Poemas sobre Coração de Natália Correia

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Poemas de coração de Natália Correia. Leia este e outros poemas de Natália Correia em Poetris.

Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

Paz

Irreprimível natureza
exacta medida do sem-fim
não atinjas outras distâncias
que existem dentro de mim.

Que os meus outros rostos não sejam
o instável pretexto da minha essência.
Possam meus rios confluir
para o mar duma só consciência.

Quero que suba à minha fronte
a serenidade desta condição:
harmonia exterior à estátua
que sabe que não tem coração.

Projecto de Bodas

Hoje apetece que uma rosa seja
o coração exterior do dia
e a tua adolescência de cereja
no meu bico de Isolda cotovia.

Hoje apetece a intuição dum cais
para a lucidez de não chegar a tempo
e ficarmos violetas nupciais
com a lua a celebrar o casamento.

Apetece uma casa cor-de-rosa
com um galo vermelho no telhado
e os degraus duma seda vagarosa
que nunca chegue à varanda do noivado.

Hoje apetece que o cigarro saiba
a ter fumado uma cidade toda.
Ser o anel onde o teu dedo caiba
e faltarmos os dois à nossa boda.

Hoje apetece um interior de esponja
E como estátua a que moldar o vento.
Deitar as sortes e, se sair monja,
Navegar ao acaso o meu convento.

Hoje apetece o mundo pelo modo
Como vai despenhar-se um trapezista.
Abrir mais uma flor no nosso lodo:
Pedir-lhe um salto e retirar-lhe a pista.

Hoje apetece que a cor dum automóvel
Seja o Egipto de novo em movimento;
E que no espaço duma gota imóvel
Caiba a possível capital do vento.

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