Poemas sobre Cansaço

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Poemas de cansaço escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Não Me Sinto Mudar

Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos
cada dia mais raros são os meus cepticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo

mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.

Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.

As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.

Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem de mais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.

Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.

Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.

Tradução de Albano Martins

A Vulgar Que Passou

Não eras para os meus sonhos, não eras para a minha vida,
nem para os meus cansaços perfumados de rosas,
nem para a impotência da minha raiva suicida,
não eras a bela e doce, a bela e dolorosa.

Não eras para os meus sonhos, não eras para os meus cantos,
não eras para o prestígio dos meus amargos prantos,
não eras para a minha vida nem para a minha dor,
não eras o fugitivo de todos os meus encantos.
Não merecias nada. Nem o meu áspero desencanto
nem sequer o lume que pressentiu o Amor.

Bem feito, é muito bem feito que tenhas passado em vão
que a minha vida não se tenha submetido ao teu olhar,
que aos antigos prantos se não tenha juntado
a amargura dolente de um estéril chorar.

Tu eras para o imbecil que te quisesse um pouco.
(Oh! meus sonhos doces, oh meus sonhos loucos!)
Tu eras para um imbecil, para um qualquer
que não tivesse nada dos meus sonhos, nada,
mas que te daria o prazer animal
o curto e bruto gozo do espasmo final.

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Só eu Sinto Bater-lhe o Coração

Dorme a vida a meu lado, mas eu velo.
(Alguém há-de guardar este tesoiro!)
E, como dorme, afago-lhe o cabelo,
Que mesmo adormecido é fino e loiro.

Só eu sinto bater-lhe o coração,
Vejo que sonha, que sorri, que vive;
Só eu tenho por ela esta paixão
Como nunca hei-de ter e nunca tive.

E logo talvez já nem reconheça
Quem zelou esta flor do seu cansaço…
Mas que o dia amanheça
E cubra de poesia o seu regaço!

Cada Coisa a seu Tempo Tem seu Tempo

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.

À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.

À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do Sol) —

Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.

E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos

Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,

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O Amor e o Tempo

Pela montanha alcantilada
Todos quatro em alegre companhia,
O Amor, o Tempo, a minha Amada
E eu subíamos um dia.

Da minha Amada no gentil semblante
Já se viam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante
E o Tempo acelerava o passo.

— «Amor! Amor! mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!»

Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento…
— «Porque voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis?» — Nesse momento,

Volta-se o Amor e diz com azedume:
— «Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo… Adeus! Adeus!

Distância

Não vás para tão longe!
Vem sentar-te
Aqui na chaise-longue, ao pé de mim…
Tenho o desejo doido de contar-te
Estas saudades que não tinham fim.

Não vás para tão longe;
Quero ver
Se ainda sabes olhar-me como d’antes,
E se nas tuas mãos acariciantes,
Inda existe o perfume de que eu gosto.

Não vás para tão longe!
Tenho medo
Do silêncio pesado d’esta sala…
Como soluça o vento no arvoredo!
E a tua voz, amor, como se cala!

Não vás para tão longe!
Antigamente,
Era sempre demais o curto espaço
Que havia entre nós dois…
Agora, um embaraço,
Hesitas e depois,
Com um gesto de tédio e de cansaço,
Achas inconveniente
O meu abraço.

Não vás para tão longe!
Fica. Inda é tão cedo!
O vento continua a fustigar
Os ramos sofredores do arvoredo,
E eu ponho-me a pensar
E tenho medo!

Não vás para tão longe!
Na sombra impenetrada,
Como se agita e se debate o vento!…
Paira nas velhas ruínas do convento

Que além se avista,

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Eu

Eu, eu mesmo…
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. —
Eu…
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças…
Que crianças não sei…
Eu…
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei…
Eu…
Tive um passado? Sem dúvida…
Tenho um presente? Sem dúvida…
Terei um futuro? Sem dúvida…
A vida que pare de aqui a pouco…
Mas eu, eu…
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu…

O Sono

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.

Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,

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Menina e Moça

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, e* seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri.

Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;

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É Tempo de Natal

É tempo de Natal. Exibe-se um pinheiro,
Com lâmpadas de cor, sobre o balcão.
Tem, também, pendurados, a isca do dinheiro
E flocos finos de algodão.

Nas férias, foge a freguesia
Do final das manhãs,
Com os seus kispos disformes, de inflada fantasia,
E o conforto das lãs.

Bebem-se mais bebidas quentes.
O chão, mais húmido, incomoda.
E há apelos insistentes
Do cauteleiro que anda à roda.

Os embrulhos, nas mesas, nos regaços,
Com vistosos papéis,
Florescem de acetinados laços,
Lembram o oiro, o incenso, a mirra, em mãos de reis.

Muitos adultos. Pouca criançada.
Muito cansaço. Pouca animação.
A vida (a cruz!) tão cara, tão pesada!
E dão-se as boas-festas sem se sentir que o são.

Consigo mesa junto à vidraça.
E é em mim que procuro, ou é lá fora,
A estrela que não luz, o pastor que não passa,
O anjo que não vem anunciar a hora?

A Verdadeira Liberdade

A liberdade, sim, a liberdade!
A verdadeira liberdade!
Pensar sem desejos nem convicções.
Ser dono de si mesmo sem influência de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço!

A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais
A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida!
Como o luar quando as nuvens abrem
A grande liberdade cristã da minha infância que rezava
Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim…
A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente,
A noção jurídica da alma dos outros como humana,
A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez
Gozar os campos sem referência a coisa nenhuma
E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo!

Passos todos passinhos de criança…
Sorriso da velha bondosa…
Apertar da mão do amigo [sério?]…
Que vida que tem sido a minha!
Quanto tempo de espera no apeadeiro!
Quanto viver pintado em impresso da vida!

Ah, tenho uma sede sã.

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Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não…
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico…
Esta espécie de alma…
Só depois de amanhã…
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte…
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos…
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã…
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro…

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã…
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância…
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,

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Esqueço-me das Horas Transviadas

PASSOS DA CRUZ

Esqueço-me das horas transviadas
o Outono mora mágoas nos outeiros
E põe um roxo vago nos ribeiros…
Hóstia de assombro a alma, e toda estradas…

Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgíaco… Trigueiros
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…

No claustro seqüestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância…

Opiário

Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro

É antes do ópio que a minh’alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

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Poema da Memória

Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
exactamente um espelho
porque, do que sabia,
só um espelho com isso se parecia.

De joelhos no banco, o busto inteiriçado,
só tinha olhos para o rio distante,
os olhos do animal embalsamado
mas vivo
na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.
Diria o rio que havia no seu tempo
um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte,
onde dois grandes olhos,
grandes e ávidos, fixos e pasmados,
o fitavam sem tréguas nem cansaço.
Eram dois olhos grandes,
olhos de bicho atento
que espera apenas por amor de esperar.

E por que não galgar sobre os telhados,
os telhados vermelhos
das casas baixas com varandas verdes
e nas varandas verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da história que voava
com asas grandes, grandes, flutuantes,
e poisava onde bem lhe apetecia,
e espreitava pelos vidros das janelas
das casas baixas com varandas verdes!
Ai que bom seria!

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Foi um Momento

Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não ?

Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido.
Mas tão de leve!…

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa Incompreendida…

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
‘Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.

Mestre

Mestre, meu mestre querido,
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?

Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstracta e visual até aos ossos.
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjectiva…

Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionalista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escrevo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!

Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo,
Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada,
Meu coração está perdido.

Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.

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Stella

Já raro e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o último pranto
Por todo o vasto espaço.

Tíbio clarão já cora
A tela do horizonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.

À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhã.

Uma por uma, vão
As pálidas estrelas,
E vão, e vão com elas
Teus sonhos, coração.

Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
Não vês que a vaga inquieta
Abre-te o úmido seio?

Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria,
Virá do roxo oriente.

Dos íntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera
Em lágrimas a pares,

Do amor silencioso,
Místico, doce, puro,
Dos sonhos de futuro,
Da paz, do etéreo gozo,

De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.

A virgem da manhã
Já todo o céu domina…

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Sinto na Angústia o Quem me Lembrasse

Sinto na angústia o quem me lembrasse
e do lembrar a mim como uma ponte
onde de noite já ninguém passasse
viesse a notícia desse outro horizonte

em que o meu grito preso na garganta
dissesse à voz que não ouvi e veio
quanto cansaço inverosímil, quanta
fadiga me enternece como um seio.

Vibrátil voga vaga pela tarde
que em cigarros distrai o eu estar só
a chama obscura que visível arde
quando arde ao sol o pó.