julgar.
Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas.
Em cada dia o povo abraçava um outro povo.
E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves:
a estrada branca e menina Ă© uma serpente ondulada
e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio.
Ă“ Noite, Coalhada nas Formas de um Corpo de Mulher
Ă“ noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher
vago e belo e voluptuoso,
num bailado erótico, com o cenário dos astros, mudos
[e quedos.
Estrelas que as suas mĂŁos afagam e a boca repele,
deixai que os caminhos da noite,
cegos e rectos como o destino,
suspensos como uma nuvem,
sejam os caminhos dos poetas
que lhes decoraram o nome.
Ă“ noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher!
Esconde a vida no seio de uma estrela
e fá-la pairar, assim mágica e irreal,
para que a olhemos como uma lua sonâmbula.
Por Todos os Caminhos do Mundo
A minha poesia Ă© assim como uma vida que vagueia
pelo mundo,por todos os caminhos do mundo,
desencontrados como os ponteiros de um relĂłgio velho,
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
num jardim nocturno,ora um deserto que o simum veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mĂŁo o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.Na minha vida nem sempre a bĂşssola se atrai ao mesmo
norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre Ă© dia,
com a minha noite que nem sempre Ă© noite
como a alma quer.NĂŁo sei caminhos de cor.
Pergunta
Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar
e levou o caminho das conchas em mar
e dos olhos em rio
— quem vem de longe chorar por mim?Quem sabe que eu findo de dureza
e condensa ternura em suas mĂŁos
para a derramar em afagos
por mim?Quem ouviu a angĂşstia do meu brado,
sirene de um navio a vadiar no largo,
e me traz seus beijos e sua cor,
perdendo-se na bruma das madrugadas
por mim?Quem soube das asperezas da viagem
e pediu o pĂŁo negado
e o suor ao corpo torturado,
por mim? por mim?Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome
e seu tamanho — imenso, imenso,
e em mim cabe?
Todos os Caminhos me Servem
Todos os caminhos me servem.
Em todos serei o Ă©brio
cabeceando nas esquinas.
Uma rua deserta e o hálito
das pessoas que se escondem,
uma rua deserta e um rafeiro
por companheiro.Ă“ mar que me sacode os cabelos
que mulher alguma beijou,
lágrimas que os meus olhos vertem
no suor dos lagares,
que uma onda vos misture
e vos leve a morrer
numa praia ignorada.
Pilotagem
E os meus olhos rasgarĂŁo a noite;
E a chuva que vier ferir-me nas vidraças
Compreenderá, então, a sua inutilidade;E todos os sinos que alimentavam insónias
hĂŁo-de repetir as horas mortas
sĂł para os ouvidos da torre;E os outros ruĂdos abafar-se-ĂŁo no manto negro da noite;
E a mĂŁo alva que me apontava os nortes
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverá de novo;E os meus braços se erguerão transfigurados
para o abraço virgem dos teus braços
que andava perdido, sem dar fé deste seu reino;E todas as luzes que tresnoitaram os homens
apagar-se-ão;E o silêncio virá cheio de promessas
que nĂŁo se cansaram na viagem;E todos os povos de Babel
com as riquezas que há no mundo
virĂŁo festejar a paz em minha honra;E os caminhos se abrirĂŁo
para os homens que seguirem de mĂŁos dadas:O sangue derramado de Cristo
terá finalmente significação,
e da inĂştil cruz do martĂrio
se erguerá o pendão da vitória;