Certas Palavras
Certas palavras nĂŁo podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciadas
em tom muito especial
lá onde a polĂcia dos adultos
não adivinha nem alcança.Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos, actos
do viver que sĂł os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos.E tudo é proibido. Então, falamos.
Poemas sobre Confiança de Carlos Drummond de Andrade
2 resultadosOs Velhos
Todos nasceram velhos — desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre — sempre
assim como estĂŁo hoje
e nĂŁo deixarĂŁo nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do JuĂzo Final.
Os mais velhos tĂŞm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
nĂŁo menos de 50 — enorm’idade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proĂbe. Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal?
Quem infrigiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Ignoram-me. NĂŁo sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarĂŁo
comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de monossĂlabos, resmungos,
tosse conclusiva.
Nem me vêem passar. Não me dão confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados,
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milénios.
Sigo, seco e sĂł, atravessando
a floresta de velhos.