O Poeta
Triste, lá vai à ronda dos segredos
O maluco que rouba quanto vĂŞ.
Branco, do coração aos dedos,
É todo antenas onde apenas lê.Murcha-lhe nos pés o rosmaninho
E a prĂłpria rosa, de o sentir, descora;
Mas Ă© um Deus que passeia o seu caminho
A beber a amargura de quem chora.Magro, lá passa, e lá se vai consigo
A luz das coisas e a flor de tudo.
É um bruxo lento, tenebroso e antigo,
Pálido, sério, solitário e mudo.
Poemas sobre Caminhos de Miguel Torga
5 resultadosInocĂŞncia
Vou aqui como um anjo, e carregado
De crimes!
Com asas de poeta voa-se no cĂ©u…
De tudo me redimes,
PenitĂŞncia
De ser artista!
Nada sei,
Nada valho,
Nada faço,
E abre-se em mim a força deste abraço
Que abarca o mundo!Tudo amo, admiro e compreendo.
Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano como os outros meus irmĂŁos,
Caminho nesta ingénua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mĂŁos.
Requiem por Mim
Aproxima-se o fim.
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
RuĂna humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os ĂłrgĂŁos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino nĂŁo quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caĂsse de pĂ©, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.
SĂŁo Leonardo da Galafura
Ă€ proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
CapitĂŁo no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
SerĂŁo charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
DeixarĂŁo prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
Natal Divino
Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
Ă€ lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar…
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar…