Elevação
Por cima dos paĂşes, das montanhas agrestes,
Dos rudes alcantis, das nuvens e do mar,
Muito acima do sol, muito acima do ar,
Para alĂ©m do confim dos páramos celestes,Paira o espĂrito meu com toda a agilidade,
Como um bom nadador, que na água sente gozo,
As penas a agitar, gazil, voluptuoso,
Através das regiões da etérea imensidade.Eleva o vôo teu longe das montureiras,
Vai-te purificar no Ă©ter superior,
E bebe, como um puro e sagrado licor,
A alvinitente luz das lĂmpidas clareiras!Neste bisonho dai’ de mágoas horrorosas,
Em que o fastio e a dor perseguem o mortal,
Feliz de quem puder, numa ascensĂŁo ideal,
Atingir as mansões ridentes, luminosas!De quem, pela manhã, andorinha veloz,
Aos domĂnios do cĂ©u o pensamento erguer,
— Que paire sobre a vida, e saiba compreender
A linguagem da flor e das coisas sem voz!Tradução de Delfim Guimarães
Poemas sobre CĂ©u de Charles Baudelaire
3 resultadosBenção
Quando, por uma lei da vontade suprema,
O Poeta vem a luz d’este mundo insofrido
A desolada mĂŁe, numa crise de blasfĂŞmia,
Pragueja contra Deus, que a escuta comovido:— “Antes eu procriasse uma serpe infernal!
Do que ter dado vida a um disforme aleijĂŁo!
Maldita seja a noite em que o prazer carnal
Fecundou no meu ventre a minha expiação!Já que fui a mulher destinada, Senhor,
A tornar infeliz quem a si me ligou,
E nĂŁo posso atirar ao fogo vingador
O fatal embrião que meu sangue gerou.Vou fazer recair o meu ódio implacável
No monstro que nasceu das tuas maldições
E saberei torcer o arbusto miserável
De modo que nĂŁo vingue um sĂł dos seus botões!”E sobre Deus cuspindo a sua mágoa ingente
Ignorando a razĂŁo dos desĂgnios do Eterno,
A tresloucada mĂŁe condena, inconsciente,
A sua pobre alma Ă s fogueiras do inferno.Bafeja a luz do sol o fruto malfadado,
Vela pelo inocente um anjo peregrino;
A água que ele bebe é um néctar perfumado,
O pĂŁo Ă© um manjar saboroso,
Spleen
Quando o cinzento céu, como pesada tampa,
Carrega sobre nĂłs, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;Quando se muda a terra em hĂşmida enxovia
D’onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;Quando a chuva, caindo a cântaros, parece
D’uma prisĂŁo enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,– Ouve-se o bimbalhar dos sinos retumbantes,
Lançando para os céus um brado furibundo,
Como os doridos ais de espĂritos errantes
Que a chorrar e a carpir se arrastam pelo mundo;Soturnos funerais deslizam tristemente
Em minh’alma sombria. A sucumbida Esp’rança,
Lamenta-se, chorando; e a AngĂşstia, cruelmente,
Seu negro pavilhão sobre os meus ombros lança!Tradução de Delfim Guimarães