Poemas sobre Chão de Vitorino Nemésio

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Poemas de chão de Vitorino Nemésio. Leia este e outros poemas de Vitorino Nemésio em Poetris.

Violada

PossuĂ­ram-te nas ervas,
Deitada ao comprido
Ou lívida a pé:
Do estupro conservas
O sangue e o gemido
Na morte da fé.

Chegaste a cavalo
Trémula de espanto:
Esperavas levá-lo
Com modos de amor:
O fátum, num canto,
Violento ceifou-te
O pĂşbis em flor:
Dou-te
O acalanto
Mas não há palavras
Para tal horror!

Vem ainda em cĂłs, mulher,
Limpa as tuas lágrimas no meu lenço:
Nem pela dor sequer
Eu te pertenço.

O cavalo fugiu,
Deixou-te em fogo a fralda:
Que malfeliz RoldĂŁo
Para tal Alda!
Ao frio, ao frio,
Tinta de ti é a água e sangue o chão.

Ponta Delgada a arder
Do prĂłprio pejo, quis
Em verde converter
O incĂŞndio do teu pĂşbis.

Mulher, nĂŁo me dĂŞs guerra,
Oh trágica enganada:
Tu Ă©s a minha terra
Na carne devastada
Como a Ilha queimada.

Teu SĂł Sossego aqui Contigo Ausente

Teu sĂł sossego aqui contigo ausente
Na casa que te veste Ă  justa de paredes,
Tenho-te em mĂłveis, nos perfumes, na semente
Dos cuidados que deixas ao partir,
A doce estância toda povoada
Dos mĂ­nimos sinais, dos sapatos de plinto
Que te elevam, TerpsĂ­core ou MnemĂłsine,
Como uma estátua fiel ao labirinto.
Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas,
Farmácia chamo à tua colecção de vidros
Onde, Ă  margem de planos e de somas,
Tenho remédio para os meus alvidros.
O chá é forte e adstringente,
O leite grosso sabe Ă  ordenha,
E até nos quadros vive gente
Ă€ espera que a dona venha.
Porque tudo nos tectos Ă© coroa,
No chão as traînes, os passinhos salpicados
Como o vento ainda longe de Lisboa
Escolheu a gaivota do balanço
Que no cais engolfado melhor voa:
Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo
Chegues no ar medido e a aço propulso:
Por isso um pouco de fogo
Bate sanguĂ­neo em meu pulso,
Pois o amor de quem espera
É uma graça a vencer.

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