AusĂŞncia
Nas horas do poente,
Os bronzes sonolentos,
– pastores das ascĂ©ticas planuras –
Lançam este pregão ao soluçar dos ventos,
Ă€ nuvem erradia,
Ă€s penhas duras:
– Que Ă© dele, o eterno Ausente,
– Cantor da nossa melancolia?Nas tardes duma luz de Ăntimo fogo,
Rescendentes de tudo o que passou,
Eu prĂłprio me interrogo:
– Onde estou? Onde estou?
E procuro nas sombras enganosas
Os fumos do meu sonho derradeiro!– Ventos, que novas me trazeis das rosas,
Que acendiam clarões no meu jardim?– Pastores, que Ă© do vosso companheiro?
– Saudades minhas, que sabeis de mim?
Poemas sobre Cantores
6 resultadosO Noivado do Sepulcro
Vai alta a lua! na mansĂŁo da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
SĂł tem descanso quem ali baixou.Que paz tranquila!… mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D’entre os sepulcros a cabeça ergueu.Ergueu-se, ergueu-se!… na amplidĂŁo celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmĂłrea cruz.Ergueu-se, ergueu-se!… com sombrio espanto
Olhou em roda… nĂŁo achou ninguĂ©m…
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:“Mulher formosa, que adorei na vida,
“E que na tumba nĂŁo cessei d’amar,
“Por que atraiçoas, desleal, mentida,
“O amor eterno que te ouvi jurar?“Amor! engano que na campa finda,
“Que a morte despe da ilusĂŁo falaz:
“Quem d’entre os vivos se lembrara ainda
“Do pobre morto que na terra jaz?
A Luz do Teu Amor
Oh! Sim que Ă©s linda! a inocĂŞncia
Em tua fronte serena
Com tal doçura reluz!…
Tanta e tanta… que a açucena
TĂŁo esplĂŞndida a existĂŞncia
NĂŁo lha doura assim Ă luz!
Oh! que Ă©s linda, e mais… e mais
Quando um traço melancólico
Te diviso no semblante
Nos teus olhos virginais!
Que doçura não existe
Ai! Ăł virgem, nesse instante
Na poética beleza
Desse traço de tristeza
Que te vem tornar mais bela
Mal em teu rosto pousou!
E eu te quero assim, Ăł estrela,
Que se inspira em mim a crença
Triste… triste, que Ă©s mais linda,
Mas dessa beleza infinda
Das ficções da renascença
Que a poesia perfumou!Fita agora os olhos lânguidos
Na estrela que te ilumina,
Eu nĂŁo sei que luz divina
De amor nos fala em teu rosto!
Eu nĂŁo sei, nem tu… ninguĂ©m!…
Que a vaga luz do sol posto,
Que a palidez da cecém,
Que a meiguice dos amores,
E que o perfume das flores
NĂŁo respiram a harmonia
Desse toque leve…
A Voz
É tĂŁo suave ess’hora,
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,Se em alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enleado!O mar azul se encrespa
Coa vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.E tudo em roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mĂŁo de Deus.Mas despregou seu grito
A alcĂone gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:E sobe, e cresce, e imensa
Nos céus negra flutua,
E o vento das procelas
Já varre a fraga nua.Turba-se o vasto oceano,
Com hĂłrrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vĂŁo furor,E do poeta a fronte
Cobriu véu de tristeza;
Calou, Ă luz do raio,
Seu hino Ă natureza.Pela alma lhe vagava
Um negro pensamento,
A Gentil Camponesa
MOTE
Tu Ă©s pura e imaculada,
Cheia de graça e beleza;
Tu Ă©s a flor minha amada,
És a gentil camponesa.GLOSAS
És tu que não tens maldade,
És tu que tudo mereces,
És, sim, porque desconheces
As podridões da cidade.
Vives aĂ nessa herdade,
Onde tu foste criada,
AĂ vives desviada
Deste viver de ilusĂŁo:
És como a rosa em botão,
Tu és pura e imaculada.És tu que ao romper da aurora
Ouves o cantor alado…
Vestes-te, tratas do gado
Que há-de ir tirar água à nora;
Depois, pelos campos fora,
É grande a tua pureza,
Cantando com singeleza,
O que ainda mais te realça,
Exposta ao sol e descalça,
Cheia de graça e beleza.Teus lábios nunca pintaste,
És linda sem tal veneno;
Toda tu cheiras a feno
Do campo onde trabalhaste;
És verdadeiro contraste
Com a tal flor delicada
Que sĂł por muito pintada
Nos poderá parecer bela;
Mas tu brilhas mais do que ela,
Tu Ă©s a flor minha amada.
Vi Jesus Cristo Descer Ă Terra
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer Ă terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda Ă roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mĂŁe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que nĂŁo era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estĂşpida,