Poemas sobre Cores de Ricardo Reis

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Assim Choram os Deuses

Os deuses desterrados.
Os irmĂŁos de Saturno,
Às vezes, no crepĂșsculo
VĂȘm espreitar a vida.

VĂȘm entĂŁo ter conosco
Remorsos e saudades
E sentimentos falsos.
É a presença deles,
Deuses que o destronĂĄ-los
Tornou espirituais,
De matéria vencida,
LongĂ­nqua e inativa.

VĂȘm, inĂșteis forças,
Solicitar em nĂłs
As dores e os cansaços,
Que nos tiram da mĂŁo,
Como a um bĂȘbedo mole,
A taça da alegria.

VĂȘm fazer-nos crer,
Despeitadas ruĂ­nas
De primitivas forças,
Que o mundo Ă© mais extenso
Que o que se vĂȘ e palpa,
Para que ofendamos
A JĂșpiter e a Apolo.

Assim até à beira
Terrena do horizonte
Hiperion no crepĂșsculo
Vem chorar pelo carro
Que Apolo lhe roubou.

E o poente tem cores
Da dor dum deus longĂ­nquo,
E ouve-se soluçar
Para alĂ©m das esferas…
Assim choram os deuses.

SĂĄbio Ă© o que se Contenta com o EspetĂĄculo do Mundo

SĂĄbio Ă© o que se contenta com o espetĂĄculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que jĂĄ bebeu na vida,
Para quem tudo Ă© novo
E imarcescĂ­vel sempre.

Coroem-no pĂąmpanos, ou heras, ou rosas volĂșteis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta Ă  flor como a ele
De Átropos a tesoura.

Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu sabor orgĂ­aco
Apague o gosto Ă s horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.

E ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominĂĄvel onda
O nĂŁo molhe tĂŁo cedo.

O Infecundo Abismo

De novo traz as aparentes novas
Flores o verĂŁo novo, e novamente
Verdesce a cor antiga
Das folhas redivivas.
NĂŁo mais, nĂŁo mais dele o infecundo abismo,
Que mudo sorve o que mal somos, torna
À clara luz superna
A presença vivida.
NĂŁo mais; e a prole a que, pensando, dera
A vida da razĂŁo, em vĂŁo o chama,
Que as nove chaves fecham,
Da Estige irreversĂ­vel.
O que foi como um deus entre os que cantam,
O que do Olimpo as vozes, que chamavam,
‘Scutando ouviu, e, ouvindo,
Entendeu, hoje Ă© nada.
Tecei embora as, que teceis, Grinaldas.
Quem coroais, nĂŁo coroando a ele?
Votivas as deponde,
FĂșnebres sem ter culto.
Fique, porém, livre da leiva e do Orco,
A fama; e tu, que Ulisses erigira,
Tu, em teus sete montes,
Orgulha-te materna,
Igual, desde ele Ă s sete que contendem
Cidades por Homero, ou alcaica Lesbos,
Ou heptĂĄpila Tebas
OgĂ­gia mĂŁe de PĂ­ndaro.