Existe a Noite
Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor nĂŁo mais procuro.
Breu Ă© quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim nĂŁo me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quĂŞ? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.
Poemas sobre Cara de Hilda Hilst
3 resultadosVer-te. Tocar-te
Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vĂvidoo mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resĂduos. Me vĂŞm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.
A Vida Ă© LĂquida
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mĂłrula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de vĂbora.
Como-a no livro da lĂngua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha pĂşmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, gĂłticas, altas de corpo e copos.
A vida Ă© crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tĂŁo generosa e mĂtica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida Ă© liquĂda.TambĂ©m sĂŁo cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos Ă mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraĂso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.